Entes Queridos: o conto de amor e ódio do cinema australiano

Entes Queridos: o conto de amor e ódio do cinema australianoEntes Queridos é um filme de horror sempre lembrado na época de Dia dos Namorados. A produção dirigida por Sean Byrne, envolve elementos de amores proibidos ou não correspondidos, tortura, sequestro e problemas de ordem mental e estabelece tudo isso em um cenário escolar, durante um baile de formatura.

A obra começa com referência as ondas de rádio, com uma programação musical bem jovem, apreciada por um rapaz que aprendia a dirigir com seu pai, e que se envolveu em um acidente, desviando na estrada de um sujeito estranho.

A tragédia causa no rapaz, um grande trauma. O tempo presente do longa-metragem é de seis meses após, com o personagem Brent Mitchell de Xavier Samuel tentando seguir sua vida, lidando com a culpa do momento fatal, em que perdeu o pai.

Apesar desse sentimento, ele tem uma rotina que pode ser enxergada como comum, até namora Holly, uma bela moça interpretada por Victoria Thaine. O personagem ainda é disputado, abordado por Lola Stone, de Robin McLeavy, que o convida para o baile, obviamente recusada por ele, graças ao seu compromisso. Brent faz questão de tomar o devido cuidado e a delicadeza de dar essa negativa, sendo em absoluto uma pessoa simpática e cordial.

Aos poucos, é mostrada a perturbação do rapaz, que enxerga até em breves momentos, gatilhos do momento em que acabou perdendo seu parente querido, agravado claro pela perseguição que sofreria, da parte de outro personagem.

Entes Queridos: o conto de amor e ódio do cinema australiano

O cenário dessa obra guarda semelhanças com outro filme que analisamos há pouco tempo, Deathgasm, especialmente graças ao visual meio roqueiro dos jovens, mas também pelo fato de se passar em escolas e a coincidência continental, já que esse é australiano e o outro é da Nova Zelândia, ambos países da Oceania.

As cenas de sexo são mais exibicionistas em comparação com outras produções de horror teen. Não há nada explicito, não há foco por exemplo em penetração, mas há cenas picantes, com os colegiais mostrados em intimidade mais do que apenas sugestivas, inclusive com nudez parcial antes dos dez minutos iniciais.

Mitchell é melancólico, não gosta de andar de carro desde o acidente. Claramente se culpa e se odeia, tanto que se auto flagela, tem marcas de arranhões e cortes pelo corpo e carrega uma lâmina como pingente em um cordão.

Ele é revoltado por conta de sua sina e seu quarto reflete bem seu emocional, sendo escuro, com pouca luz e muitos pôsteres de bandas de metal. Seu destino parece querer ser trágico, uma vez que até suas intimidades com a namorada, ocorrem nos bancos dianteiros de um veículo.

Até no seu momento de pulsão e gozo, na pretensa fuga, ele tem contato com sua lembrança mais dolorosa e dolorida. Fora isso, ele é sempre perseguido, observado por Lola, que aparece ao seu redor. Ao estar entorpecido pelos próprios problemas, ele não percebe isso.

Alerta: a partir daqui haverão spoilers e argumentos a respeito de fatos que podem causar gatilho em pessoas sensíveis. O aviso está dado.

Entes Queridos: o conto de amor e ódio do cinema australiano

Brent flerta com a morte o tempo inteiro, chegando ao cúmulo de fazer alpinismo de mãos limpas, se agarrando as rochas unicamente com a força de sua pele.

Ele frequenta lugares isolados a fim de fumar e de fugir da sua realidade, e até os seus parentes parecem saber da sua rotina de se esconder sem aviso, e isso facilita a ação dos vilões, tanto que o ato em si evolui rapidamente, com Brent sendo capturado bem no início da trama.

Seu paradeiro se torna um mistério, e o único indício de que algo errado com ele, é o fato de Kahn, seu cão, retornar para a casa dele esfaqueado.

A música composta por Ollie Olsen invade a trama, com letras que conversam diretamente com as ações e eventos dos personagens, especialmente na casa onde Lola e com seu pai, Eric (John Brumpton), vivem e mantém reféns.

A relação entre esses parentes é bastante estranha, íntima demais, possivelmente incestuosa e pedófila. Quando Lola se despe para colocar seu vestido novo, o pai a observa intensamente, fitando os olhos nela praticamente sem piscar, com uma ótica claramente lasciva.

O protagonista acorda em uma mesa, amarrado, e além de pai e filha, ainda há Olhos brilhantes (Anne Scott-Pendlebury), uma senhora de idade, com uma cicatriz na testa que parece a de um tiro antigo. A mulher quase não se movimenta, fica até a dúvida se está viva ou não no início.

Esse é o primeiro indício irrefutável de um caráter ruim por parte de Lola e Eric, já que é insinuado que Olhos Brilhantes é a mãe da moça, e é impedida de viver normalmente graças a eles, sendo possivelmente agredida pelos dois.

Há uma óbvia referência a cena de jantar de O Massacre da Serra Elétrica, mas a grande questão é que se gasta um bom tempo mostrando sessões de tortura com o rapaz, e esse artifício perde força, ao longo da passagem de tempo.

Entes Queridos: o conto de amor e ódio do cinema australiano

Ora, cenas de violência impactam o público no começo, já que pega o espectador de surpresa, mas quando são prolongadas, quando são excessivamente longas, se perde o impacto e o incômodo.

Parece que Byrne não sabe muito bem a hora de parar de mostrar o horror, e nesse interim, contamina seus personagens, que não sabem dosar tempo e força no esforço de praticar o mal com Mitchell.

Da parte de Lola e seu pai, há claramente um prazer sádico por fazer as pessoas sofrerem. Ela machuca o seu suposto par, como o próprio patriarca dele machuca Olhos Brilhantes. Essa é sem dúvida uma família disfuncional, que tem prazer em tentar a todo custo fazer o rapaz chorar, esbarrando claro no fato dele já estar combalido graças a morte em seu passado.

Também fica claro que Brent não é o primeiro, houveram outros capturados antes dele. O último, foi Timmy Valentine, o garoto que o protagonista quase atropelou no episódio que matou seu pai, e que tem o mesmo sobrenome de Mia, a garota gótica interpretada por Jessica McNamee, que Jamie (Richard Wilson), o melhor amigo de Mitchell, levou ao baile.

O roteiro de Byrne é um pouco confuso, no sentido de não saber como abordar as tramas paralelas. O flerte entre Mia e Jaime é maravilhosamente pitoresco e bizarro, e corre em paralelo com as sessões de violência, mas por ser apresentado em paralelo com outros momentos mais sensacionalistas, perde força.

Entes Queridos: o conto de amor e ódio do cinema australiano

Desse modo, ambos os plots se canibalizam, dado que são completamente diferentes, nem se ri com esse casal tanto quanto merecem esses personagens, e nem se choca com a vítima, uma vez que a tortura se torna algo repetitivo.

Em alguns pontos até se brinca com a possibilidade das tramas se chocarem, mas isso não ocorre. O resumo do filme é que todos os rapazes da cidade, invariavelmente, servem ao intuito de Lola em procurar por um príncipe encantado, e como eles são apenas pessoas comuns, ao serem capturados, são tratados como sapos.

Lola é implacável, violenta, insana e agressiva. Caso essa fosse uma produção dos Estados Unidos ou Inglaterra certamente ela seria mais louvada e lembrada do que atualmente é.

A menina é bela, sádica e usa uma arma peculiar e marcante, no caso, uma furadeira. Ser um personagem de horror australiano afetou a sua popularidade entre o público civil, já que ela preenche todos os quesitos para ser uma diva do horror.

Ela poderia facilmente figurar entre personagens como Pearl ou Maxine de Mia Goth ou Wandinha, Tara e Lorraine de Jenna Ortega. O desempenho de McLeavy reforça que não existe na personagem qualquer pudor em causar dor, mal e sofrimento, mas ela segue até hoje sendo pouco lembrada.

Há incongruências, como não deixar claro o que ocorreu com Timmy Valentine, e como a família do policial não soube do paradeiro do rapaz. Aparentemente só os Stones pensam nessa cidade e todo o resto das pessoas são incrivelmente burras.

Diante da demonstração de toda sorte de abuso e da transformação das vítimas em praticantes de canibalismo, essa problemática policial parece pequena, afinal, a cidade tem mais preocupações do que a suposta falta de inteligência do policial e de sua família, afinal, tem alguém comendo gente embaixo da casa dos Stones.

O final é uma sucessão de eventos quase inexplicáveis, com policial caindo em armadilhas bobas, personagem tendo epifania sobre o paradeiro da vítima, e claro, a superação do trauma de dirigir, substituída pela vingança de Brent, que retribui sem remorso todo o mal que lhe foi imposto.

Entes Queridos tem uma violência seca, crua, com um gore invejável, com uma batalha bem dramática e sanguinolenta, e termina revelando o destino das outras vítimas como algo pior que a morte, reduzidas ao puro instinto, fazendo lembrar o quanto a vida humana é pode ser selvagem e agressiva, extrapolada em essência no argumento que o filme defende. Byrne é direto, violento e cruel no seu conto de amor jovem.

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