A Enfermeira Assassina é um filme pitoresco e esquisito por muitos fatores. Localizado no gênero do horror, flerta também com a condição erótica, já que é quase soft-porn. O longa usa um dado supostamente real para estabelecer seu terror, afirmando que o setor de serviços de saúde tem a tendência de reunir mais serial killers do que outras profissões.
Conhecido também como A Enfermeira, Nurse ou Nurse 3D, o longa-metragem de Doug Aarniokoski é produzido pela Lionsgate, lançado em 2013 e narra a história da bela mulher interpretada por Paz de La Huerta, uma atriz de corpo escultural, mas sem grandes dotes artísticos.
Sua personagem é Abigail 'Abby' Russell, uma enfermeira que se apresenta de maneira peculiar, em um monólogo que quebra a quarta parede, afirmando junto ao espectador que se veste como uma prostituta. Em sua cena de introdução ela diz que trabalha de dia e a noite seduz homens, os atrai e os mata friamente.
Essa descrição é um bom resumo não só do comportamento dela, mas também da trama em si. Ela simplesmente pega homens, os leva a lugares isolados, brinca com suas partes íntimas utilizando lâminas, tesouras e afins e corta membros, depois mata eles, em um movimento que pode ser encarado até como ato misericordioso, dada a agonia que seria a vida deles após as feridas que ela impôs.
Abby afirma que gosta de pegar homens casados e se aproveita da condição ególatra deles para enganar os sujeitos. Se há alguma inteligência nesse texto é o desdenhar dos homens heterossexuais que se consideram machos alfas, irresistíveis e sedutores. Como boa parte dos homens comuns se julga o topo da cadeia alimentar da conquista, ela trata de inverter papéis, já que é ela quem preda.
O longa não constrói suspense, tampouco se dedica a estabelecer uma atmosfera de terror. Também peca no quesito dos efeitos especiais, trazendo um CGI de qualidade duvidosa.
Usa e abusa de sangue digital e usa demasiadamente o fundo verde, não escondendo quando opta por esse estilo de filmagem. Sempre fica evidente que os cenários de fundo são falsos. A sensação de profundidade acaba se perdendo.
Como todo o drama gira em torno da personagem de Huerta, não há muito o que esperar dramaticamente, mesmo que hajam alguns atores razoáveis. Abigail é uma vilã clássica. Tem um código ético torto, tem ciência disso e não se envergonha em momento algum desses pensamentos. Em algum ponto ela até confundi seus comportamentos e métodos com uma forma diferenciada de cuidar das pessoas e de exercer a função da enfermagem.
Seu discurso tenta parecer profundo e niilista, mas é apresentado em cenas tão mal interpretadas que fica difícil digerir a complexidade que o texto propõe. O cúmulo disso é quando ela decide falar direto ao público sobre a crueldade humana e sobre o seu senso de justiça particular, justamente em um trecho onde ela está em cima de um homem com tórax repleto de seringas que ela mesma colocou.
Ela quer se mostrar como uma artesã em matéria de homicídios, mas não parece ter nenhuma capacidade de fazer dos corpos os quadros para a sua pintura. Se já era difícil acreditar que um homem idoso e erudito como Hannibal Lecter seria capaz de montar um anjo de carne com corpos em O Silêncio dos Inocentes, imagina se dá para acreditar que uma pessoa tão vazia quanto ela conseguiria montar as peças com corpos que ela faz.
Na maioria dos assassinatos, parece que ela tem um cúmplice, para pelo menos arquitetar a morte criativa que aparecerá, mas não. Se o filme ainda exibisse esses corpos com orgulhos, daria para relevar, pois mesmo sendo inverossímil, ainda assim teria uma boa demonstração de gore e sanguinolência.
O filme apresenta alguns personagens como simpáticos, basicamente para contrapor sua personagem-título. O melhor retratado entre eles é a enfermeira recém-formada Danni Rodgers (Katrina Bowden), que aos poucos, divide com Abby o papel de personagem central.
Curiosamente ela também é introduzida de maneira fetichistas, fazendo plantões com roupas bastante curtas, de um modo que dificilmente alguém do setor de saúde usaria.
Aparentemente a ideia do roteiro de David Loughery é tratar as mulheres que trabalham na enfermagem como pin-ups. Elas podem ter algum traço de humanidade, até tem falhas e defeitos bem humanos, mas são o resumo da figura de sedução, quase sempre vestidas de maneira reveladora.
Sua função é a de motivar a trama, de colocar contrapontos de enfermeiras cujo caráter pode ser bom ou malvado, mas sua função primordial é a de provocar os personagens que habitam esse universo.
O filme tem uns momentos sem noção, com Danni transando com o seu namorado - que vem a ser o motorista da ambulância - no meio do plantão. Mesmo com essa postura nada profissional, ela é apresentada como alguém de boa índole, fiel aos seus compromissos.
Só é crua, inexperiente, mas Abigail se colocaria a disposição para ensinar lições a ela. A protagonista olha para Danni com carinho, deseja convidar ela para o seu mundo macabro e bizarro, deseja fazer ela passar por um batismo de sangue, para abraçar de vez a vocação da enfermagem, ou ao menos algo nesse sentido, não fica exatamente claro.
O problema é que tudo aqui é caricatural. Aarniokoski não consegue dar gravidade a nenhum momento, especialmente ao lidar com a pressão que é trabalhar em uma função que lida com o limite entre vida e morte o tempo inteiro.
Tudo parece desimportante e motivo para piada. As atuações são péssimas, as mulheres parecem estar na trama somente para cumprir cotas de fetiches, os homens são mostrados como reféns de seus impulsos e desejos sexuais.
Até os aspectos técnicos são sofríveis. A fotografia de Boris Mojsovski parece saturada, acaba sendo prejudicada pelas diversas interferências em CGI, mas mesmo quando está crua, em estúdio, parece artificial. Tem mais semelhanças com a cinematografia de televisão do que de cinema. Como Aarniokoski tem experiência maior com produções de televisão, natural que o visual seja assim.
A música de Antonio Sanko até tenta salvar os momentos que deveriam ser mais dramáticos, mas assim que Huerta aparece, o esforço cai por terra. Suas interferências são gritantes, mesmo que não sejam nos momentos de nudez absolutamente gratuita. Quando a personagem decide narrar seus pensamentos ou desventuras, toda a atmosfera melodramática ou assustadora tomba.
A questão primordial é que o longa se baseia muito em uma atuação e apesar de Huerta ser bastante bonita, não compensa a sua falta de talento dramática. Curioso é que ela não era iniciante, já havia participado de obras elogiadas, como Choke: No Sufoco (2008) e Viagem Alucinante (2009), mas seu papel mais lembrado certamente é como Lucy Danziger em Boardwalk Empire.
Nessas produções ela funcionou, uma vez que não tinha muita função dramática, além de aparecer de forma esporádica, em doses módicas. Aqui ela é muito exposta e tem até seu passado abordado, enquanto é interpretada por Katia Peel.
Seu passado é trágico e traumático, mas até isso soa tosco, já que lembra demais o pano de fundo da duologia Ninfomaníaca de Lars Von Trier, inclusive nas sessões de terapia. Se a ideia fosse copiar também a complexidade dos assuntos, tudo bem, mas aqui não, é tudo uma cópia barata, malfeita e mal encaixada.
O roteiro ainda tem a cara de pau de chamar o terapeuta de Dr. Cook, em atenção ao palavrão em inglês Cock, que é um termo popular em inglês que se refere ao pênis. Trocadilhos a parte, a participação desse sujeito faz lembrar o quanto esse universo é pequeno, já que ele também é padrasto de Danni.
Mesmo que toda a trama se passe em uma cidade grande - foi rodado em Ontário, no Canadá, mas deixa acreditar que se passa nos Estados Unidos - aparentemente a habitação e vizinhança é provinciana. Todos se conhecem, todos se esbarram.
Huerta até convence como Femme Fatale, já que é uma mulher bela e sedutora, o problema é quando age como enfermeira. O tempo inteiro ela faz caretas, é comum vê-la franzindo a testa e cerrando os olhos, fazendo assim uma expressão suspeita, como se estivesse cobrando a todos.
Abby é uma mulher que parece não estar bem consigo mesmo e com nenhuma outra pessoa, age como a justiceira de causas minúsculas, uma vez que ela julga os homens e os mata, mas também parece querer dominar até as pessoas dos seus círculos pessoais. Ela é ciumenta, se enxerga como dona da atenção de Danni, a manipula para sair com ela, em detrimento até das relações da moça com seu namorado e com sua família.
Há quem interprete aqui uma paixão lésbica, o que não seria um absurdo, uma vez que essa questão está no imaginário popular como alvo de fetiche. Também há muita semelhança dessa trama com os romances folhetinescos de cunho erótico, daqueles vendidos em bancas de jornal, de preço barato e qualidade discutível.
Mesmo sendo bem previsível, o filme tem suas surpresas, ainda que incongruentes, como quando Danni consegue entrar no apartamento de Abby, sozinha, sem ter a chave da mesma.
A grande questão é que não é mostrado como a personagem toda certinha conseguiu invadir um local fechado.
Não há dados suficientes para entender que ela tem um talento furtivo, ela foi apresentada como alguém inexperiente, não astuta ou preparada para entrar um domicílio do jeito que faz, mas a essa altura esperar muita congruência do script parece tolice.
Ao longo do filme aparecem outros personagens descartáveis, os puros arquétipos, incluindo um policial investigador Detetive Rogan (Boris Kodjoe), que é prontamente seduzido por Abby, além de uma funcionária de recursos humanos, chamada Rachel (Melanie Scrofano), que aparentemente, lembra da real identidade da enfermeira matadora.
O curioso é que essa nova funcionária não se assusta com nada de estranho no local de trabalho. Sua função é lidar com questões comportamentais, mas ela testemunha gente transando na sala ao lado, fica claro a percepção dela, mas ela dá de ombros, não se incomoda, não toma nota e não faz menção a dar broncas.
Aparentemente ela estava muito entretida com as semelhanças físicas entre Abigail e Sarah Price, uma menina que era vizinha dela, cuja família sofreu uma grave perda no passado.
O boato é que a pequena Sarah se envolveu em um caso de assassinato familiar, mas se nem isso liga o alerta em Rachel, não seria uma perturbação de ordem profissional, nem o flagrar de gente transando em ambiente profissional que a abalaria, não é mesmo?
A característica que melhor define Abby é o exibicionismo. A montagem exibe mais um momento homicida da moça, ao mesmo tempo em ela utiliza um chat de video com Danni, para que a "amiga" testemunhe através de uma gravação, a injeção com o veneno que a protagonista injeta em Rachel.
Não basta para Abby matar, ela tem que destruir a vida de Rogers. Seu objetivo é humilhar a colega de trabalho, é interferir no noivado da mesma, já que ameaça vazar o vídeo dela traindo seu par. Ela quer destruir a vida pessoal da suposta amiga.
A realidade dada aqui é que não há por quem torcer, especialmente depois que Danni decide ceder aos gracejos de um médico tarado e indecente. Aos poucos ela também se corrompe, a princípio era para tentar enquadrar Abby e provar que não estava delirando, mas em última análise, Rogers também se corrompe, também perverte os próprios princípios.
A pretensa mocinha não assume as suas culpas, é como se todas as pessoas dentro desse roteiro fossem eximidas de responsabilidades básicas da vida adulta. São todos egoístas, não pensam no bem-estar de mais ninguém e se algo errado ocorre, a responsabilidade é sempre de terceiros.
A história do passado da enfermeira malvada tem um certo apelo, mas no momento em que é apresentado já é tarde, dificilmente o espectador se importará com o peso dramático.
A pequena Sarah/Abigail testemunha o pai (médico) transando com enfermeiras. Momentos depois ela testemunha um momento de violência domiciliar e comete parricídio, aparentemente para proteger sua mãe. Isso de fato poderia ter peso, mas é uma informação jogada. A mãe a quem Sarah salvou não é citada nenhuma outra vez.
Não faz diferença se ela morreu, não causa saudade, se sobreviveu simplesmente sumiu. É difícil levar a sério, o momento é completamente deslocado do resto. Como isso ainda é apresentada de modo explícito e mega explicativo - até para Danni entender - fica difícil engolir, quiçá defender a sequência.
O momento mais assustador do filme é quando Abby serra o braço de Morris (Judd Nelson), mas até esse trecho acaba ganhando irrelevância, pois no meio da tortura, no meio do exploitation que poderia associar essa obra ao torture porn, a moça simplesmente tira a calcinha, gratuitamente. Ela não vai transar, não vai urinar, a cena sequer é reveladora, já que ela retira a peça e a câmera não enquadra o detalhe da nudez.
Ela tira e só isso, para piorar ainda há a distração do esguicho de sangue ser muito falso. Uma piada recorrente sobre o filme é de que no contrato assinado, havia uma cláusula que exigia que Huerta tivesse um número X de cenas com nudez frontal. Analisando posteriormente, não é tão improvável essa questão.
Na meia hora final Abigail age de maneira ainda mais insana. Mesmo trabalhando ali há anos, ela só começa a matar gente no local de trabalho após Danni chegar. Aparentemente a menina causa um gatilho nela, que a faz surtar e agir de maneira atrapalhada, misturando as duas personas que antes não conversavam.
É difícil entender se essa foi uma jogada esperto do roteiro ou se foi puro acaso, se é exagero da parte do analista tentar enxergar razão ou motivação onde não há. Aparentemente a personagem é louca desde sempre, mas passou a ser particularmente perigosa a partir de um ponto específico basicamente por que a câmera quis.
Tudo isso seria perdoado pelo público fã de produções trash caso as mortes fossem boas, mas a maioria não é. Ao menos no final esse aspecto é consertado, uma vez que a enfermeira sai matando gente a esmo, sobretudo homens.
Ela aparece do nada, parece que se teletransporta. Mesmo matando gente aos olhos de várias testemunhas, Danni ainda tem que avisar as pessoas em volta, que Abby está assassinando gente.
Faz nenhum sentido, especialmente porque a matadora não parece ter senso de autopreservação, tem cenas que ela entra em um lugar, mata pessoas e não se preocupa em fugir, permite a aproximação dos seus opositores para só sair no último momento possível e ainda assim, consegue fugir dos apuros. É como se só ela tivesse capacidade de pensar e raciocinar, enquanto todos são inaptos e muito burros.
A Enfermeira Assassina é uma bobagem sem tamanho. Vale assistir pela completa cara de pau e falta de noção dos realizadores e produtores. Resulta em uma obra sem qualquer vontade ou compromisso em fazer algo além de apelação onanista e no fundo, quem fez o filme sabe disso.
Oi