A Iguana da Língua de Fogo : O inconstante giallo de Riccardo Freda

A Iguana da Língua de Fogo : O inconstante giallo de Riccardo FredaA Iguana da Língua de Fogo é um filme de horror italiano do gênero Giallo, lançado em 1971. Sua sinopse é bem simples, narra acontecimentos trágicos, que envolvem o entorno de um embaixador suíço, além de um brutal assassinato de uma moça, que é seguido por uma onda de homicídios, cuja prática parece a de um assassino em série.

A narrativa acompanha um detetive particular depressivo e sem objetivos, que além de ser designado para um caso tão pesado, acaba se envolvendo de maneira passional e amorosa com a filha de um suspeito. Ao longo da trajetória ele percebe que suas atitudes podem estar incentivando que o número de mortes aumente cada vez mais.

A obra é conduzido por Riccardo Freda, que aqui decidiu utilizar um pseudônimo, mas não uma americanização do crédito, tanto que a alcunha que usou, Willy Pareto que lembra qualquer outro nome italiano.

O longa também é lembrado por ser protagonizado por Luigi Pistilli, que vinha de Por Uns Dólares A Mais e Três Homens de Conflito, onde trabalhou com Sergio Leone, além do já analisado O Vingador Silencioso. O artista também se acostumou a permear o cinema de horror, tendo feito em 1971 trabalhou com Mario Bava em Mansão da Morte, no ano seguinte com Lúcio Fulci em No Quarto Escuro de Satã e em 74 fez A Possuída.

Essa é uma coprodução entra Itália, França, Alemanha Ocidental, Suíça e Irlanda. No entanto o filme sofreu algumas críticas internas, inclusive de seu realizador.

Riccardo Freda não gostou do resultado final, tanto que pediu para retirar os seus créditos de condução. Ao longo dos anos ele reclamou bastante do elenco, sobretudo de Pistilli. Aparentemente ele queria Roger Moore no papel central.

Como era praxe na época, esse foi mais um filme que se valeu da moda instaurada por O Pássaro das Plumas de Cristal que Dario Argento estreou em 1970, de batizar filmes gialli com nomes de animais, a exemplo de Uma Lagartixa no Corpo de Mulher, A Cauda do Escorpião, O Gato de Nove Caudas ou O Ventre Negro da Tarântula.

A Iguana da Língua de Fogo : O inconstante giallo de Riccardo Freda

O gênero giallo não era tão popular entre o público italiano, passou a ser depois do longa-metragem de Argento. A onda de filmes de matança levou Freda a seguir o exemplo e tentar esse filme dentro do gênero.

O nome original dele é L'iguana dalla lingua di fuoco. Nos países de língua espanhola, se chama La iguana de la lengua de fuego. Já em Hong Kong, chamda Iguana, na Turquia é Sapik. Na maior parte dos outros países, é lembrado pelo nome em inglês, The Iguana with the Tongue of Fire.

As gravações foram feitas principalmente na Irlanda, sobretudo nas cenas externas e na Itália, nas gravações de estúdio. Filmou em Cliffs of Moher, County Clare, O'Connell Street em County Dublin, Carton House, Maynooth na Irlanda e nos Dear Studios em Roma, Lazio.

As companhias por trás dele foram a Les Films Corona, Oceania Produzioni Internazionali Cinematografiche, Terra-Filmkunst. Foi vendido internacionalmente pela Movietime, distribuído na Itália pela Euro International Films e pela Variety Distribution.

Os créditos de abertura tem uma informação curiosa, já que afirma que a obra é baseada no romance A Room Without a Door, de Richard Mann. Aparentemente, essa foi uma jogada de marketing, já que não há um livro com esse nome. O causo foi desmentido pelo historiador de cinema italiano Roberto Curti. Segundo ele, o romance foi uma invenção dos cineastas.

O roteiro do filme foi escrito pelo diretor e por Sandro Continenza – que assinava Alessandro Continenza - de Operação Lady Chaplin, Não se Deve Profanar o Sono dos Mortos e O Expresso Blindado da S.S. Nazista. Os outros escritores André Tranché e Günter Ebert foram creditados apenas por motivos de coprodução.

Quem de fato colaborou com a escrita foi ator Renato Romano, ator que não foi creditado nessa função e aqui interpreta Mandel. Ele também escreveu O Retrato de Dorian Gray em 1970, estrelou Um Golpe à Italiana e esse filme analisado.

O produtor não creditado foi Ennio Nobili de Caninos Brancos e A Marca da Orquídea, tem coprodução não creditada de Robert Dorfmann, famoso por A Grande Escapada, O Círculo Vermelho e Papillon.

Freda dirigiu O Magnífico Aventureiro e O Demônio e o Dr. Hichcock, A Morte Não Conta Dólares e anos mais tarde, Obsessão Assassina nos anos oitenta.

A narrativa começa de maneira diferente dos seus primos de gênero, na O'Connell Street, em Dublin, com elementos ao fundo que deixam claro que a história se passa na Irlanda. Por ela correm motos e passeiam carros de luxo, há gente por todo o cenário. Esse A Iguana da Língua de Fogo aliás é possivelmente o único thriller ou giallo filmado na Irlanda.

No interior de uma casa, aparece uma bela mulher, se aprontando e se embelezando para encontrar alguém. O lugar onde ela está é uma grande casa, uma espécie de mansão. Curiosamente não há qualquer introdução sobre ela, ao contrário, ela entra na trama, é atacada e tem seu corpo encontrado em circunstâncias esquisitas.

A sequência onde morre é bem esquisita. O assassino usa luvas pretas, segura um frasco de vidro, com veneno e acaba arremessando o líquido no rosto dela.

A pele da menina derrete, em um efeito artificial e vagabundo, depois tem o pescoço cortado, por uma navalha, de um assassino com luvas negras.

A Iguana da Língua de Fogo : O inconstante giallo de Riccardo Freda

O jovem Bernard, que é filho do tal embaixador, encontra o corpo da moça, justamente no porta malas do carro. A família do rapaz é rica, abastada. Nesse momento é mostrada como um núcleo familiar comum, capitaneado pela figura materna, a personagem de Valentina Cortese, uma mulher pomposa, elegante, de sotaque estrangeiro, que apesar de se julgar importante, acaba não tendo nome, sendo chamada apenas de senhora Sobieski, em atenção ao sobrenome de seu marido.

O roteiro é pouco sútil, especialmente por apresentar absolutamente todos os personagens como suspeitos, até mesmo as crianças.

Colabora também que Freda abusa de closes rápidos, que focam o rosto de seus personagens de maneira ligeira e caricata, especialmente quando enquadra o embaixador, chefe da família, e bon vivant, o senhor Sobiesky, embaixador interpretado por Anton Diffring, ator acostumado a fazer nazistas, como nos filmes de guerra Crepúsculo das Águias e O Desafio das Águias.

Entre os comportamentos suspeitos há o simples fato de várias pessoas serem apresentadas assim unicamente por usarem óculos ou trajes escuros. Basta uma pessoa ter problema de visão, que rapidamente vira suspeita. O já citado Mandel se torna digno de suspeição só por conta de ter contraído conjuntivite, por exemplo.

Há toda uma liturgia entre empregados e o nobre, a câmera do cinematógrafo Silvano Ippoliti flagra isso bem. O profissional ficaria famoso depois, trabalharia no gráfico (e pornográfico) Caligula em 1979 e aqui pode brincar de ir e vir nos rápidos enfoques nos personagens secundários e também nos centrais.

Outro aspecto que chama a atenção é o uso da música de Stelvio Cipriani, que dá a obra uma camada de sensacionalismo gigante, valorizando esses momentos, forçando-os como se fossem grandes surpresas.

Stelvio Cipriani – The Iguana With The Tongue Of Fire (2019, Purple Translucent, Vinyl) - Discogs

O compositor também fez o italiano Resgate, um suspense policial com Lee J. Cobb, cuja trilha foi reaproveitada em A Prova de Morte de Quentin Tarantino. A música desse Iguana também esteve em um filme estadunidense, no caso, Não me Abandone Jamais.

Os personagens surgem do mais absoluto nada, não parecem parte da história. O investigador Lawrence (Arthur O'Sullivan) é colocado como responsável policial do caso, mas como o crime ocorreu próximo de uma pessoa com imunidade diplomática, as autoridades estão de mãos atadas.

O detetive particular John Norton, de Luigi Pistilli é designado então para o caso. Ele foi um ex-policial e conseguiu demonstrar alguns motivos para não ser mais um tira, já que seu ato após entrar em cena, é o de se envolver com Helen Sobieski, personagem de Dagmar Lassander, que é a filha do embaixador, ou seja, o principal candidato a ter matada a primeira moça assassinada.

Em conversas com Lawrence, Norton ouve que o policial uma vez foi ao Brasil, na parte florestal do país e acidentalmente pisou em uma iguana, que se escondia em meio ao ambiente verde. Para ele, o assassino se camufla na sociedade, tal qual o réptil fazia na mata.

A sra. Sobieski reaparece, basicamente para causar pena no espectador. Todas as suas cenas são deprimentes, ele está quase sempre bêbada, ébria, drogada por ópio.

Ela é vista como uma pessoa que é traída por seu marido o tempo inteiro e até as suas tentativas de vingança são patéticas, tentando assim flertar com o homem, da maneira menos sútil possível. Parece não ter controle sequer sobre suas próprias faculdades mentais, tanto que não percebe o óbvio, que o detetive está ficando com Helen.

Há muitos problemas de ritmo. O filme é mal editado e consegue ter uma barriga tremenda, mesmo tendo uma duração curta, pouco maior que 90 minutos.

Quando o co-produtor alemão Artur Brauner viu o filme finalizado, decidiu pular o lançamento nos cinemas na Alemanha, devido à falta dde qualidade do filme. Acabou optou por lançar ele apenas em vídeo.

É curioso como se escolhe mostrar as motivações dos personagens. Norton diz ao seu par que não quer falar dos motivos de ter saído da polícia, logo depois é mostrado o tal motivo, em uma lembrança de um suicídio que ele não conseguiu evitar.

Esse trecho é emocionante, ou mira ser. É uma boa cena, filmada em ritmo de slow motion, muito violento e emocionante, mas completamente bizarro. O filme consegue ser expositivo ao mesmo tempo que tenta ser idílico.

A favor do filme há o fato de que o assassino parece ter aspirações artísticas. Ele gosta de exibir os cadáveres de suas vítimas em posições destacadas, formando quadros que misturam o belo com o mórbido, incluindo não só humanos, mas também animais de estimação.

A ideia dos filmes estadunidenses de remeter a arte na hora de exibir corpos foi prevista aqui. Possivelmente não foi fonte de inspiração, já que é um giallo obscuro, mas certamente tem essa coincidência em comum com momentos de Halloween de John Carpenter ou O Silêncio dos Inocentes.

Falaremos sobre o desfecho, avisamos então que haverá spoilers.

A Iguana da Língua de Fogo : O inconstante giallo de Riccardo Freda

Perto do final, Freda tenta fazer crer que Helen é a culpada pelas mortes. Até coloca a personagem de costas, indo atrás da família de John, mas qualquer espectador minimamente experimentado percebe que não é ela.

Esse aliás é um clichê máximo dos giallis da época. Quase sempre o assassino tentava atacar pessoalmente a pessoa que estava prestes a desmascarar ele. Como o ataque é próximo desse "herói", se facilita a descoberta da identidade de quem está matando, ou seja, o clichê é um erro de planejamento crasso.

A moça não é mostrada de maneira clara, aparece a roupa, o cabelo, os óculos e a roupa preta, mas para a câmera ela não aparece. A dúvida que fica é como as pessoas da casa de Norton foram enganadas, já que não era dificil notar que era Marc, e não Helen a pessoa malvada.

O personagem de Werner Pochath tem uma motivação estranha, explicada no final. Ele testemunhou que o embaixador matou sua amante holandesa e partir daí teve seu lado violento despertado.

O que de fato é muito bizarro é que essa virada é demonstrada obviamente apenas no final, mas ela estampou um sem número de materiais de divulgação, entre pôsteres, teasers, papéis de parede etc.

Na luta final Freda volta a fazer uso de bonecos que sangram, para imitar o rosto de Pistilli, tal qual fez com a primeira vítima. Fica bem óbvio que é algo falso, fato que depõe contra o filme.

Ao menos há uma certa esperança de que Sobieski pagará por seus crimes, uma vez que chegando ao seu país, seria deposto de seu cargo, perdendo assim a sua imunidade. Essa parte do mistério tem bons momentos, mas o que leva o investigador a chegar a essa conclusão não tem demonstração em tela.

É uma pena que A Iguana da Língua de Fogo tenha esses defeitos básicos. Como ele não economiza em violência e sangue, poderia ser algo memorável. Acaba não sendo, parece um amontoado de boas ideias e conceitos, mas que em momento nenhum foi amadurecido.

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