Review: Demolidor - A Segunda Temporada

demolidors2review2Apesar de uma bem sucedida primeira temporada, a série do Demolidor na Netflix deixou a desejar em vários pontos. Da trama esticada desnecessariamente por 13 episódios, que contava com subplots desinteressantes e um ritmo irregular, até a caracterização exageradamente dramática do vilão, que seguia o caminho contrário dos quadrinhos, revelando sua origem sofrida antes de apresentá-lo como o Rei do Crime cruel e impiedoso que deveria ser (além de investir em uma trama romântica aborrecida), a estreia da série também teve muitos pontos positivos e surpreendeu por trazer uma abordagem madura, mesmo que para isso lembrava se tratar de uma adaptação de quadrinhos apenas quando resolvia fazer referência a alguma obra famosa envolvendo o herói cego da Marvel.

Com a mudança de showrunners (Steven S. DeKnight por Doug Petrie e Marco Ramirez), a segunda temporada trouxe novos ares e corrige a maioria dos problemas observados anteriormente. Como ano passado, comentei episódio a episódio no Facebook, que você pode conferir abaixo, junto com as impressões sobre os dois últimos episódios e uma visão geral da nova investida.

Demolidor S02E01: dá um banho em qualquer episódio da S01 no que se refere ao ritmo. Dinamismo nos diálogos e mais humor ajudam bastante nesse sentido, mas o que realmente colabora é a duração mais curta do episódio: 10 minutos a menos que o padrão da temporada anterior fazem a experiência jamais parecer mais longa do que deveria.

Já a trama, bem, está apenas começando e o roteiro é muito eficiente em apresentar a ameaça do Justiceiro. Nada de extraordinário aqui, mas o suficiente para ter a atenção do espectador. A introdução do anti-herói é feita da melhor forma possível: aos poucos, envolta em mistério e nada favorável aos métodos ultraviolentos de combate ao crime, uma vez que coloca em risco a vida de um certo personagem regular do seriado. Também é interessante ver como as gangues da Cozinha do Inferno estão se saindo com a vaga deixada pela prisão do Rei.

O início da S02 parece muito mais confortável com elementos das HQs e melhora a relação Matt/Foggy, tornando-a mais divertida. E a presença do Tucão também é totalmente referencial aos quadrinhos de Frank Miller, mais do que era na S01, em que o personagem era sério demais.

S02E02: A série parece investida em melhorar a participação de Foggy. O personagem está muito mais interessante e mostra aqui competências sempre elogiadas por seu sócio nas HQs: a retórica e a capacidade de usar informações úteis pra chegar onde quer. Além da lealdade para com Matt. A abordagem do Justiceiro continua certeira numa espécie de slasher de criminosos e Jon Bernthal vai liberando aos poucos a fúria do personagem num crescendo assustador.

S02E03: O confronto entre Demolidor e Justiceiro chega a um momento épico tirado dos quadrinhos e ampliado, com uma discussão sobre os métodos de cada um. O episódio, mesmo quase todo focado em diálogos, não desacelera no ritmo e usa a tensão para manter o espectador interessado. Começa com uma bela referência à HQ O Homem sem Medo que pode levar a um desenrolar interessante quanto ao passado de Matt. É aqui também que a segunda temporada faz jus a um dos momentos mais alardeados da primeira, referenciando o famoso plano-sequência, mas desta vez com mais cortes ocultos para criar a ilusão do take único. O conceito da cena exige isso, e é bem empolgante, mas a "simplicidade" da original é insuperável. Tematicamente o momento pode também representar uma descida ao inferno (e há evidências disso, bem óbvias, por sinal), mas isso só os futuros episódios dirão.

S02E04: Mesmo o episódio mais longo até agora tem um ritmo muito melhor que qualquer um da primeira temporada. Ótimo foco no Justiceiro, que culmina em um momento poderoso para Bernthal. Outra melhora considerável é a estrutura da investigação paralela da Karen. Se ano passado era um problema pois a moça só descobria coisas que Matt (e o espectador) já sabia, aqui o desenrolar é realmente paralelo e complementa a trama principal. Este episódio também marca o fim de um arco, algo que a série não havia experimentado anteriormente e faz um bem danado pra narrativa. Exemplar que pode ser colocado facilmente entre os melhores do seriado, num top 3.

S02E05: Aqui a série sofre uma queda de ritmo pois inicia seu segundo arco focada em contar mais do passado de Matt e introduzir lentamente a trama de Elektra. A personagem está bem representada nos flashbacks, muito fiéis à HQ Homem Sem Medo. Já a situação no presente se arrasta bastante. Há também a subtrama da Karen, que tem também uma pequena queda na qualidade. Se até agora estava indo bem a investigação, neste quinto episódio volta a ter o problema da S01: a personagem acrescenta pouca informação que o espectador já não saiba devido aos episódios anteriores.

S02E06: as duas tramas paralelas não atrapalham o ritmo como apenas a da Elektra atrapalhou no episódio anterior. Na verdade a dinâmica entre Matt e a ninja melhora bastante com ambos em ação. Apesar de não trazer nada novo quanto ao passado de Frank, o diálogo com Karen é tão forte quanto o do quarto episódio. E a reviravolta que levará ao julgamento do Justiceiro é bem construída e pode trazer ótimas discussões sobre ética no futuro. Voltou a empolgar.

S02E07: A subtrama com Elektra finalmente fica tão empolgante quanto a do Justiceiro no começo da temporada. Ver a moça e o Demolidor enfrentando capangas juntos e se divertindo com isso é um dos grandes momentos do seriado para os fãs. A influência das HQs de Frank Miller não se limita apenas à presença da ninja, mas também diz respeito a estrutura utilizada pela série para contar a história. A relação entre Foggy e Matt começa a ficar conturbada e, diferente da primeira temporada, por conta de um motivo muito mais palatável. O espectador se identifica com as frustrações do sócio de Murdock, ao mesmo tempo que simpatiza com os motivos do advogado-justiceiro, fazendo o conflito soar natural. As ramificações estão no crescimento de Nelson como personagem, uma vez que se vê obrigado a se impor.

Se no anterior Elektra passa a se tornar interessante, aqui ela conquista de vez seu espaço com uma revelação que, embora esperada para quem conhece as HQs, faz a trama andar e ganhar um sentido maior com elementos introduzidos na primeira temporada. Esse episódio consegue empolgar também nas cenas de tribunal, novamente fazendo Foggy se destacar como advogado. Karen é outra personagem que tem se beneficiado bastante com a trama do Justiceiro, principalmente por representar, em oposição à Matt, a discussão gerada pelo texto quanto aos métodos de Castle. Só se torna um pouco incômoda a quantidade de exposição deixada para os diálogos da moça. A introdução do Tentáculo e algumas participações surpresa tornam este oitavo exemplar da temporada um dos melhores.

S02E09: a descida ao inferno representada na sequência final do terceiro episódio reflete na trama de Matt. Sua discussão com Foggy, diferente da pálida "DR" da temporada anterior, revela uma mudança perigosa de comportamento no protagonista, tornando possível que o espectador torça por Nelson. Já no lado de Frank Castle, uma ótima reviravolta e uma sequência ultraviolenta na prisão fazem o personagem novamente crescer e caminhar rumo a sua constante guerra contra o crime, tornando sua participação na série extremamente funcional como história de origem. O episódio se permite uma dose de simbolismo até forçado, mas inegavelmente empolgante para os fãs do anti-heroi com caveira no peito. E, embora seja coerente com a série, a participação de Karen neste episódio serviu pra lembrar o erro cometido pelos roteiristas quanto ao destino de Ben Urich, que, de forma alguma poderia ser substituído por seu editor, personagem bastante genérico, como acontece aqui. As várias tramas ao mesmo tempo não impedem o episódio de dar destaque a todas. Ótimo ritmo e suspense cada vez maior em relação ao Tentáculo.

S02E10E11: fica cada vez mais difícil falar dos episódios individualmente tamanha a ligação que as tramas passam a ter e a forma com que as paralelas vão se integrando na narrativa. Mais surpresas envolvendo um vilão em particular, principalmente na cena que protagoniza com Matt, e não com o Demolidor. Há, no entanto, algo estranho sobre Karen, que em momento algum se pergunta como seu namorado cego antecipou um tiroteio. Se a moça não fosse tão curiosa a respeito de tudo, daria pra deixar passar. Tomara que ainda dê tempo de voltar a isso. A série também está se saindo bem em introduzir elementos místicos sem que pareçam deslocados no universo "pé-no-chão" no qual se insere. Assim como observado logo no episódio de estréia deste ano, Demolidor está muito mais apta a parecer uma adaptação de quadrinhos do que estava em sua primeira investida, trazendo, inclusive, uma interpretação muito mais fiel do vilão citado acima. E, apesar de lidar com vários personagens, muito mais que ano passado, os roteiros sabem muito bem o que deve ficar em foco, alternando a atenção entre episódios.

S02E12E13: a temporada chega ao fim em um confronto épico do Demolidor e Elektra contra o Tentáculo. Uma verdadeira dança de violência em que o palco é o telhado de um prédio abandonado. Várias revelações quanto a origem da moça trazem um frescor na mitologia do universo do Homem sem Medo e oferecem uma nova versão de um dos momentos mais emblemáticos das HQs envolvendo a ninja assassina. Do outro lado da equação, há o encerramento da trama do Justiceiro, que na verdade apenas faz o personagem surgir na versão que os fãs tanto queriam (fazendo até soar perdoável sua aparição no confronto final, um tanto forçada). Alguma influência da ótima Graphic Novel Retorno ao Grande Nada, mas no geral, este Frank Castle está muito próximo da interpretação dada por Garth Ennis em sua fase como roteirista dos quadrinhos, principalmente quanto o programa opta por mostrar a violência de seus atos de forma mais crua.

Enquanto Bernthal pode ter marcado a caracterização definitiva do Justiceiro em live action, Elodie Young demora um pouco, mas cria uma Elektra tão complexa quanto a versão dos quadrinhos. Com nuances de loucura e paixão, sua relação com Matt é brilhantemente ilustrada nas sequências de ação e no simbolismo existente em momentos como o que o advogado a perfura com uma agulha para costurar um corte profundo. A química entre os dois intérpretes é evidente e quando estão juntos sempre parecem prontos a dominar a tela. Isso fica muito bem exemplificado quando ambos vão até uma festa para invadir um andar sigiloso do prédio dominado pela Yakuza.

O elenco de apoio teve um material rico para trabalhar e o fez com maestria. Foggy Nelson termina a temporada um personagem muito melhor do que era, Karen Page encontra uma nova vocação e vários vilões prometem retornar no futuro próximo para dar mais trabalho para Murdock em sua cruzada contra o crime. E é justamente o herói cego que passa por transformações significativas. Depois de questionar seus métodos, graças aos encontros com Justiceiro e Elektra, o advogado percebe porque é o Demolidor e aceita isso. Enquanto na primeira temporada ser um heroi mascarado parecia um fardo, até porque o levava a ferimentos gravíssimos, na segunda, mais protegido por sua armadura, Matt não consegue se imaginar fazendo outra coisa. É um interessante flerte dos roteiristas com um estudo de personagem, até onde uma série de ação se permite entrar nesse tipo de análise sem se tornar maçante para quem espera mesmo a boa e velha pancadaria.

Se a primeira temporada referenciava Frank Miller, mas seguia uma abordagem mais próxima dos quadrinhos de Brian Michael Bendis, este segundo ano é totalmente reverencial a Miller, inclusive na narrativa, elegante, sem perder o ritmo. Com uma fotografia melhor que a observada no ano anterior, dando chance ao espectador para entender o que está acontecendo sem precisar ajustar o brilho e o contraste da TV, a série se apresenta mais "clara", o que também é simbólico para o momento em que Matt se encontra, de aceitação.

Com mais ganchos que a antecessora, essa temporada encerra uma parte da história, mas deixa claro que há muito mais a ser contado e "guerra" sempre citada por Stick pode estar longe de terminar. Com os planos da Marvel/Netflix em desenvolver este universo sombrio para a série dos Defensores, talvez muito do que é prometido quanto ao Tentáculo e outros personagens, seja abordado nesta série em questão. Depois de Jessica Jones e do segundo ano de Demolidor, é óbvio que essa fase do universo cinematográfico Marvel encontrou seu tom e deve perdurar por muito tempo ainda. Para a alegria dos fãs.

Alexandre Luiz

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