Crítica: Anjos da Lei

Anjos da Lei, a série de TV, foi um produto de seu tempo. Baseada na premissa de uma unidade de combate ao tráfico de drogas em escolas, com jovens policiais infiltrados se passando por alunos, durou de 1987 até 1991, fez um sucesso considerável pra época e ajudou a lançar Johnny Depp ao estrelato. De teor sério e dramático, o programa refletia o medo das drogas que gerou outros seriados como Miami Vice, por exemplo. Anjos da Lei, o filme que estreia neste final de semana nas salas de todo o país, de certa forma também é um produto de seu tempo. O longa usa a premissa original, mas num tom diferente, o da comédia. Ao se tornar paródia do gênero policial, reflete uma característica das atuais produções voltadas ao entretenimento: a de que tudo deve ser engraçado. Aparentemente, para se fazer sucesso hoje em dia, é preciso um bom número de piadas. Geralmente esse caminho revela produções medíocres. Por isso é uma surpresa que Anjos da Lei funcione tão bem.

Channing Tatum e Johan Hill vivem Jenko e Schmidt, dois ex-colegas de escola. O primeiro, típico valentão. O segundo, o nerd que sempre quis se enturmar. Ambos acabam se tornando amigos, no entanto, apenas quando decidem se juntar à força policial. O problema é que logo no primeiro dia de patrulha, conseguem o impensado ao falharem miseravelmente numa simples prisão. Graças a incompetência demonstrada, são transferidos pra unidade Anjos da Lei, uma "divisão atuante nos anos 80 que resolvemos reciclar porque estamos sem criatividade", nas palavras do chefe da polícia. Essa linha de diálogo é uma dos motivos que sustentam o longa, já que o roteiro vive no limite da quebra da "quarta parede". O ápice desse recurso, usado de forma muito interessante pelo roteirista Michael Bacall (que adaptou Scott Pilgrim para o cinema) está ao fim do segundo ato quando um dos personagens diz: "E este é o fim do segundo ato!". Sim, é absurdo e beira o nonsense. Mas a proposta é justamente essa.

E Anjos da Lei realmente tem seus melhores momentos antes de seu final. As piadas funcionam de forma mais natural, Hill e Tatum desenvolvem uma química interessante e o segundo até surpreende ao mostrar sua veia cômica. O primeiro, no entanto é que se destaca. O ator tem abandonado seus tiques dos dias de Superbad e abraçado suas capacidades como ator, mais do que comediante (uma decisão definitivamente correta).

Nos primeiros atos também estão as melhores referências à filmes policiais, como uma perseguição em uma freeway, com caminhões que nunca explodem ou o propositalmente estereotipado Capitão Dickson, vivido por Ice Cube. A produção não perdoa nada e até mesmo a clássica cena dos policiais infiltrados usarem droga para mostrarem que são, de fato, usuários, ganha uma paródia à altura, numa das gags mais engraçadas ao longo dos 109 minutos de projeção. A história segue a fórmula dos amigos que veem o relacionamento abalado para depois se reconciliarem mas não chega incomodar, justamente por não se levar a sério.

No terceiro ato, porém, o longa escorrega ao lançar mão de clichês do gênero e quase se perde (por ficar indeciso se continua a seguir pelo humor ou se pega a via da ação), não fosse uma inesperada homenagem ao seriado. Em sua resolução também comete o "pecado" de extrapolar os próprios limites numa cena sobre um pênis decepado totalmente desnecessária. Fica difícil compreender o que aconteceu ali. Se foram os diretores Phil Lord e Chris Miller que não souberam quando parar, ou se Bacall escreveu o momento pensando que aquilo pudesse ser, de alguma forma, engraçado.

Aos cineastas do projeto, no entanto, caem as responsabilidades pela boa condução da maior parte de Anjos da Lei. Egressos da animação, ambos entregaram o divertido Tá Chovendo Hamburger, que, guardadas as devidas proporções, também trabalhava com um humor mais escrachado e que permite rir de si mesmo.

Como um verdadeiro produto de seu tempo, a adaptação do seriado oitentista ainda faz questão de pontuar como certas coisas mudaram da época da obra original para os dias de hoje, como as tribos na escola e a consciência da novas gerações para temas como sustentabilidade. Dessa forma, justifica sua abordagem incomum ao assumir que o público de hoje não seria capaz de levar a sério uma premissa que beira o absurdo. Com a predileção das audiências pela diversão, Anjos da Lei encontra até mesmo certa relevância.

Alexandre Luiz

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