Tão Doce Quanto Perversa : Mais um Giallo/Thriller com Carroll Baker

Tão Doce Quanto Perversa : Mais um Giallo/Thriller com Carroll BakerTão Doce Quanto Perversa é um giallo de 1969, conduzido por Umberto Lenzi. Parte da trilogia de giallis psicológicos que une o diretor e a estrela Carroll Baker, é conhecido por sua trama rocambolesca. A história gira em torno de um homem entediado, chamado Jean Reynaud, que vive num prédio antigo de Roma com sua esposa.

Ao longo da história ele se interessa pela bela vizinha nova, aos poucos, ele passa a dar auxílios diversos a ela e até interfere em brigas conjugais da mesma, além de se envolver de diversas maneiras com a moça, inclusive amorosas.

Esse é o volume dois de uma cinessérie temática, que começou com Louco Desejo, também de 69, e Os Ambiciosos Insaciáveis, do ano seguinte. Em comum entre eles há uma história que se pauta pela sexualidade e sensualidade, além de reunir elementos de suspense e thriller.

O enredo tem tantas semelhanças com o clássico francês As Diabólicas (Les Diaboliques) de Henri-Georges Clouzot que ficou conhecido pelo apelido de O 'Diabolique' italiano. É sabido que Lenzi era muito fã do cinema de Clouzot, tanto que gostava de emular o seu estilo, copiava ele mais até do que imitava Alfred Hitchcock em Psicose, já que esse é chamado de psicogialli, como o filme anterior da trilogia e O Doce Corpo de Déborah, que também estrela Baker.

Essa é uma coprodução entre Itália, Alemanha Ocidental e França. Lenzi dizia que depois de Dino Risi (Aquele que Sabe Viver e Os Monstros) Lenzi foi o italiano que mais fez coproduções italo-francesas, com 21 filmes.

Tão Doce Quanto Perversa foi pensado pelo roteirista Ernesto Gastaldi primeiramente como um programa para TV. Foi idealizado quando ele era adolescente, ainda novo ele enviou um rascunho do texto para uma emissora achando que isso era o suficiente para aprovarem o seu projeto...era jovem e ingênuo, achava que isso o faria brilhar.

Nessa época o roteiro ainda chamava Triangulo Equilátero. Anos depois ele escreveu várias obras, entre elas, os faroestes Pistoleiros em Conflito e Sua Lei Era Vingança.

Ele conseguiu que o texto chegasse até Luciano Martino (A Ilha dos Homens Peixes), que assinou como argumentista e também foi produtor, junto a Mino Loy (Tubarão Vermelho) e Jacques-Paul Bertrand (Espionagem Internacional), que não foi creditado como tal. O produtor executivo foi Sergio Martino, que se notabilizou mais por ser diretor, de obras como A Cauda do Escorpião e Torso.

O argumento de Martino foi adaptado por Massimo D'Avak, de Mundo Canibal, Quem a viu Morrer? e O Perfume da Senhora de Negro.

O filme se chama Così Dolce... Così Perversa em italiano. Na Argentina é Tan dulce... tan perversa, nos países de língua inglesa é conhecido como So Sweet... So Perverse, além de Kiss me, Kill me! na Alemanha. Na França, chama Si douces, si perverses e na Grécia é To doloma tis amartias.

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Os estúdios por trás da produção foram a Zenith Cinematografica, Flora Film, Tritone Filmindustria Roma S.r.l., CEDIC e Rapid Film GmbH. Nenhuma dessas companhias foram creditadas como tal, somente havia vinheta da distribuidora italiana Variety Film Production.

O filme foi rodado entre a Itália e a França. Teve cenas em Punta Ala - Castiglione della Pescaia na Toscana e no Incir De Paolis Studios, em Roma, em Paris filmaram em Arc de Triomphe = Place Charles de Gaulle, também na Avenue des Champs Elysees, Rue Desaux, Champ de Mars, na Torre Eiffel, todas essas localidades na cena de abertura.

Também filmaram na Tuillerie GardensCharcuterie Fouquet, Hotel Barniere Le Fouquet's, na avenida 99 de Champs Elysees, Dior Beaute'Lac Inferieur em Bois de Boulogne, Hippodrome em Bois de Boulogne, e no aeroporto de Charles de Gaulle.

Lenzi vinha de obras que misturavam elementos de criminalidade e perseguição a bandidos, como Kriminal e Patrulha Suicida. Ele afirmou que gostou de filmar esse, particularmente as partes iniciais, em Paris. Em entrevistas, avaliou que o começo do filme é melhor que o seu final, principalmente graças as filmagens na França, que saíram bonitas e charmosas.

O diretor acreditava que o filme não foi um sucesso comercial graças ao seu final, que se passa na praia. Esse fato se tornou uma grande discórdia, entre ele e Gastaldi.

A narrativa começa em um belo passeio de carro, por Paris, onde Jean Reyanud passeia em seu Pontiac FirebirdTrans Am 1969.

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O personagem de Jean é feito pelo francês Jean-Louis Trintignant, é um homem abastado e entediado. O seu comportamento - e discurso - passa por um desejo de conhecer novas formas de explorar a libido.

Sua fala demonstra um ar blasé, sua expressão é a de quem está enfastiado e enfadado. Mesmo quando tem lida com a sua esposa Daniella, da italiana Erika Blanc parece sem vontade, mesmo que ela seja uma mulher muito bela.

Só demonstra algum sentimento que não o de incômodo quando vai entregar um item perdido de sua nova vizinha. O pacote é de posse de Nicole Perrier, que vem a ser a mulher que é interpretada por Carroll Baker. Ela mesma só assume seu nome real depois de algum tempo, como se a mera menção de seu nome próprio fosse um prêmio.

O filme é apelativo, já mostra nudez nos primeiros dez minutos, exibindo o belo colo de Blanc como uma esposa que busca chamar a atenção do seu marido.

O sujeito se aproxima, até ameaça tocar nela de maneira carionhosa e íntima, mas o faz de maneira tão impessoal que beira o insultuoso. A câmera registra a visão de Jean sobre o mundo, quase exclusivamente.

Ele pouco se interessa por trivialidades, mas não parece tampouco um sujeito preocupado com assuntos profundos. Parece curioso com os barulhos na casa da vizinha e até pega a chave com o porteiro.

Ao entrar na casa dela repara que há muitas facas, expostas na sala de uma maneira estranha, faz até parecer algo relacionado a algo sexual, como práticas de BDSM. Se essa era a intenção, faltou transparência no referencial, já que não há mais qualquer menção. Provavelmente esse foi um aceno, uma pequena referência, somente para olhos treinados.

Nicole se assusta ao ver Jean em sua casa. Ele é solícito e fino, se explica, afirma que estava com a chave desde que o apartamento estava vazio, mas ela recusa a aproximação.

Nesse ponto ela parece um bicho acuado, como se fosse perseguida por alguém de fora e o protagonista percebe isso e anuncia que estará por perto, assim que ela tiver confiança nele.

Ainda assim ela não consegue disfarçar seu caráter exibicionista, tampouco esconde suas belas curvas, mesmo nos momentos cotidianos e ordinários, seja no modo de vestir, de andar ou de se comportar.

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Nicole sai dos seus aposentos depois de apanhar, justamente quando Jean passa pelo corredor. Parece uma questão apenas de coincidência, mas é tão cuidadosamente tratada assim que parece algo premeditado.

Ela cede aos pedidos de Jean e pede ela mesma para sair dali o quanto antes, para se afastar de seu agressor.

Lenzi usa muito bem sua trilha original. A música de Riz Ortalani é grave e estridente, ajuda a fazer o espectador mergulhar na loucura de Nicole e nas reações dela. O tema musical "Por que", foi posteriormente reciclado em Sete Orquídeas Manchadas de Sangue que Lenzi traria aos cinemas no ano de 1972.

Entram cenas super coloridas, com cenários onde tonalidades grosseiras prevalecem, sempre em cores fortes. O medo que ela nutre por Klaus é muito bem pontuado.

Se Baker chama a atenção pela beleza ímpar, Blanc não fica atrás, também brilha, se mostrando uma mulher triste, deprimida e sentimental, uma pessoa que não consegue lidar bem com a rejeição daquele que jurou amá-la, mesmo que seja uma mulher linda.

As duas passam a ter uma rivalidade que cresce ao longo da trama.

Tão Doce Quanto Perversa : Mais um Giallo/Thriller com Carroll Baker

Não é surpresa quando Baker e Trintignant se envolvem carnalmente. Lenzi mostra a intimidade dos amantes de maneira tímida, não é tão explícita quanto a nudez como foi em O Louco Desejo e Os Ambiciosos Insaciáveis.

Curioso como Klaus é um personagem que sempre é citado, que é presente dramaticamente, mas não aparece muito, pouco fala e quase nunca está no centro das imagens e ações.

Se olhar pelo lado das participações em matéria de tempo de tela, é possível até encarar ele como uma figura espiritual, fantasmagórica quase irreal.

Isso só muda quando a duração se aproxima do quadragésimo minuto, quando ele invade a casa onde o "novo casal" está hospedado.

Quando aparece, o ator Horst Frank está usando uma roupa toda preta, lembrando o típico assassino dos filmes de Dario Argento, o que é curioso, já que foi lançado um ano antes de O Pássaro das Plumas de Cristal, que foi o primeiro exemplar do estilo feito pelo diretor.

A partir daqui falaremos mais sobre os segredos da narrativa, portanto, haverão spoilers. Leia sabendo disso.

Tão Doce Quanto Perversa : Mais um Giallo/Thriller com Carroll BakerTão Doce Quanto Perversa - 9 de Novembro de 1970 | Filmow

Perrier assume a sua real identidade. Se classifica como uma isca para um golpe que costuma pregar em homens volúveis. Ela se coloca como uma mulher em necessidade, que seduz os homens para arrancar o dinheiro deles.

Jean não parece se afetar com isso, tanto que ela leva sua amante para andar com ele em meio a elite intelectual da vizinhança. Essas pessoas são estranhas, parecem todas cínicas e preconceituosas.

No meio dessas interações, se destaca a semi-nudez da personagem de Beryl Cunningham, que é mostrada como exótica, basicamente por ser desinibida e interpretada por uma atriz preta. Em inglês ela é creditada como Black Stripper e Spogliarellista, que significa stripper em italiano. Ela sequer tem nome.

Jean acha inteligente apresentar Nicole a sua mulher justamente na reunião dessas pessoas. É uma falta de noção abissal. Os dois ainda caem na brincadeira sexual da dançarina e se beijam na frente de todos.

Klaus e Jean se confrontam fisicamente, o primeiro até usa uma faca. O confronto termina trágico para Jean. Nicole parece ter sentido prazer em ver os dois brigando e por ter visto seu par vencendo o outro.

Nicole tenta consolar Danielle, depois que ela vê o corpo carbonizado do marido. Toda essa trama parece suspeita demais, especialmente quando as pessoas tentam fazer essa questão parecer um acidente.

Não demora a virar um jogo de teatro e manipulação. Jean fez um seguro, depois sumiu, disse que retornaria. Danielle lembra disso, em um sonho, como um prenúncio do que poderia acontecer.

Curiosamente, esse tipo de lembrança viraria uma espécie de clichê entre os gialli. Era comum que o protagonista ou um coadjuvante tivesse uma lembrança turva, que vai se tornando mais clara ao longo da história, até que se atinja o clímax.

É notável também que a timidez em mostrar nudez na primeira hora não ocorre na meia hora final. Tanto Baker quanto Blanc aparecem sem roupa de maneira gratuita, sozinhas em cena, parece que sem Jean, elas podem se despir e mostrar quem realmente são. No entanto Danielle se recusa a acreditar que o marido de fato morreu, afinal, o corpo carbonizado poderia ser de qualquer um.

Próximo do final, Danielle é morta por Klaus, enquanto está no telefone. Ela grita por Jean, fato que a faz parecer louca, já que sente tanta falta de seu marido que o convoca em seu último suspiro.

Klaus e Nicole seguem juntos, a moça tenta enquadrar ele, mas não consegue, já que ele percebe que o detetive que investiga o caso, está no mesmo voo que eles. Ela afirma que devem seguir caminhos separados, já que o preço aqui é a eterna vigilância.

Lenzi reclamou que o roteiro de Gastaldi não possuía uma punição final e que a sucessão de reviravoltas soou artificial. De fato, ele não estava errado, mas culpar unicamente o roteiro parece algo injusto, já que a realização poderia ter aplacado essa sensação ou ao menos diluído isso.

Tão Doce Quanto Perversa é o menos inspirado da trilogia, mas ainda assim é uma boa exploração da paranoia geral. Tem boas atuações, sobretudo de suas musas e é uma boa exploração dos jargões dos thrillers psicológicos. É charmoso, bem filmado e explora bem as sensações de carência, delírio e insanidade.

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