Crítica: Moonrise Kingdom

A vida real precisa de mais cores. Por isso, o estilo fabulesco utilizado por Wes Anderson para contar suas histórias é tão fascinante. Quem não gostaria de se apaixonar pela primeira vez e fugir com a(o) perceira(a) para paisagens de tons vivos de verde, amarelo, laranja e azul? Que casal não gostaria de descobrir o sexo de forma inocente, sincera e pura? Moonrise Kingdom, o mais recente filme do diretor, é exatamente sobre essa descoberta. Que ótimo seria se tudo isso acontecesse num mundo mais colorido.

Na trama, Sam (Jared Gilman) é um jovem escoteiro órfão que foge de seu acampamento para ficar com Suzy (Kara Hayward), garota que vem de uma problemática família em que seus pais, vividos por Bill Murray e Frances McDormand, provavelmente não se conheceram em situação tão pitoresca ou excitante a ponto de qualquer paixão que possa ter existido tivesse a oportunidade de continuar. Enquanto sozinhos, o casal protagonista se descobre. Com diálogos embutidos de pureza e inocência, ambos falam de suas frustrações, seus sonhos. E é notável a qualidade da interpretação destes atores mirins, entregando falas complexas e que soam bobas por conta do humor sutil do roteiro de Anderson e Roman Coppola, de forma tão séria e centrada. Mas como todo filme do cineasta, os coadjuvantes são tão interessantes quanto os personagens principais. O chefe dos escoteiros vivido por Edward Norton é um bom exemplo, assim como o policial designado para encontrar as crianças, interpretado de forma íntegra por Bruce Willis. Murray e McDormand não ficam atrás e transmitem uma melancolia constante como um casal que não se ama mais (e uma conversa entre os dois é particularmente triste ao expressar essa relação).

Dotado de todas as características que fazem o trabalho de Wes Anderson tão distinto, Moonrise Kingdom se beneficia da paleta de cores quentes, dos enquadramentos centralizados, dos travellings impossíveis e, por que não, dos olhares tristes de Bill Murray. Isso porque, na visão das crianças, tudo é meio fora de escala, toda cor é um pouco nova e muitos pais não exibem expressões de felicidade. O longa conta ainda com auto-referências como o narrador que se veste como Steve Zissou ou as fantasias de animais, lembrando os personagens de O Fantástico Sr. Raposo.

Mas o que realmente chama atenção nesta obra é o relacionamento dos jovens Sam e Suzy. Usando simbolismos para a representação de cada descoberta de ambos, Anderson torna esse casal um dos mais belos de se assistir na tela grande, pelo menos dos últimos anos. Por isso, não despertam apenas a simpatia do público, mas também dos personagens com quem interagem. A beleza do sentimento dos dois muda o lugar onde a trama se passa, a ilhazinha no meio do nada nos anos 60, habitada por pessoas distantes e melancólicas, muito bem representadas pela direção de arte, enfática, por exemplo, ao delinear tons cáqui e bege para o acampamento dos escoteiros, ilustrando a solidão do personagem de Norton, ou os monocromáticos escritório e veículo do policial. As cores desfrutadas por Sam e Suzy parecem nunca terem feito parte do cotidiano destes adultos. E como deve ser triste passar uma vida toda sem conhecer diferentes tons de vermelho, verde, amarelo, alaranjado ou azul. Ao departamento artístico também, fica a responsabilidade das capas dos livros lidos pela garota e dos quadros pintados pelo garoto.

A direção de fotografia de Robert Yeoman ajuda a compor os coloridos quadros e a valorizar a narrativa com belas imagens das paisagens do local, tanto as naturais como as arquitetônicas, enquanto a trilha de Alexandre Desplat, unida à algumas obras eruditas, dá o tom certo às sequências, muitas vezes indicando ao espectador a ironia contida ali. Com a montagem de Andrew Weisblum criando momentos de grande inteligência, como a passagem mostrando o conteúdo das cartas que os protagonistas trocam entre si, a harmonia entre departamentos está completa. Anderson usa, em alguns momentos, uma gravação que mostra a função de cada pedaço de uma orquestra na performance de uma música, quase numa alusão ao que a união de tantas competências faz em seus filmes. Se há muito coração na trama, há muita sensibilidade artística envolvida em sua execução.

Criando um filme maduro com personagens infantis, o cineasta dá um grande passo em sua filmografia ao tornar os adultos frustrados seus coadjuvantes. É uma dose de esperança muito bem-vinda neste trabalho que trata de um tema tão universal como o amor. Tomara que o público tenha a oportunidade de se emocionar com Moonrise Kingdom. Tomara que muita gente adicione mais cores às suas vidas.

Alexandre Luiz

Comente pelo Facebook

Comentários

Comente pelo Facebook

Comentários

5 comments

  1. Avatar
    gold account 20 outubro, 2012 at 04:38 Responder

    O cineasta então pode dissertar sem receio de agredir as emoções do espectador, ou mesmo as emoções do personagem. Somos levados desta forma ao âmago do estudo, e diversos momentos do longa saltam aos olhos por sua sinceridade. O diálogo entre Anders e Thomas resulta numa conclusão bastante realista, mas amarga: a depressão é uma doença contagiosa. Ela pode ser transmitida de um doente para quem estiver por perto e ousar trocar idéias com o mesmo. Isso só gera mais isolamento para aquele que é atormentado pela depressão – e não é a toa que depois de ouvir certas verdades indigestas sobre sua vida, Thomas nem mesmo aparece de novo na película. Ironicamente, o isolamento só é um fator que potencializa a doença. Ainda pior é ter a mensagem nas entrelinhas que, além de ter sua vida destruída, o depressivo pode acarretar a desgraça de seus entes queridos caso peça ajuda. Com tais convicções – verídicas na maioria das vezes, infelizmente – realmente seria impraticável uma abordagem emotiva com seus personagens.

Deixe uma resposta