O Vingador Silencioso é um filme italo-francês que se insere dentro do sub-gênero Western Spaghetti, mas que não é louvado tanto quanto merece. Dirigido pelo icônico Sergio Corbucci, é visualmente diferenciado dos seus pares dos anos 1960, já que se passa em um ambiente frio, com neve, fato que faz com que a obra seja bastante charmosa.
Lançado em 1968, conta a história de um pistoleiro mudo, interpretado por Jean-Louis Trintignant, que mata caçadores de recompensa. Nessa trama, ele presta seus serviços a uma mulher que busca vingança e acaba tentando ajudar uma comunidade de criminosos arrependidos, que pretendem ocupar o território inexplorado da cidade de Snow Hill.
A trama central gira em torno de um trabalho que Silence/Silêncio - que nas versões dubladas em inglês se chama Gordon - tem que fazer. Sua missão é vingar a morte do esposo de Pauline (Vonetta McGee), que foi morto por Tigreiro, (ou Loco nos EUA) personagem que era o mais famoso mercenário da região, interpretado pelo icônico ator alemão Klaus Kinsk.
O filme se chama originalmente Il Grande Silenzio, mas também é conhecido pelos nomes em inglês, variando entre The Big Silence e The Great Silence. Nos países de língua espanhola, se chama El Gran Silencio. Foi rodado na Itália, com cenas em Cortina d'Ampezzo, Belluno, Veneto, San Cassiano, Badia, South Tyrol, também em Bracciano Lake em Lazio-Roma e nos estúdios Elios, também na capital romana.
O roteiro do filme ficou a cargo de Sergio, do seu irmão Bruno Corbucci (Django), Mario Amendola (O Ladrão de Damasco) e Vittoriano Petrilli (Super Agente de Casablanca). Os diálogos em inglês foram feitos por John Davis Hart e Lewis E. Ciannelli. Os seus produtores foram Attilio Riccio (Don Juan à Siciliana), além de Robert Dorfmann (A Grande Escapada), que foi co-produtor. A dupla não foi creditada.
É sabido que vários filmes do Bangue Bangue à Italiana foram inspirados em filmes de samurai, como ocorreu com Yojimbo de Akira Kurosawa e Por Um Punhado de Dólares de Sergio Leone. O inverso também ocorria, já que esse O Vingador Silencioso teve uma refilmagem japonesa de samurai, chamada Oshi samurai: Kiichi Hôgan, de 1973, protagonizada por Shintarô Katsu.
O longa foi feito pelos estúdios Adelphia Compagnia Cinematografica e Les Films Corona, distribuído pela 20th Century Fox na Itália, e na Les Films Corona na França.
Essa sobra foi supostamente inspirada por Marcello Mastroianni. Uma vez o ator conversou com Corbucci sobre a vontade de fazer um western, mesmo não falando uma palavra em inglês. Para o ator, o ideal era que fosse então um pistoleiro mudo. Quando Corbucci conheceu Jean-Louis Trintignant, descobriu que ele também não falava inglês, então decidiu convidar o o mesmo.
Trintignant não iria aceitar o convite, basicamente concordou em fazer a obra graças a amizade com Robert Dorfmann. Acabou se mostrando uma escolha acertada, graças ao esforço dele enquanto ator caracterizado e claro, do diretor, que pôde enfim colocar em prática o seu fascínio por personagens com "fraquezas" marcantes e com deficiências.
Corbucci sempre quis colocar em prática uma história onde o heroísmo recaísse sobre alguém com defeito congênito, embora a condição de mudez do personagem não seja aqui de nascença.
A narrativa começa com a câmera passeando pela neve. Aqui se percebe um cenário todo branco, muito bem cuidado. A neve era obviamente artificial, criada a partir de efeitos práticos, com galões de creme de barbear.
Pistoleiros observam a aproximação de um cavaleiro, ao som da icônica música composta pelo maestro Ennio Morricone. Fica claro nesse início a forte inspiração de Quentin Tarantino em fazer o seu Os Oito Odiados, inclusive na violência, já que o anti-herói fere as mãos do bandido, ao invés de matá-lo.
Apesar de parecer que Silêncio quer ver o seu adversário sofrer, não é o caso. O homem queria apenas inutilizar o indivíduo enquanto atirador, quebrando os seus polegares.
Membros de uma comunidade agradecem o misterioso pistoleiro, mas deixam claro que ele não é como os outros bandidos caçadores de recompensa. Um dos homens salienta que Silêncio só matou os que se atreveram a tentar matá-lo, que foi legítima defesa, e que atirou na mão do caçador de recompensas para que ele parasse de trabalhar dessa forma.
A função do homem mudo é de receber dinheiro para acertar as contas com outros caçadores de recompensa. Não é um homem intrinsicamente bom, nem heroico, é um sujeito de índole discutível, como quase todos os protagonistas dos westerns corbuccianos.
A pistola de disparo rápido do protagonista é uma Mauser C96 de 7,63 mm, apelidada de "Cabo de vassoura" por seu característico cabo de madeira. Houve um cuidado de pesquisa por escolher uma arma que foi produzida pela primeira vez em 1896, dois anos antes dos acontecimentos do filme.
Boa parte da trama se passa na neve ou em cabanas, exceção ao salão do Governador interpretado por Carlo D'Angelo, onde se discute os rumos da cidade Snow Hill.
O xerife Burnett (Frank Wolff) acha difícil seguir as ordens do político, de eliminar os caçadores de recompensa, até por conta de eles estarem dentro da lei. Pouco depois é apresentado Tigrero, o personagem de Kinski, que captura, tortura, maltrata e assassina um homem, que nada fez para sofrer tanto.
Nas fotos publicitárias, Loco aparece segurando um pôster de Procurado de um bandido chamado Manuel Vasquez, personagem que não aparece no filme. O cartaz é, na verdade, um adereço que sobrou de Django Mata por Dinheiro (1967), em que Vasquez é personagem interpretado por Claudio Camaso.
Em O Vingador Silencioso, o rosto de Vasquez no cartaz é sabiamente mantido fora de vista, sendo cortado para evitar confusões cronológicas, que eram bastante comuns no cenário dos faroestes europeus.
A caracterização de Tigreiro é parcialmente baseada em Gorca, o vampiro interpretado por Boris Karloff em As Três Máscaras do Terror, filme de horror de Mario Bava, lançado em 1963.
De acordo com sua autobiografia Kinski Uncut, Klaus Kinski teve um caso no set com uma atriz chamada Sherene Miller, nome que disfarça a identidade de Vonetta McGee. É curioso como os dois vivem personagens conflitantes. No livro, ele a trata de maneira bem agressiva, compara o corpo dela com a de um menino e diz que esse caso causou uma grande crise em seu casamento.
Apesar de o governador de Utah estar atento a Snow Hill, a cidade é totalmente sem comando. Seu xerife é um paspalho covarde, que não tem o respeito de ninguém. Das pessoas boas, apenas Pauline parece preocupada com o lugar, embora a segurança da área não seja sua prioridade, e sim sua revanche contra o frio assassino.
Vonetta é uma atriz de caracterização curiosa tem um olhar profundo, que faz parecer uma pessoa obcecada, desesperada por conseguir o seu desejo de revide.
Apesar de ter um tom de pele mais escuro, lembra momentos de Barbara Steele nos filmes de horror de Mario Bava.
Corbucci faz seu filme soar bem mais dramático do que os seus pares, tanto que coloca uma cena onde seu protagonista relembra seus dois maiores traumas, perdendo o pai e a voz no mesmo dia, a partir de uma emboscada de um xerife. A cena é simples, certeira e de cortar o coração.
Há também um cuidado em construir uma relação amorosa profunda. O enlace entre Silêncio e Pauline faz sentido, todo o jogo de sedução é bem construído, se desenrola vagarosamente. O acordo entre eles deixa de ser de contratação e vira carnal, mas não há qualquer julgamento moral aqui.
O xerife convida os famintos exilados a virem a Snow Hill, já que foram anistiados de seus crimes. Já Tigreiro observa esse anúncio algemado, até sugere ao homem da lei que eles matem os famintos para saquear eles.
O marido de Pauline era como esses famintos, acusado por Pollicut (Luigi Pistilli) de ser um ladrão, mesmo que não houvesse qualquer prova disso. A participação do personagem de Klinski passa por essas questões, em algum momento ele está preso, pouco tempo depois consegue se libertar, está sempre transitando entre os poderes da cidade.
O roteiro possui viradas muito rápidas. Perto do final Tigreiro consegue reunir homens para enfrentar seu inimigo. Um dos bandidos que Silêncio poupou retorna, para tentar se vingar dele também.
Em pouco tempo Pauline quase se torna viúva de novo. A cidade se rende aos homens de Tigreiro, enquanto os bandidos refugiados voltam para Snow Hill, atrás de redenção, seguindo o conselho do xerife.
Falaremos com spoilers, sobre o final. O aviso está dado.
A narrativa se encaminha para um confronto que não parece que será justo e não há uma construção para que haja uma virada conveniente no texto.
Loco convida Silêncio para um duelo um a um, mas o personagem está muito ferido. Ainda assim decide ir, para que o sujeito não mate seus reféns. O resultado é catastrófico, já que Silêncio cai, depois Pauline é morta, assim como os bandidos. Vira uma verdadeira chacina, tudo em nome da lei, tudo dentro de uma legalidade, mesmo que ela seja completamente errônea.
Corbucci perverte a lógica do entretenimento, tentando mostrar os bandidos como homens justos, como pessoas que querem uma nova oportunidade de se justificar, de fazer diferente, enquanto os caçadores, eram apenas instrumentos corruptos da lei, que em nome de acumular dinheiro, faziam qualquer coisa.
O final do filme, em que Silêncio, Pauline e os bandidos anistiados são assassinados por Loco e sua gangue foi concebido por Sergio Corbucci como uma referência explícita às mortes de Ernesto 'Che' Guevara e Malcolm X. Aparentemente existiu um final menos trágico, que chegou a ser filmado, ainda que o diretor não quisesse isso.
O intuito era ter um desfecho diferente, para ser veiculado em versões estrangeiras, mas essa versão não chegou a estar veiculada.
O Vingador Silencioso é emocionante e dramático, uma obra difícil de digerir, com uma mensagem que discute toda a política belicista dos Estados Unidos ainda em formação. Corbucci desdenha do louvor a violência e ao dinheiro típico do ideal de vida americano, conseguiu fazer isso com personagens bem construídos, que tem motivações plausíveis e que contam com desempenho inspirado dos seus atores.
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