Entrevista com o Demônio ou Late Night with the Devil é um dos filmes da moda dentro do cinema de horror. Realizado por Colin Cairnes e Cameron Cairnes, é um longa que mistura elementos de found footage e o estilo dos documentários falsos, conhecidos como mockumentary.
Essa é uma coprodução entre Austrália, Estados Unidos e Emirado Árabes Unidos, é lembrado especialmente graças ao seu protagonista, o camaleão David Dastmalchian, além de emular (e perverter) alguns clássicos do gênero terror, principalmente o especial para a tv britânica Ghostwatch: Vigília Paranormal, ainda que tenha poucas semelhanças narrativas com esse, ao contrário do que se propalou tanto na internet.
A fita retrata uma época em que a televisão era o principal meio de comunicação, tempo esse em que talk shows e programas de auditório eram ainda mais populares que hoje, especialmente os que continham shows de música e números de comédia.
Nesse contexto, existe o programa de Chicago para notívagos Night Owl, nome obviamente em referência a ave noturna, a coruja. O especial era apresentado por Jack Delroy, personagem feito pelo icônico Dastmalchian.
Em um episódio da sexta temporada da atração, o apresentador recebe uma menina que participou de um culto suicida e que seria portadora de um espírito, supostamente imundo e demoníaco, que se apossou dela depois da participação no tal culto, mas que é tratada como se fosse "apenas" uma paciente de problemas psíquicos.
Ao serem indagados sobre a trama, a dupla de irmãos destacou que nos anos 70 e 80 havia na programação televisiva noturna uma miríade de programas de entrevistas que mostravam um submundo singular e impublicável para certo públicos, especialmente o infantil, como era o caso dos dois, que nessa época, atravessavam a infância.
Eles decidiram combinar essa atmosfera muitas vezes pesada com o clichê da transmissão ao vivo, regada a uma exploração do tema sobrenatural, que poderia ou não ser real.
Através dessa mistura, criariam uma experiência cinematográfica assustadora e única.
O talk show presente no filme foi inspirado no programa estadunidense The Don Lane Show que ia ao ar em 1975, especialmente nos episódios onde se apresentaram o ilusionista Uri Geller e a médium Doris Stokes.
Cameron Cairnes detalhou o cronograma de produção, afirmou que tiveram 20 dias em um estúdio, que era basicamente um cenário detalhado, onde a câmera viajava livremente, de forma que um giro em 360 graus contemplava todo o escopo do que apareceu em tela, em toda a sua riqueza de construção e verossimilhança.
O método de filmagem foi igual a um programa de TV, com três câmeras ligadas o tempo inteiro. Em algum ponto, os realizadores pensaram em filmar com câmeras antigas, para imitar a qualidade de imagem, mas eles resistiram a tentação, fazendo todo o processo de forma digital.
A inspiração para a cenografia foram não só os talk show, mas também os game shows das décadas de 1970 e 80, com um designer de produção, Otello Stolfo, que trabalhou naquela época na TV local, especialmente no programa musical popular Countdown.
A trama se inicia a partir de uma fita encontrada do programa de 31 de outubro de 1977, inclusive com cenas de bastidores, que são pontuadas por estar em cores diferentes e com uma razão de aspecto diferente dos quadrados televisivos.
O longa-metragem se passa no feriado de Dia das Bruxas e algumas exibições em festivais coincidiram com essa época, especialmente no Festival de Cinema de Mumbai, na Índia e no Festival Internacional de Cinema de Brisbane, na Austrália, ambos em 2023.
A estreia dele foi no Southwest Film Festival em março de 2023, depois passou no Overlook Film Festival em Nova Orleans, rodou circuito de festivais até o final do ano passado.
Esse é um original Shudder, proveniente do serviço de streaming homônimo, que é especializado em filmes de horror, mas que não é disponibilizado no Brasil.
Quando o projeto foi aprovado seria uma produção da Fangoria Presents, em 2020 pelo executivo criativo Preston Fassel. Seria esse um recurso prospectivo para a empresa após a quarentena do COVID-19, uma nova forma de investimento, mas a empresa foi vendida devido a polêmica envolvendo executivos de produção.
Nos anos que se seguiram à venda de Fangoria, Fassel continuou a defender o roteiro, inclusive citando-o em um artigo sobre os melhores roteiros não produzidos que ele já havia lido.
Curiosamente, foi um artigo de David Dastmalchian publicado na revista Fangoria que inspirou à produção do filme.
Os estúdios que produziram o filme foram a Image Nation Abu Dhabi, VicScreen, AGC Studios, Good Fiend Films, Future Pictures e Spooky Pictures. A distribuição foi a IFC Films, a Shudder, Umbrella Entertainment, Maslow Entertainment e Ahi Films na Australia. No Brasil, foi trazido pela Diamond.
Foram produtores Derek Dauchy, Mat Govoni, Roy Lee, John Molloy, Steven Schneider e Adam White. Foram produtores executivos Ben Ross, Julie Ryan, Rami Yasin, Joel Anderson e David Dastmalchian.
O título original é Late Night with the Devil e pelo mundo teve poucas variações, como De noche con el diablo na Argentina e El último late night na Espanha. Em Portugal foi nomeado como Conversas com o Diabo.
Embora ambientado na cidade de Nova York, o filme foi rodado no Dockland Studios em Melbourne na Austrália.
A dupla de realizadores faz nesse o seu terceiro longa-metragem. Antes entregaram 100 Bloody Acres e Scare Campaign. Cameron também trabalhou com edição, fazendo as séries Real Stories e Fancy Boy. Collin produziu Warren and Hal, escreveu o curta Madeleine.
Govoni foi produtor de O Lobo Solitário, também trabalhou na elétrica e fotografia em Entes Queridos, também fez parte da equipe de efeitos especiais em Não Tenha Medo do Escuro.
Roy Lee é produtor de Toc Toc Toc: Ecos do Além, o excelente Contra o Mundo e Uma Vida de Esperança. Foi produtor executivo de A Bruxa dos Mortos: Baghead, Godzilla e Kong: O Novo Império, Eles, Os Estranhos: Capítulo 1 e suas futura sequências
Dauchy foi produtor em The Ambush e Observador, também foi produtor executivo em Os Pinguins do Papai, Victor Frankenstein, Roman J. Israel, Ecos da Escuridão.
Molloy foi produtor de Os Garotos nas Árvores e da minissérie The Gloaming, foi produtor executivo de Barons.
Schneider é especializado em filmes de horror e de gênero, foi produtor em Atividade Paranormal e no mais recente em Cemitério Maldito. Foi produtor executivo de Fragmentado, Vidro, Tempo e Batem à Porta
Adam White foi produtor em O Lobo Solitário de Jonathan Ogilvie e foi montador em Scare Campaign.
Dastmalchian vinha de trabalhos recente em Duna, O Esquadrão Suicida e Oppenheimer. Versátil, o ator esteve em alguns filmes de terror famosos, entre os recentes é lembrado em Drácula: A Última Viagem de Demeter, O Estrangulador de Boston e Boogeyman: Seu Medo é Real.
Essa é a sua chance de brilhar como protagonista, o que é curioso, já que ele sempre foi conhecido por ser um ator de mão cheia, capaz de fazer papéis bem diferentes, entre vilões, heróis, anti-heróis, alívio cômico.
O ator foi escolhido depois que os diretores do filme leram o seu já citado artigo sobre apresentadores regionais de TV, cujos programas flertavam com algum tipo de horror.
Colin Cairnes disse em uma entrevista que se impressionou com o desempenho dramático dele, mas também com a construção textual dele, que ajudaria a ter afinidade com esse Jack Delroy.
O escritor Stephen King elogiou bastante o filme. Ele disse que conseguiu um screener e o achou absolutamente brilhante. Ele recomendou bastante o filme em suas redes sociais. Vale lembrar que o já citado Boogeyman: Seu Medo é Real se baseia em um conto do mestre da literatura e tem o mesmo Dastmalchian como um dos membros do seu elenco.
O início do longa fala a respeito da popularidade do programa, de contrato milionário junto a emissora UBC - cujo logo lembra muito o da ABC -, da audiência grande, capas de revistas, até de nomeações a prêmios e o casamento com a atriz de teatro Madeleine Piper de Georgina Haig, conhecida por fazer a Rainha Elsa em Era Uma Vez.
O programa das corujas já é mostrado na introdução com um descenso na audiência, perdia sempre para o programa (real) de Johnny Carson, comediante e apresentador real, que também era muito sensacionalista.
Night Owls não só sofreu uma grande queda de popularidade, perdendo os prêmios que concorreu, piorando o quadro geral depois que a esposa do homem contraiu câncer terminal.
Jack é vagamente inspirado em Guy Woodhouse, personagem de John Cassavetes em O Bebê de Rosemary. No filme de Roman Polanski, Guy é um ator que revelou ter feito um acordo com um culto satânico para se tornar rico e famoso, em troca de permitir que sua esposa Rosemary fosse engravidada pelo Diabo. Teoricamente, Delroy teria feito um pacto com uma entidade, embora não fique claro se ele acreditava nisso ou não.
Como ele estava em uma fase decadente da carreira, não passou por sua mente que a morte de sua esposa tenha a ver com uma cobrança de dívida espiritual. Ele expôs relação deles em rede nacional, quase bateu Carson nessa época, mas depois disso, ela morreu, ele ficou recluso e em sua volta o programa piorou em número de espectadores.
A sequência inicial em preto e branco dura cerca de oito minutos e foi inspirado no documentário chocante dos anos 1980, The Killing of America.
A narrativa em found footage se dá no estúdio, em Nova York, já quando está no ar.
Jack é sempre acompanhado de Gus (Rhys Auteri) seu auxiliar e escudeiro fiel, chamado textualmente de sidekick. A tal entrevista com o diabo foi uma tentativa do apresentador e do produtor Leo Fiske (Josh Quong Tart) afim de alavancar audiência, mas além dessa, houveram atrações temáticas no final de outubro, no Halloween.
Entre elas, há Christou, personagem de Fayssal Bazzi, o médium, que faz números de clara charlatanice, mas tem uma estranha crise, com espíritos. Aparentemente foi algo armado, mas fica a dúvida, até por conta do homem não ter se recuperado.
O nome artístico do personagem lembra dois médiuns conhecidos, no caso. Criswell ou Charles Criswell King, famoso por suas previsões bizarras imprecisas, além de The Amazing Kreskin ou George Joseph Kresge, que realizava feitos mentais e ficou no ar por mais de 50 anos na tv dos Estados Unidos.
Ambos fizeram várias aparições no The Tonight Show With Johnny Carson. O visual de Christou tem uma leve semelhança com Reveen, um hipnotizador australiano popular na década de 1970.
Não demora a entrar em cena o mágico e cético Haig Carmichael, que oferece um cheque de milhares de dólares, caso qualquer pessoa que tenha poderes espirituais ou contato com o sobrenatural, se mostre verdadeiramente prolífico nesse quesito.
Ele implica bastante com o vidente Christou, obviamente e é claramente baseado em James Randi, um mágico talentoso que se tornou um famoso desmistificador de pessoas com capacidades psíquicas. Também lembra Orson Welles, que na época, ia muito para talk shows noturnos fazer esse tipo de aparição, já era um mágico de palco habilidoso, além de ter trabalhado um breve período como médium, que inclusive renegou essa última habilidade e teorizava que os médiuns profissionais podem se enganar e acreditar em seus poderes.
Ian Bliss foi originalmente contratado para preparar o elenco, mas acabou tendo que interpretar esse papel. Ele teve apenas quatro dias para se preparar para o papel de Haig, já que o ator original desistiu no último minuto.
Em determinado ponto da exibição, Christou tem uma reação exagerada, quase como uma crise de saúde. Entre discussões com Carmichael, onde é tratado como fraude, ele age como se recebesse um contato mediúnico, de alguém chamado Minnie.
A sequência termina com ele manifestando de uma maneira bastante visual que algo está errado consigo. Seu corpo se contorce e ele termina a sequência vomitando uma matéria viscosa, que mais parece uma gosma preta.
Antes de falar a respeito de mais segredos da trama - e do respectivo aviso de spoilers - há de se falar da maior polêmica do longa-metragem.
Há uma utilização de inteligência artificial em algumas breves cenas, tão tímidas que são quase imperceptíveis. Os cortes e as mensagens de rede com falas como “já voltamos” foram feitos assim.
Em meio a toda a polêmica e protestos de profissionais da arte em relação a utilização de IA, pegou bastante mal isso. As imagens ainda têm um filtro que "envelhece" as imagens, deixando estilizada e parecida com o que seria comum a um programa dos anos 70.
Dito isso, falaremos de maneira mais profunda sobre os segredos da trama, ou seja, o texto terá spoilers mais agudos. O aviso está dado.
Depois da manifestação de Christo, Jack assume que Minnie era o apelido de sua amada esposa, um diminutivo de Madeleine Piper. Há momentos em que se percebe ele até sussurrando, atrás do médium, algo que a leitura labial entendeu como manifestação de saudade ou "sinto sua falta".
No entanto, até boa parte da trama, fica uma sensação de que tudo pode se passar apenas na cabeça de Jack, como um devaneio. Isso inclui também algumas aparições que flertam com fenômeno poltergeist, que ganha contornos bizarros por ser televisionado ao vivo, mas que pode ser fruto de armação pura ou parcial.
Um espectro fantasmagórico pode ser percebido no final do prólogo, quando se explica a história do apresentador, em um monitor de TV atrás de Jack quando ele está encostado na soleira da porta.
Quando o vidente está conversando com uma mãe e sua filha na plateia aparece uma imagem esbranquiçada perto de Jack após uma falha no áudio. Também aparece em um espelho, nos bastidores, quando a equipe está prestes a voltar ao ar e também no relógio de bolso de Carmichael, colocado em uma mesa no set.
A aparição mais evidente se dá com mais de 70 minutos, no palco em uma cena após Jack pedir aos produtores para mostrar o replay quadro a quadro de um trecho do programa. Nesse momento, até o mais desatento percebe.
Depois que Delroy assume que Minnie era o nome de sua esposa é mostrada uma gravação, em uma casa comum, onde funciona a primeira igreja de Abraxas, um infame lugar de culto a figura do diabo. Nesse ponto, Christou já retornou ao palco, depois de sentir fortes dores de cabeça;
Esse grupo é liderado pelo sacerdote de vestes vermelhas, o enigmático Szandor D'Abo - poderia ter um nome menos sugestivo - interpretado por Steve Mouzakis (de Prison Break e da série O Nevoeiro) baseado obviamente em Anton LaVey, o líder da Igreja de Satã.
A inspiração para o culto satânico D'Abo são os acontecimentos do cerco de Waco, que ocorreu em 1993, de 28 de fevereiro a 19 de abril. O caso envolvia uma seita chamada Davidianos,que era liderada por David Koresh sitiada na sede de sua casa em Waco's, no Texas.
A justificativa era suspeita de tráfico ilegal de armas de fogo e terminou com a morte de 86 pessoas, incluindo Koresh, de toda a seita (82 pessoas) e de 4 agentes da ATF.
Com o tempo fica implícito que Jack fez um pacto, se reuniu com o tal culto de D'Abo, fato que faz perguntar se a morte de sua esposa foi fruto de um sacrifício para o seu sucesso,
Segundo o que é comum no "folclore" sobre contratos com o Diabo, o demônio reclamará o seu pagamento em período de até sete anos, fato que explica a época da morte da senhora, já que Delroy foi ao Grove em 1969, enquanto a moça morreu em 1976, justamente sete anos depois.
A cena em que Jack se encontra com o culto é diferente da casa onde a menina é apresentada. Foi em um clube, chamado The Grove, que foi inspirado no Bohemian Grove da vida real, localizado na 20601 Bohemian Avenue em Monte Rio, Califórnia.
O clube comportou notáveis, políticos dos Estados Unidos, industriais e figuras famosas. Um dos fundadores do Grove real foi Ambrose Bierce, autor de várias histórias de terror e do livro Dicionário do Diabo.
D'Abo era monitorado pelo FBI, ao menos segundo a fala do noticiário - há sempre de pesar que as notícias podiam ser exageradas, afinal, havia muito sensacionalismo, como houve em tantos programas brasileiros dessa mesma faixa, tal qual o Comando da Madruga, de Goulart de Andrade, que passava nas madrugadas brasileira, no SBT.
Szandor carrega armas, faz rituais com sangue, que até certo ponto, parecia ser apenas um grupo de gente insana, até que ele ordenou que os fiéis se besuntassem de gasolina, acendendo fósforos.
Sobrou apenas uma pessoa, a menina Lilly, personagem interpretada por Ingrid Torelli, da série The End: a Escolha, atriz que estreava no cinema. Aqui se nota que a maioria do elenco é formado por gente pouco famosa, iniciante, ainda que a maioria se entregue bastante.
Ela é levada ao programa junto a doutora June Ross-Mitchell, de Laura Gordon, de Jogos Mortais V e Vidas Emaranhadas. Ela é uma pessoa complexa, uma estudiosa supostamente científica, que guarda um segredo de relacionamento - devidamente exposto, ao vivo - e que ajuda a menina, sem receio de dar a ela protagonismo.
Lilly é misteriosa e engraçada, ela entra atrasada em cena, faz uma pose para as lentes, quase como se estivesse se preparando para dançar. Tem um aperto de mão forte, língua ferina, além de olhar diretamente para a câmera.
Em sua forma direta de falar acaba tocando em feridas, cita a esposa morta do apresentador, faz referências ao caso entre June e Jack, depois volta a encarar a câmera, até nos intervalos ela pergunta para onde olhar.
June diz que a menina está imprevisível e deveriam desistir de seguir a programação, nos momentos de intervalo.
Ainda na pausa, Leo diz a Jack que Christou faleceu na ambulância, jorrando líquido preto por todos os orifícios.
O diretor da programação, Phil (Christopher Kirby) nota que há algo estranho na transmissão, discute no ponto com um profissional, chamado Steve, mas não encontra o que exatamente está atrapalhando.
June dá seu currículo, tenta justificar sua função de parapsicologia formada no Instituto Stanford de Pesquisa como se isso a credenciasse como oriunda de uma função científica. Obviamente que Carmichael fica pondo em cheque essa formação, mesmo que ela afirme ter doutorado no assunto, em fenômenos que segundo ela, tem valor científico sim.
June usa termos para desviar críticas. Ela chama a possessão da menina de infestação psíquica. Tenta driblar as acusações do ilusionista e até as confissões da jovem de que há uma entidade dentro de si.
Ela fala sobre Mr Wriggles ou o senhor Contorcido em algumas traduções, que é obviamente uma homenagem ao Capitão Howdy de O Exorcista, que aliás, é referenciado também em outra cena.
June interrompe a garota, não quer expor ela, especialmente depois que um som estridente começa a quebrar vidros no cenário.
A menina se transmuta, ganha traços masculinizados no rosto, mudou inclusive a cor dos olhos em alguns pontos parece amarelo em outras azuis. O efeito é sensacional, feito com efeito prático, inclusive utilizando uma máscara em alguns pontos, mas é de cara limpa que ela mais assusta.
A parte dela possessa é toda pauta em clichês, ela faz menção da falecida Madeleine, a chama de Minnie, fala do caso amoroso de Jack e June, funciona como o clássico papel do diabo acusador.
A atitude mais inesperada ocorre depois que ela leva um tapa, quase morde a sua tutora, com uma bocarra animalesca.
Em certos pontos, a menina sangra pelo nariz. Para conter a possessão demoníaca, June entoa latim, Vade retro satana, Suny mala quar libas que é uma ordem de recuo, para Satanás, citação usada em exorcismos, uma exortação para mantê-lo longe da vítima.
A sessão é bem caricatural. A possessa tem a voz alterada, fica com o tom grave, contorce o pescoço, até levita, imita a Regan de Linda Blair, inclusive com poderes telecinéticos, já que faz uma linha de choque correr por cima da estrutura do estúdio.
Até aqui se brinca com a possibilidade de ser tudo armado, até pela atmosfera sensacionalista do programa, mas a situação desanda rápido, com o diretor Phil tentando desamarrar a menina, terminando a sequência com Jack usando a adaga supostamente satânica para libertar ela.
Talvez haja um simbolismo nessa atitude, com uma liberação mais literal do demônio.
Gus fica inquieto, cobra o apresentador, o diretor, até Leo, mas é devidamente ignorado. Já Carmichael convence o âncora a permitir fazer um número de hipnose, justamente com o seu sidekick. Essa é umas cenas mais fortes e gráficas do filme, com bastante gore e body horror.
Alguns causos foram prenunciados antes. Nesse trecho por exemplo Carmichael promete fazer Gus se contorcer, fato que prenuncia sua morte. Em um dos primeiros intervalos comerciais, o ilusionista é caracterizado como sendo “todo cera, sem pavio” fato que se torna irônico, já que seu fim é em combustão, incendiado.
O showzinho do mágico deixa o co-apresentador envergonhado, mas causa em June indignação. Já a menina acha engraçado, especialmente na hora que mostra o replay, sem a demonstração do sangue e das nojeiras. Era tudo hipnose, embora Carmichael tenha parecido hesitar, assim como Lilly ri bastante.
O ponto de virada é perto dos 78 minutos, com um ataque mais frontal da menina, que se torna o centro do picadeiro bizarro. Há mortes, pirotecnias, morte com levitação, telecinese, até autocombustão.
Abraxas age nas interferências e escolhe uma forma esquisita, semelhante a um alienígena, de configuração semelhante aos monstros cósmicos de H.P. Lovecraft.
Delroy percebe então que a reunião que ele fez no passado, pode ter colocado ele como o centro de um pacto, na sociedade esquisita lá, fez meio sem saber, por isso a mulher dele morreu.
Há uma preocupação de colocar um filtro de imagem vintage, que protege o visual para parecer mais antigo. Isso ajuda a permitir que os efeitos não fiquem tão ruins em tela, fazendo pensar também que é tudo uma brincadeira da parte da produção do programa notívago.
Depois de escapar ele percebe estar em um looping temporal, vendo os mortos e outros momentos do passado. Entre momentos curiosos, ele vive o clichê do dia da Marmota, em uma perturbação de nível bizarro.
Esse é um devaneio bastante sangrento, com aparição de monstros, doppelgangers, figuras de rituais pagãos com máscaras esquisitas. Há bastante surrealismo na série de imagens, mas também se nota uma falta de qualidade nas imagens, fazendo perguntar se esses trechos também têm interferência de inteligência artificial.
Na sequência ele vê o vulto de Abraxas, incluindo D'Abo que o parabeniza pela audiência, ainda se reencontra algumas vezes com Minnie, entre elas, em um momento no seu leito de morte, careca, magra, como no dia em que deixou o plano terreno.
Jack discute sobre sua alma, sobre ter entregue sua alma ao diabo, para conseguir seu sucesso, explorando outra vez a morte de sua esposa. Na parte realista da trama ele desperta do transe esfaqueando a menina, com tudo colorido, ou seja, estava no ar. Ao fundo de ouve sirenes, com a polícia ou quem quer que esteja chegando.
Curioso que não se repercute isso, após o fim da gravação. Faria sentido ter isso, mas se optou por deixar o mistério rolar. Fica um pouco sem sentido, mas se preserva a trama. É esperto.
Entrevista com o Diabo é divertido e direto, uma boa reinvenção dos clichês de Ghostwatch. A obra foi inflada por boa parte do público, desnecessariamente, já que cria uma expectativa demasiadamente difícil de superar, mas a realidade é que é um filme pequeno, que ganhou vulto, que tem uma atuação soberba de Dastmalchian, resultando em um protagonismo sensacional, também em um bom exercício de perversão do found footage e uma boa crítica ao sensacionalismo midiático.
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