Keoma: A história do índio que simboliza o final do movimento Western Spaghetti

Keoma: A história do índio que simboliza o final do movimento Western SpaghettiKeoma é um filme dramático e melancólico, possivelmente o mais triste do panteão do Western Spaghetti. Sua história narra a jornada de um descendente de nativos-americanos que decide retornar a sua terra natal, depois que o lugar tem problemas com uma praga.

Lançado em 1976, é comumente chamado de o filme que fechou o ciclo dos Bangue-Bangue à Italiana, embora obviamente não tenha sido o último exemplar do gênero.

Essa alcunha geralmente é dada graças a sua temática mais melancólica e triste, mirando a vivência de um personagem de cuja ascendência é dos povos originários, que por sua vez acerta as contas com cowboys brancos e racistas do lugarejo onde viveu.

A obra tem direção do experiente e talentoso Enzo G. Castellari de Fuga do Bronx e Jonathan e o Urso, é lembrada também por ser estrelada por Franco Nero, o muso inspirador de obras como Django, Vamos a Matar, Companheiros, e Tempo de Massacre, além de obras diversas, como o policial Confissões de um Comissário de Polícia e Mussolini: Ascensão e Glória de um Ditador.

O nome do herói, Keoma é um termo nativo-americana que significa "longe". A palavra é erroneamente associada ao termo liberdade/freedom, mas essa é uma má interpretação do termo. Essa alcunha ajuda a explicar inclusive o fato do personagem de Nero estar distante da vila, até o momento presente do filme.

Ao redor do mundo o obra possui algumas variações de nomenclatura, como Caramba!. Apesar de não ter nada a ver com Django de Sérgio Corbucci, o longa possui títulos ligados a ele, como Django Part 2, Django Rides Again e Django's Great Return. Nos Estados Unidos também pode ser encontrado com o nome The Violent Breed, Desperado e Keoma: The Avenger.

Obviamente que na Itália o nome do longa-metragem é Keoma mesmo. Ele foi produzido e apresentado por Manolo Bolognini de Django, Adeus, Texas, O Pistoleiro de Ave Maria, A Colina dos Homens Maus e Chuck Mull, O Homem da Vingança. Foi filmado em oito semanas, entre três países, especialmente na Itália, filmou no Campo Imperatore, L'Aquila, Abruzzo e nos Elios Studios, Roma, Lazio, Itália. As cenas na Espanha foram em Almería, na Andalucía. Teve cenas também nos Estados Unidos

Os estúdios por trás foram feitos pela Uranos Cinematografica, distribuído pela Far International Films na Itália, Adria Filmverleih na Alemanha Ocidental, Intercontinental Film Distributors no Reino Unido.

Castellari afirmou que de todos os filmes que dirigiu, este é o seu favorito. Ele escreveu esse junto a Mino Roli (de A Qualquer Preço e Matá-lo), Nico Ducci de (Um Homem a Respeitar) e George Eastman (que assinava como Luigi Montefiori), que era ator (A Colina dos Homens Maus) e escritor de clássicos do horror, como O Antropófago e Mutação Maligna, Eastman também escreveu o argumento desse Keoma.

O enredo do filme foi em grande parte improvisado, enquanto rodavam o longa. O tratamento original da história foi escrito por Montefiori/Eastman e transformado em roteiro depois.

Castellari não gostou do que foi escrito, então ele e o ator Joshua Sinclair, que interpretou Sam Shannon, reescreveram o script, sempre mirando o que seriado rodado no dia seguinte, todas as noites após as filmagens.

Não à toa é o personagem de Sinclair que entre os irmãos de Keoma tem mais importância e tempo de tela.

Keoma: A história do índio que simboliza o final do movimento Western Spaghetti

Castellari também esteve aberto a sugestões do restante do elenco e da equipe técnica. Franco Nero afirmou que escreveu alguns de seus próprios diálogos.

A trama começa em um cenário enevoado, com um cavaleiro cheio de roupas de frio, passando por um ambiente de areia, sujeira e muito lixo. O sujeito mestiço, de cabelos enormes passeia pela devastação do lugar que ele um dia chamou de lar.

A aldeia onde sua mãe e seus parentes viveram não é nada mais que o lar da destruição, solidão e desolação. Isso é registrado de maneira poética, indiscutivelmente, Castellari dá vazão a uma versão do Velho Oeste que revisita o massacre aos nativos americanos, aos verdadeiros residentes do continente conhecido como Mundo Novo.

Keoma não tem receio de falar a verdade, afirma que esse mundo é podre. Os filmes de velho oeste europeus eram mais sujos, mais violentos e mais escrachados que os do Estados Unidos, no entanto, não eram melancólicos, não tão melancólicos quanto esse se apresenta.

Esse é, há quem chame ele de uma obra que valoriza a depressão, fato que se vê inclusive no tema musical do personagem-título, que tem uma letra, cantada de maneira triste e melodiosa por Sybil & Guy.

A trilha original de Guido & Maurizio De Angelis, conhecidos por O Vingador Anônimo e Zorro (75), possui músicas pontuais, que ajudam a demarcar os sentimentos de tristeza com um instrumental diferenciado. As canções têm personalidade própria, mas são muitas vezes cortadas pelo tema principal.

O personagem-título é um alguém singular, um cowboy de cabelos desgrenhados, que deixa clara sua origem que mistura o branco e o "índio". É bem notório que Nero está utilizando uma peruca, mas isso não incomoda, já que sua atuação é sempre taciturna, calada.

É curioso como ele sempre fazia heróis diferentes. Ele poderia ser calado como Django, mais vocal como nos Zapata Western de Corbucci, ou mais deprimido e entristecido como aqui. Mesmo sendo alguém considerado canastrão é inegável que ele era um ator versátil.

Sua caracterização é completada com o seu armamento único. Ele carrega pistolas em coldres, mas também possui uma espingarda de cano serrado, que consegue lançar quatro projéteis de uma vez.

Quando ele acerta um rival faz um estrago grande, pois fere uma grande área, abrindo múltiplos buracos se acertada em cheio.

Keoma: A história do índio que simboliza o final do movimento Western Spaghetti

No caminho para sua terra, ele acaba salvando Liza Farrow, personagem de Olga Karlatos, atriz grega bastante experiente no cinema italiano - fez Pelo Prazer de Matar, Meus Caros Amigos, Zumbi 2 e Era Uma Vez na América - e aqui faz uma recém viúva, de um homem que estava condenado a peste, mas que morreu de maneira cruel, assassinado pelos bandidos de Caldwell.

Keoma é benevolente, liberta os cativos, fazendo justiça a pessoas que foram exploradas como ele e sua família foram anos antes. Castellari abusa dos closes sensacionalistas, varia muito entre esses e os planos detalhes das armas dos bandidos e do mocinho.

Ainda assim, não supervaloriza o personagem, não o coloca em um pedestal, tampouco glamouriza seu personagem central, mostra ele sujo, repleto de pelos, descamisado, com seu agasalho cheio de lama. Fica a dúvida se ele se insere melhor no papel de anti-herói ou de herói clássico.

Logo chega George, personagem de Woody Strode, que é uma espécie de mentor para Keoma. Ele é um exímio arqueiro e ensinou o protagonista quando ele era novo, se aproxima da estalagem onde o personagem-título está e afirma que não era chamado por seu nome há muito tempo. Provavelmente era apenas xingado, quando muito, chamado por adjetivações ligadas a sua cor de pele.

Castellari disse que o papel de George foi escrito especificamente para Strode, que conseguiu participar graças a coincidência de estar em Roma na época que rodavam o filme. Aqui ele está mal, deprimido, quase choroso. Aparentemente todos os personagens não brancos sofrem nesse universo.

O vilão principal é o Capitão Caldwell (Donald O'Brian), um homem ruim, que permitiu que a cidade se afundasse na doença e na sujeira. Junto a ele estão os três irmãos de Keoma, os Shannon. Eles prestam serviços ao sujeito, funcionando, na prática, como capangas dele.

Os três são Butch, feito por Orso Maria Guerrini, Sam, feito pelo já citado John Loffredo/Sinclair e Lenny de Antonio Marsina.

Keoma: A história do índio que simboliza o final do movimento Western Spaghetti

Ao passar por suas antigas terras, ele encontra William H. Shannon, seu velho pai, interpretado por William Berger. Quando o encontra, se assusta, como se visse um fantasma. Mas fica feliz ao perceber que o parente ainda vive.

Os três irmãos passeiam pela cidade, avisam ao pai que não mataram Keoma ainda em respeito a ele. O roteiro trata de relembrar as rivalidades fraternas e as brigas deles quando crianças, com o trio maltratando o protagonista.

É um bocado estranho quando a trama passa pela infância dos quatro, até meio trash. Os atores mirins estão todos caracterizados como as suas versões adultas, não parecem crianças comuns e sim atores fantasiados. Isso desconcentra um bocado.

A rivalidade entre eles parece existir para além até da condição de mocinho contra bandidos, tanto que se enfrentam algumas vezes ao longo do filme, algumas de forma bem agressiva, quase gerando mortes.

Nero estava em uma bela forma física. A maioria das cenas de ação ele fez sem auxílio de dublê. Participou de múltiplas formas de ataque, chegou até a lançar facas, em uma sequência de ataque à noite onde buscava ser silencioso.

Nos momentos de desespero, quando a morte chega perto, ele vê a figura de Gabriella Giacobbe, uma personagem idosa, que aparece especialmente no início e no final da história, sendo creditada como A Bruxa. É curioso como o roteiro trata a personagem, já que ela é quase uma entidade fantasmagórica.

Keoma: A história do índio que simboliza o final do movimento Western Spaghetti

Não há um patrono na cidade, o lugar se reergue basicamente com auxílio de seus próprios cidadãos, como o doutor (Leon Lenoir), que mesmo sem ser abastado, ajuda com doações.

Eles seguem juntos acreditando piamente na promessa de vida nova, com a possível chegada de um juiz federal, mesmo que não haja garantias disso.

Alguns aspectos diferenciam Keoma dos seus pares do Western Spaghetti. É comum que em algum ponto haja um uso de slow motion, mas Castellari pratica um grande exagero nas cenas de câmera lenta. Fica patente que há uma influência da parte do cinema do diretor Sam Peckinpah, de Meu Ódio Será sua Herança.

Também fica claro que Berger não tem idade para ser pai de nenhum dos quatro filhos, embora isso não comprometa a crença na trama. A maquiagem que o envelhece não funciona à contento, mas a atuação e dedicação do ator impressiona.

A sequência que resulta na morte do patriarca Shannon é emocionante e triste. Os capangas de Caldwell são desonrosos, acertam o pai do herói mesmo depois que ele se rende. É curioso como em seu rompante desesperado, o assassino não consegue atirar em Keoma, mesmo com ele desarmado. É como se algo sobrenatural protegesse ele, ou a bruxa ou seus antepassados, ou mesmo a terra, que não queria deixar que o herói caísse.

As humilhações pelas quais Keoma passa não importam, ser arrastado pela lama, ser amarrado em uma espécie de cruz improvisada não é nada, no máximo reforça sua função messiânica, já que ele é amaldiçoado pela morte de cruz, tal qual Jesus Cristo.

Para ele, ser humilhado não era nada, afinal, o mais triste já havia ocorrido consigo, já que ele perdeu a única pessoa que importava.

Até os três irmãos se revoltam com Caldwell, eliminam ele e seus homens e assumem a chefia dos vilões. Entre eles, fica clara a liderança de Sam. Butch o acompanha, promete aos beberrões que a cidade vai crescer e virar uma grande metrópole. Até Lenny, que era tímido de início, adere ao discurso do irmão.

O confronto entre Keoma e os Shannon é meio anticlimático, em uma cabana escura, à noite. Os cowboys se desvencilham fazendo muito uso de estratégia. Sabendo da capacidade do irmão mestiço, os três fraternos subestimaram a capacidade do protagonista de uma forma tão impressionante que não faz muito sentido, mas combina bem com toda a empáfia branca levantada aqui.

O filho de Farrow nasce, mas Keoma não o leva, deixa a criança com a idosa bruxa, que aqui, parece apenas uma senhora comum. Esse final é uma sequência bastante confusa, Castellari torna o desfecho na coisa mais onírica de seu filme, que já apelava para o lúdico em boa parte, mas nos últimos instantes, faz uma sequência bem literal.

Keoma é sensacional, encerra bem o ciclo virtuoso do western spaghetti, conseguindo atingir as expectativas de violência sanguinolenta, de poesia aventuresca e de reflexão sobre sentimentos de vingança e justiçamento aos excluídos.

É uma obra seminal, feita não só para os fãs do gênero, mas do cinema no geral, embora não faça sentido em boa parte de suas curvas dramáticas, conta com uma música bonita, atuações dedicadas e claro, imagens maravilhosas. É uma pérola da exploração do Velho Oeste.

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