O Urso do Pó Branco: uma comédia violenta que busca o nonsense e esbarra no marasmo

O Urso do Pó Branco: uma comédia violenta que busca o nonsense e esbarra no marasmoAo longo dos anos com a popularização da internet as rotinas e gostos das pessoas mudaram bastante, independente de idade, credo, classe social etc. Interações nas redes, acesso a cultura e até os memes passaram a pautar o cotidiano das conversas em geral. Dentro dessa máxima, não é incomum ver a sugestão de que uma história real e bizarra deveria se tornar um filme, isso desde sempre, e quando essa história cai na malha dos memes, isso se agrava.

A história do urso que consumiu cocaína nos anos 1980 é uma dessas particularidades locais que ganhou o mundo. O bichinho apelidado de Pablo EscoBear era algo tão absurdo que parecia um meme, e décadas depois finalmente ganhou Hollywood e se tornou uma obra de cinema, em O Urso do Pó Branco.

O longa-metragem de Elizabeth Banks mira o público do terror, já que apela para uma violência gráfica atroz, afinal, coloca um urso negro para atacar humanos, mas o roteiro de Jimmy Warden é mais voltado para a comédia que se vale um pouco da história real, mas que não passa de um pontapé inicial para uma trama enrolada e que tenta ser dramática.

Banks é mais conhecida por sua carreira como humorista e atriz. Até agora conduziu dois longas, A Escolha Perfeita 2 e a versão de 2021 de As Panteras. Aqui ela propõe uma fábula de absurdos e acontecimentos nonsense.

Já Warden tem mais experiência com auxiliar de produção, como foi em Anjos da Lei (2012), além de ser co-produtor de A Babá (2017), e um dos roteiristas de A Babá: A Rainha da Morte (2020), essas últimas, produções que também misturam horror e comédia.

O longa foi uma aposta considerável, e que mira se tornar uma franquia - não tenha dúvida de que se tornará. Ele conta com produção de Phil Lord e Christopher Miller que são os diretores de Anjos da Lei, Aditya Sood que é produtora executiva de Deadpool, Max Handelman que já trabalhou com a diretora, Brian Duffield da franquia A Babá, e claro, Banks.

A parte "real" do filme toma como gênese a história de um carregamento de 40 pacotes de cocaína, que foram jogados do alto de um avião, cujo traficante achava que estava sendo perseguido pelos agentes federais. A história se passa nos anos 1980 e poucos meses depois, um urso negro foi encontrado morto, com sinais que ingeriu de alguma forma a droga que caiu na floresta.

Até hoje não se sabe o paradeiro dessa quantidade exorbitante de entorpecentes.

No roteiro a história expande o conceito, modifica o fato dele ter morrido e coloca o animal para agir de maneira agressiva e desenfreada, como se fosse um homem com adrenalina a mil, causado claro pela droga.

A trama começa com um casal que faz uma trilha, e encontra um urso na floresta, sem saber que ele é na verdade um cocainômano. Ao fotografar o animal, acabam irritando o bicho e são atacados pelo mesmo. Vale lembrar que ursos negros normalmente são animais dóceis, não atacam homens, e isso é salientado pelo texto do filme.

O Urso do Pó Branco: uma comédia violenta que busca o nonsense e esbarra no marasmo

Esse início é engraçado e se torna ainda mais curioso ao intercalar os créditos iniciais com cenas reais, de reportagens sobre um paraquedista achado morto.

Logo a trama se localiza, anuncia que se passa nos arredores de Knoxville no Tennessee e nela, os policiais investigam a morte de um bandido, André C. Thorton II, que é o personagem real da história, e foi encontrado já morto, no chão de um quintal de uma casa familiar.

Matthew Rhys vive o personagem, mas sua participação é breve. Depois dele são apresentados dezenas de personagens mal, que quando chamam a atenção é por serem famosos fora do filme. A maioria dessas é pessoas são desinteressantes e genéricas, entre elas Eddie, personagem de Alden Ehrenreich que é o Han Solo do novo filme, o traficante Daveed feito por O'Shea Jackson Jr., dois policiais, o veterano Bob (Isiah Whitlock Jr.) e Reba (Ayoola Smart). Até os bons atores como O'Shea Jackson, são desperdiçados.

Há também duas crianças, que se tornam as únicas dignas de torcida, Dee Dee, interpretada por Brooklynn Prince de Projeto Florida e Henry, vivido por Christian Convery, que está em Sweet Tooth da Netflix.

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Passeando pela floresta as crianças acham um malote de cocaína.

Essa é possivelmente a parte mais escrachada e maluca do roteiro, já que ao discutir sobre a carga elas acabam comendo um pouco da droga. Evidente que elas não saberiam usar, afinal tem pouco idade, mas a cena em si vai contra qualquer noção mínima de bom senso, e a partir daí a sucessão de loucuras poderia escalar mais.

Como nesse universo particular o urso fica vidrado no pó, ele acaba encontrando as duas e as ataca, fato que deixa público e personagens preocupados obviamente.

Apesar da boa introdução, o filme falha em quase tudo que propõe, especialmente na tentativa de criar suspense sobre os ataques do animal. Também erra em não conseguir causar medo no público, como também não produz receio de que os personagens sejam pegos, afinal, eles são muitos, é difícil se importar com eventuais dramas de cada um deles.

Até há momentos engraçados, mas nada tão ridiculamente hilário. Há momentos esparsos onde o humor funciona e quase todos estão no material de divulgação. O trailer antecipa as boas surpresas, e como não são muitas, a sensação que predomina é que a versão em 95 minutos dessa história é uma perda de tempo.

Como o filme também é barato os efeitos digitais do urso não são tão bem feitos. Allan Henry fez a captura de movimentos e as partes em que o digital mais funciona são as estáticas, os ataques não causam tanta espécie, mesmo tendo sido executados pela companhia Weta Digital.

O Urso do Pó Branco: uma comédia violenta que busca o nonsense e esbarra no marasmo

A ação violenta ocorre majoritariamente no off câmera, com o gore estando presente basicamente no sangue que escorre das vítimas e eventualmente nas próteses de pernas arrancadas pelo bicho.

A direção não é ruim, Banks consegue lidar com o elenco de uma forma correta, mas eles não têm muito com o que lidar, afinal a premissa é bizarra, mas a história é contada de maneira séria. A escolha natural para uma trama tão sem noção era abraçar a galhofa, mas isso acontece muito raramente aqui. A crescente de insanidade que parecia ter sido prometida no início não ocorre.

Já a música assinada por Mark Mothersbaugh é um ponto positivo, pois não antecipa os sustos, além de pontuar bem alguns dos momentos bizarros, como quando a guarda florestal feita por Margo Martindale acaba alvejando a cabeça de um rapaz, na tentativa de acertar o urso. Ela é entre os personagens adultos a única com quem o público se importa.

Há uma cena genuinamente boa, que ocorre com quase uma hora de filme, que é a perseguição a ambulância. Banks filma bem a sequência, que termina nojenta e violenta, e que varia bem entre a comédia escrachada e a tensão de ter um uma máquina feroz atrás das pessoas para matá-las.

O Urso do Pó Branco: uma comédia violenta que busca o nonsense e esbarra no marasmo

Ela termina com a natureza mostrando sua pujança e violência já que boa parte das mortes humanas ocorrem sem a ação do urso, graças a erros causados pelos homens imprudentes, além de servir como lição para o público, de que a invasão de território animal pode causar dano aos bichos e eles podem revidar.

No entanto uma cena apenas não salva um filme, ainda mais um longa-metragem. Fosse esse um clipe, até faria sentido, mas não é o caso. Posto em perspectiva esse trecho pode resumir os acertos do filme, todos baseados em tentos esporádicos, em irregularidades dentro de uma fórmula morna.

Próximo do final o roteiro resolve ser expositivo, revelando conchavos entre mocinhos e bandidos, em outra subtrama que não casa espanto, espécie ou interesse no público.

A questão que pontualmente mais incomoda é a tentativa de humanizar a criatura. O urso na verdade é uma ursa fêmea, que tem filhotes e que faz todo esse escarcéu por culpa dos humanos e não dela. Ao mesmo tempo, a droga tem um efeito motivador nela que não tem qualquer sentido, visto que quando quase está morta, ela ressurge com força após ter contato com cocaína de novo, tal qual o marinheiro Popeye restaurava sua saúde ao comer espinafre.

A solução beira a magia, de tão tosca que é.

Os momentos finais tentam parecer épicos, em um ambiente escuro e azul, que esconde toda a ação e luta entre as partes antagonista. É patético, uma vez que a tentativa de esconder os defeitos de texto e visual não tem êxito.

Esse foi um dos últimos papéis que Ray Liotta, onde ele faz o mafioso Syd, mas sua participação é em aquém, sem nuances, caricatural ao extremo. Ele é a figura gangster mais qualquer nota possível.

Banks faz acenos para uma possível continuação, mas não consegue encerrar bem nem mesmo essa história. Fora isso o filme é sério, poderia embarcar na reconstituição de época presente nos figurinos de Tiziana Corvisieri.

Se simplesmente embarcasse na loucura lisérgica dos anos 1980, poderia ter algum charme, mas não, acaba sendo mais do mesmo.

O Urso do Pó Branco é um belo exemplo de que um meme esticado não necessariamente gera uma boa história. Ele não assusta, não comove e tampouco é superengraçado, falta diversão, cadência, ritmo e carisma aos personagens, e até seus bons momentos já eram bastante conhecidos antes mesmo de o filme estrear.

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