Alfred Hitchcock faleceu em abril de 1980 e enquanto vivo jamais cedeu lugar a mesmice de fazer continuações para seus grandes sucessos.
Eis que três anos após sua morte, seu antigo colaborador Anthony Perkins, forçado por não conseguir êxito em outros papéis, resolve retomar a jornada do seu Norman Bates, o icônico personagem central de Psicose, agora regenerado após ficar mais de duas décadas em uma clínica de reabilitação.
Em Psicose 2 Norman volta para a sua casa, tenta seguir sua vida já distante da presença de sua mãe, inclusive no que toca as vozes que ele ouvia em sua cabeça, mas não sem incomodar a sobrevivente Lila, personagem de Vera Miles que sobreviveu ao seu ataque, e que também retorna.
Entre possibilidade de sabotagens a sua sanidade e estranhos retornos de fantasmas do passado, o filme segue tentando não parecer um caça níquel sem vergonha, e em boa parte da abordagem, até consegue.
A direção coube ao cineasta britânico Richard Franklin, um estudioso do método e forma que Hitchcock estabelecia em seus filmes. Seu roteiro é escrito por Tom Holland, o futuro diretor de clássicos como A Hora do Espanto e Brinquedo Assassino e produzido por produzido por Hilton A. Green, que foi assistente de direção do original. Também tem produção executiva de Bernard Schwartz de Bolt: O Homem Relâmpago e O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas.
Vale lembrar que Robert Bloch escreveu uma continuação em livro para Psycho, e nela, Norman morria logo no início. Considerando que essa sequência dependia demais de algo que fosse chamativo, e que causasse no público uma sensação de familiaridade.
Portanto, era necessário que Bates fosse o protagonista, e a ideia desse segundo livro não parecia uma boa ideia, então o texto foi descartado.
Uma curiosidade meio esquecida quando se fala de Psicose 2 é que Franklin foi próximo de Hitchcock. Além de entrevistar o mestre do suspense, ele também trabalhou como estagiário em Topázio (1969), um dos filmes da fase decadente do diretor.
Reza a lenda que ele e o produtor Green teriam pedido a bênção a filha de Hitch, que prontamente cedeu a eles sua permissão. Evidente que isso vale de quase nada, mas toda a intenção deles era não só de seguir a história, mas tentar ser reverencial ao clássico.
Um dos personagens mais importantes que é introduzido é Raymond, o doutor que trabalhou na terapia de Bates, e que é interpretado pelo veterano e ótimo ator Robert Loggia. É dele a ideia de tentar seguir a vida com alguma normalidade, e esse idealismo na terapia cobra seu preço, já que a sociedade que deveria aceitar Norman enquanto um homem reabilitado, teima em insistir que há algo errado com ele, não permitindo que ele ficasse em paz.
O começo é animador, Norman retorna a vida cotidiana e ao menos no início consegue driblar bem as dificuldades de um homem em reabilitação, fora que sua rotina conversa bem também com o que era comum a ex-presidiarios, com dificuldades de arrumar trabalho e de se arrumar em uma rotina.
Ele segue em frente, volta até a dormir na mansão que fica acima do motel e tem de lidar não só com a lembrança dos dias de múltiplas personalidades, mas também com sinais de que sua mãe voltou.
A paranoia não demora a tomar conta dele e Perkins acerta demais no tom de fazer um homem de idade já avançada e que é perturbado por sentimentos de culpa e melancolia que remetem a fases da sua infância, e que acompanharam ele durante a fase adulta.
Agora já na meia idade ele não sabe como reagir a essas emoções e parece um vulcão prestes a explodir, prestes a expelir lava e segue tentando se conter para parecer são, para se manter como um homem que superou o passado.
Quando ele pega recados em folhas de papel embaixo do telefone antigo, nota enfim o quão frágil está e o quanto o trauma ainda faz parte dele. Se aproximar do antigo quarto de Norma é altamente proibitivo, ele evita isso a todo momento.
Franklin por sua vez é bem inventivo nas filmagens. Ele pega o serviço do diretor de fotografia Dean Cundey, traz a visão do espectador a partir da maçaneta da porta do quarto da defunta, convidando o público a usufruir da mesma sensação que Norman tem, de estar cercado por uma memória que não deveria estar ali, e que dessa vez, é repetida graças a efeitos externos.
Cundey se tornaria um grande profissional, inclusive em produções dentro do gênero horror, como em Bruma Assassina e Enigma de Outro Mundo, além de trabalhos no cinema blockbuster, como De Volta Para o Futuro e Jurassic Park. Se algo é diferenciado na obra certamente é o visual.
Partindo do princípio que Psicose lida com terrores mundanos e não espirituais, fica evidente que é alguém e não algo que provoca em Norman as paranoias, e um candidato perfeito é Warren Toomey.
Interpretado por Dennis Franz, ele havia assumido o negócio de hospedagem, mas no retorno do proprietário ele é dispensado, basicamente porque Norman descobriu que o lar dos Bates - assim como seu legado familiar - virou um ponto de uso de drogas e um palco para festinhas e orgias sexuais.
Warren é demitido e obviamente não gosta da postura de Norman, vira, portanto, a opção número um de suspeição na tentativa de destruir a sanidade do protagonista, mas essa dúvida não dura muito, uma vez que morre já no início.
Logo o script faz questão de reunir o protagonista com Mary, uma menina vivida pela indicada ao Oscar Meg Tilly, que frequenta a lanchonete onde Norman trabalha como chapeiro e auxiliar de serviços.
Holland é esperto, escolhe o nome Mary graças ao fato desse ser o nome da garota que morre no livro. Alfred Hitchcock mudou para Marion Crane por conta de uma pessoa homônima, que tinha seus dados em uma lista telefônica, ao menos no que diz a lenda.
Em algum ponto, Mary consegue entrar na casa dos Bates, vai se tornando uma espécie de inquilina ali e mesmo que tenha todo um grupo de quartos vazios na parte de baixo da propriedade, ela decide ficar na casa com o homem, e mesmo quando ela pensa em sair de lá, é convencida pelo mesmo a não ir embora.
A união entre Mary e Norman é peculiar. Parece algo forçado e não natural, e de fato é. A mera constatação de que Bates é um homem carente não explica o modo como ele se abre para essa possibilidade de ter ela como colega de quarto.
Aos poucos, eles vão se unindo e a partir daí fica fácil comprar que a união deles é algo de fato bem construída, exceção claro a tentativa dela de fazer Norman entrar no quarto onde ele envenenou a mãe.
O roteiro ajuda o cineasta a dar uma boa mostra de como montar um filme de suspense. A sequência de assassinatos tem a autoria dos ataques bem escondida e faz tanto o personagem de Perkins quanto o espectador se perguntarem se não é ele quem teve uma recaída, voltando a cometer homicídios.
Psicose 2 é um filme que tem quarenta anos, então falaremos sem receio de dar spoiler.
Mary é filha de Lila Crane, que casou por sua vez com Sam Loomis (já falecido aqui), e ela é parte de um plano de sua mãe para incriminar o protagonista.
A influência de Mary-Lila ajuda Norman a mudar, e a voltar a ter comportamentos que não tinha há muito tempo. Não fica claro se é por conta da proximidade da moça ou não, mas o sujeito parece ser seduzido por facas boa parte do tempo.
A lâmina o convida a abraçar o seu destino fatal, e faz os melhores simbolismos ao longo do filme, inclusive nos momentos finais.
Tem vários ótimos planos de filmagem, quando o doutor conversa com Norman, a câmera fica por cima, mostrando que a realidade tangível está acima da condição emocional do homem reabilitado.
Enquanto Bates é um sujeito controlado, os planos de filmagem são mais amplos, contemplam o geral. A medida que ele sofre uma recaída, a câmera foca mais, setoriza em closes os seus registros.
Raymond simboliza para Norman uma nova alternativa. É um mentor, e sempre que eles têm contato, Bates lembra da sua condição de são, enquanto voltar para casa, o draga para a loucura novamente.
Chega a ser triste, tanto pela condição do protagonista como pela falta de qualidade do filme do meio para o final, deixando toda a boa construção para traz a fim de apelar para uma tentativa de virada e plot twist.
Entre mortes acidentais, agressões entre os personagens finalmente a parceria entre Mary e Norman chega a um lugar inevitável, a um fracasso que já era esperado, dado o maniqueísmo do argumento principal. Mas a força dessa e de outras reviravoltas é diluída, a batalha entre a dupla é ridiculamente conduzida, onde fica evidente o uso de bonecos super falsos.
A Sra Spool, que aparece no início e depois some (basicamente evapora e retorna do nada), se assume como a mãe biológica do protagonista, para não fazer praticamente nada. Seu ingresso está lá apenas como artifício de surpresa barato e para despertar em Norman o caráter matricida e homicida, mas sem a desculpa da mãe manipuladora, já que ele sequer sabia que havia sido adotado por Norma.
O maior pecado aqui certamente é a forçada de barra do assassino ao longo do filme. Acreditar que uma senhorinha, já com seus oitenta e tantos anos cometeu todos os homicídios é demais e fica ainda mais feio com a facilidade que ela tem em perecer diante da explicitação do seu parentesco ao seu suposto filho. Isso foi tão mal falado que nas outras sequências, houve um retcon leve, que deixava patente que a história havia sido mal contada e que Norman poderia ou não ser filho de Norma.
De qualquer forma, nessa realidade, Norman volta a estaca zero e para isso se representa com a câmera indo para o ângulo de cima, como na morte de Arbogast. Termina enfim religando o letreiro luminoso do Bates Motel, anunciando para o mundo que as coisas voltaram ao seu lugar.
A conclusão de Psicose 2 é que Norman poderia estar bem caso não fossem as interferências externas das duas Crane e de sua patroa. Claro que isso pode ser encarado como um paralelo com qualquer agrura da vida adulta, afinal, estar bem pessoal e sentimentalmente sem interferências externas é quase um luxo em tempos atuais e nos anos 1980, mas o roteiro peca em tentar tornar esses toques como analogias com as dificuldades da vida adulta, afinal, estão longe de parecerem eventos comuns.
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