Todos os meus amigos estão mortos é um filme de terror polonês que narra uma história trágica, sobre uma festa de virada de ano que dá bastante errado e termina de maneira trágica.
A história escrita e dirigida por Jan Belci se passa entre a espera pela virada e o primeiro dia do novo ano, na casa de um jovem que reúne toda sorte de amigos para uma noite regada a muita droga, bebida e demais coisas comuns a uma festa de jovens.
A grande questão é que a reunião deu muito errado, e o início trata disso, mostrando uma investigação policial, que busca entender como uma situação tão bizarra ocorreu, e com tanta gente simultaneamente.
Essa é a estreia do diretor na condução de longas-metragens. Belci havia trabalhado na minissérie polonesa Izbrisani, e concebeu essa maluquice cujo nome original é Wszyscy moi przyjaciele nie zyja.
A produção se tornou popular por estar no catálogo da Netflix, que normalmente resgata para si produções de baixo orçamento.
Esse é mais um produto que o serviço de streaming ajudou a propagar pelo mundo, que é por si só um esforço válido, já que dá as pessoas oportunidade de ver tipos e exemplares tão distintos de cultura internacional.
O início do longa acompanha o investigador júnior Grzegorz Dąbrowsky (Michael Meyer), ansioso para perder sua virgindade em casos violentos. Ele e o inspetor Kwaniewski (Adam Woronowicz) entram na casa, que foi palco de uma aparente chacina, com vários corpos e apenas uma sobrevivente, que avisa que todos os seus amigos faleceram e que o fim do mundo se aproxima.
Já nesse aparecem muitos corpos agressivamente exibidos, com um gore absurdo, tão grave que parece que uma orgia macabra aconteceu ali. O cenário se assemelha a uma cena de massacre histórico, deixado para o público assistir de maneira plena, com poucas interferências da perícia, que usa roupas de isolamento reforçando o simbolismo de que o que ocorreu ali parece mesmo ser algo de outro mundo.
Grzegorz é um bom personagem orelha, servindo bem para introduzir o espectador na doideira que será apresentada.
Ele age como alguém normal, não é imune a violência terrível que ocorre ali, tanto que o primeiro morto que ele encontra o faz vomitar. Após isso ele não se impressiona tanto ao ver o número gigantesco de cadáveres no mesmo lugar.
A partir daqui haverá spoilers.
Essa obra guarda algumas semelhanças dramáticas com o horror recente Morte, Morte, Morte, inclusive em partes da cadeia de eventos surreais do final, que por sua vez, conversa com a noção bizarra de uma das personagens que passa quase todo o filme falando sobre universo e carma.
A cronologia retorna ao dia anterior, na noite da virada, em uma reunião de amigos, que no meio da grande festa, tem seus momentos parecidos com dezenas de comédias juvenis dos Estados Unidos.
Os personagens são apresentados como um bando de jovens clichês, como pessoas, chatas, óbvias e vazias, e de fato, eles são assim mesmo, o puro suco de senso comum, com toda sorte de arquétipos.
Há a crédula em signos, o ex-drogado que está se reabilitando, o cara que se acha o suprassumo e quer ser um cantor famoso, o garoto que namora uma mulher bem mais velha, o anfitrião gente boa, a dupla de meninos virgens que tentam esconder sua insegurança sexual, além é claro de gente dentro do armário.
Tem alguns momentos de prenúncio, ou foreshadowing, onde alguns destinos de personagens são meio que profetizados, incluindo alguns tipos específicos de morte, a crença em um multiverso repleto de realidades paralelas, mas que no final, resultam mais ou menos no mesmo looping, na mesma tragédia, de que os personagens pereceriam em alguma festa.
Entre tentativas dos rapazes de conseguir sexo, mentiras ditas para impressionar o sexo oposto e brincadeiras cunho sexual o longa segue, especialmente fora do padrão dos casais que foram previamente estabelecidos. Aqui a clichê frase "ninguém é de ninguém" é bem empregada.
O filme não é um slasher, mas pega desse filão algumas características, especialmente no fato de punir a sexualidade.
Na primeira (de muitas) transa mostrada, já ocorre uma tragédia, já que menininha good vibes Anastasja (Julia Wieniawa-Narkiewicz) achou inteligente transar com Filip (Mateus Wleclawek) o fotógrafo reabilitado, segurando a arma do dono da casa.
Vale lembrar que a festa ocorria no andar de baixo, e essa ação era após o lance de escadas, no pavimento no de cima, fato que foi proibido pelo morador da casa, Marek (Kamil Piotrowski). Obviamente que meninos e meninas com hormônios em ebulição subiriam para tentar transar.
A ideia genial de trepar segurando uma pistola acaba sendo a melhor forma de discursar sobre os perigos de ter uma arma de fogo em casa, e o faz de maneira natural e não panfletária.
Outro ponto que parece banal mas acaba soando como crítica é a postura de Anastasja, feita pela atriz mais famosa entre o jovem elenco - esteve em Sem Conexão e Sem Conexão 2.
A moça é tão ensimesmada que julga a cantada óbvia que recebeu do fotografo (e que resultou na transa deles) é algo mais grave do que a consequência de eles terem acertado fatalmente uma das pessoas.
Esses dois são os melhores personagens, por que são completamente surtados, com uma acreditando em destino cármico e outro falando em teoria do multiverso, só querendo se livrar do corpo do dono da casa, que foi atingido acidentalmente.
O filme é muito divertido e engraçado, uma comédia mórbida e bizarra, cujo número de corpos aumenta exponencialmente e pelo acaso.
Mas não é imune a críticas, especialmente graças a Jacques (Yassine Fadel), um personagem religioso que foi por acaso para a festa e doidão, tem visões de Jesus (Bartlomiej Firlet) observando ele trepando. Outro ponto normalmente criticado no longa é a exploração das duas “irmãs”, Renata (Magdalena Perlinska) e Jolanta (Paulina Galazka), personagens rasas, sexualmente ativas, que estão na trama basicamente para transar e para postar nas redes sociais.
Como o filme trata isso de maneira galhofeira, é um exagero achar desrespeito nessa parte da trama, até porque todos esses personagens citados sofrem de alguma forma, inclusive abrindo a possibilidade de que o ocorrido trágico seja na verdade um castigo Divino.
Aqui existe claramente uma extrapolação do moralismo slasher já citado por conta do livre uso de bebidas, drogas e transas que ocorrem entre os jovens ali.
Os vinte minutos finais descambam para a pura insanidade, rola golpe de taco de baseball que estoura os seios siliconados de uma moça, machadada na porta - no estilo O Iluminado - de um homem que se sentiu emasculado, uma tentativa de suicídio com pisca pisca, uma roleta russa com uma moça distribuindo tiros na sala de maneira descontrolada, gente quadrada trepando de maneira hardcore, risco de choque, até fraturas expostas, tudo isso na hora da virada, ao som de Kickstart my Heart do Mötley Crüe.
A trilha sonora aliás é sensacional, com Give me a Chance de Justin Tapp, um remix latino de Tia P para Way Too Fine, e o filme ainda fecha com House of the Rising Sun do The Animals.
Mesmo com toda a tragédia, Belci guarda uma espécie de final agridoce, uma variação daquela noite infeliz, agora alegre de verdade, com todos de branco, no casamento de um dos casais, não ficando claro se aquela é uma reunião no além ou simplesmente uma realidade alternativa.
Essa é uma comédia com elementos de horror tão ridiculamente engraçada e tão imbuída em soar pervertida e escrota que poucas vezes se vê de maneira tão exitosa.
No anúncio de streaming, há uma supervalorização dele, comparando este como uma mistura entre a comédia de Seth Rogen que versa sobre o Apocalipse É o Fim, com o recente Era Uma Vez em Hollywood do premiado Quentin Tarantino.
Claramente o filme é bem diferente deles, mas a parte mais especulativa da trama de fato faz lembrar momentos de ambos os filmes.
O drama de tão irreal se torna charmoso e pitoresco, quase como uma ópera do acaso, com uma data que deveria ser o início de um ciclo resultando no fim da vida de dezenas de pessoas.
Todos os Meus Amigos Estão Mortos é um bom retrato da juventude entre gerações, uma demonstração de como hormônios, drogas e bebidas podem ser ingredientes explosivos e uma mistura que pode gerar diversão tresloucada, mas também o inevitável fim da vida, e faz isso sem parecer piegas, sem divertido e com reflexões tolas mas bem encaixadas.
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