Slumber Party Massacre: uma tentativa de paródia dos filmes de matança

Slumber Party Massacre: uma tentativa de paródia dos filmes de matançaO subgênero do horror conhecido como Slasher – ou como gostamos, Filmes de Matança, em atenção ao termo cunhado por Carlos Primati – tem por base alguns clichês bem datados sobretudo quando lida com gênero e minorias.

Não é incomum que qualquer mulher mais fogosa, dada e sexualmente ativa seja morta com requintes de crueldade pelo assassino da vez, seja ele humano, monstro ou demônio, o que importa é que mulheres serão mortas, especialmente as que se atrevem a transar.

Normalmente esse tipo de cinema é pensado e comandada por homens, quase sempre dirigido, roteirizado e produzido por gente dentro de uma faixa de normalidade heterossexual, caucasiana e cisgênera.

Eis que ainda nos anos 1980 houve uma série de filmes que buscava romper com esse estigma, trazendo o comando para a mão de mulheres. Trata-se de Slumber Party: O Massacre ou apenas Massacre, longa dirigido por Amy Holden Jones (que assinava apenas como Amy Jones assinava na época), lançado em 1982 e que ajudou a pavimentar uma franquia.

Esse primeiro capítulo tinha roteiro escrito por Rita Mae Brown, com pitacos de Jones, que não foi creditada como autora.

O produto final dessa união é uma história onde as moças são as protagonistas e onde o revide a esse clichê é bem demarcado que apenas a sobrevivência da menina virginal no final, tendo claro o clichê da garota final, preenchendo o entorno dela com alguns elementos disruptivos.

Slumber Party Massacre: uma tentativa de paródia dos filmes de matança

A sinopse é simples, já que se localiza em uma festa de pijamas de estudantes de um time de basquete do ensino médio, que se torna um banho de sangue depois que um assassino em série roda o bairro residencial de Venice, California. Esse homicida foi condenado em 1969, e acabou de fugir da prisão.

Dentro do escopo de discutir os chavões do gênero, essa situação demonstra que a população pouco se importa com o noticiário, mesmo esse que fala sobre um perigo real, e segundo, o retorno dele conversa com diversos outros exemplos de assassinos em série dos filmes.

Outra questão que serve de pretexto para discutir as questões do subgênero tem a ver com a arma do tal fugitivo interpretado por Michael Villella, Russ Thorn. Ele anda com uma furadeira, pesada, difícil de carregar, um material motorizado com uma bronca na ponta.

Claramente a ideia dele tem mais a ver com carregar um símbolo de penetração em corpos femininos e menos com a praticidade em atacar as suas vítimas.

Outra curiosidade bizarra é seu modo de vestir, com uma camisa simples, de cor vermelha e sem estampas e um conjunto jeans, com calças e casacos azuis. Mesmo estando preso há tempos, seu vestuário conversa com o que seria a moda na década presente. Não se sabe se ele se veste assim normalmente, ou se pegou as primeiras roupas que achou em varais das casas suburbanas de Venice.

Se ele fez isso tal qual Michael Myers em Halloween, foi no off câmera, o que é até esperado, já que esse é um filme curto, de apenas 77 minutos, econômico em tempo e prolífico em violência e subtextos.

Em algum ponto da construção do roteiro de Mae Brown, a ideia era fazer um pastiche, um filme mais voltado para a comédia e menos para a violência e horror. É sabido que a roteirista é lésbica, sua ideia era utilizar a figura do assassino como uma representação da masculinidade impotente diante das mulheres, possivelmente com um subtexto homoafetivo.

Não se sabe exatamente o que fez mudar isso, se foi culpa de Roger Corman, que é produtor executivo não creditado, o que se sabe de fato é que ele exigiu que tivessem mais cenas de nudez.

Ainda assim é bem fácil notar que há algumas referências sutis a flertes, em olhares profundos, trocados por duas das principais personagens, no caso Trish, de Michelle Michaels e Valerie, de Robin Stille, inclusive em uma das muitas cenas de nudez, no vestiário feminino da escola delas.

Slumber Party Massacre: uma tentativa de paródia dos filmes de matança

Assim que o filme começa, se nota uma coisa gritante: a música. O tema composto por Ralph Jones é irritante, porém efetiva, pois já insere o espectador na atmosfera tensa do filme antes mesmo de apresentar seus personagens.

Enquanto a câmera passeia pelas pacatas casas de Venice, os sons agudos ajudam a estabelecer a aura de estranhamento e de inevitabilidade trágica.

Antes de completar cinco minutos Trish Devereaux aparece acordando. Todo o simples procedimento de despertar, trocar de roupa e tocar sua vida é cheio de simbolismos.

Ao retirar sua blusa ela mostra seus seios nus, em frente a câmera, não só saciando a necessidade onanista típica de quem consumia filmes de horror oitentistas, mas respondendo a questões da maturidade que lhe são caras.

Ela não quer ser encarada como garota, e sim como mulher, tanto que sua próxima atitude depois de colocar a camisa é recolher brinquedos, ursos de pelúcias e bonecas espalhadas pelo quarto para jogar no lixo.

Slumber Party Massacre: uma tentativa de paródia dos filmes de matança

Na rádio local ela ouve a notícia sobre a fuga do assassino Russ Thorn, mas não há qualquer cuidado da parte de ninguém, nem dos pais da família Devereaux, nem da protagonista e nem de nenhum outro adulto.

Para ratificar o completo dar de ombros para essa notícia, Trish decide após um treino de basquete falar com suas amigas para fazer uma festa do pijama enquanto seus pais estão fora, mas não sem a autorização dos mesmos.

Durante toda a trama se nota a ausência dos pais, não só os Deveraux, que tem uma desculpa ao menos, mas de todos os adolescentes da trama. Isso conversa diretamente com o tropo dos filmes de matança, que quase sempre são abarrotados de famílias incompletas e disfuncionais, mesmo que no caso dos pais de Trish, a preocupação pareça excessiva.

A intenção de parodiar os filmes da matança seguiu viva, não em níveis de pastiche, e sim na perversão da ideia central. Ao menos há uma figura que pode servir de "vigia" para as meninas, no caso, o suspeito vizinho, David Contant (Rigg Kennedy, que na época assinava Ryan Kennedy) de sobreaviso.

Nas primeiras interações entre ele e Trish, há um certo desconforto, como se Contant fosse um potencial perigo para ele, já que ele parece olhar a moça de modo lascivo em alguns momentos, além de andar sempre à espreita, silencioso, e com hábitos noturnos estranhos.

Na verdade, ele é um sujeito bem-intencionado (ao menos no que aparece em tela), e até cúmplice de Trish, já que releva o fato de que ela e as amigas vão experimentar um tipo de maconha mais forte, a Maui Wowie e ele só pede para que elas utilizem isso com cautela.

Tal situação faz acreditar que talvez toda a questão da matança seja meramente uma bad trip oriunda da Maui Wowie, mas os assassinatos anteriores contradizem essa teoria.

Trish e suas amigas são mostradas jogando basquetebol, e todas elas são horríveis em quadra, impressionantemente, exceção talvez a Diane (Gina Smika Hunter), que é tão boa jogadora que precisa receber da treinadora Jana (Pamela Roylance) a chamada para que ela não monopolize o jogo.

Nesse "rachão" a maioria das personagens é apresentada, mas a câmera foca bastante em uma, especificamente. Ela é Valerie, a personagem de Stille, que mesmo não sendo um primor em domínio, drible e condução de jogo, ao menos consegue pontuar.

Trish imediatamente nota sua presença, e busca ter algum contato com ela, mas Diane trata de xinga-la em alto e bom som, para que ela ouça no vestiário e para que ela se sinta constrangida, dessa forma, Valerie acaba não aceitando o convite para ir a tal festa do pijama que ocorrerá aquela noite.

Depois da despedida, finalmente a ação do vilão começa mostrando alguém se esgueirando pelas frestas, nos arredores do que a lente pega, com o assassino agindo sem ser explícito, primeiro pegando uma moça da companhia elétrica, chamada Mary (Jean Vargas), puxando para uma van branca.

Slumber Party Massacre: uma tentativa de paródia dos filmes de matança

Essa morte é icônica, mesmo que não tenha nada de gráfico nela, e ficou tão reconhecida que foi referenciada por Wes Craven em Pânico 2, na execução de Randy.

O roteiro faz questão de mostrar todos os estudantes como tapados, já que não notam um corpo todo ensanguentado na lixeira enorme que fica na frente do colégio, e que ainda está aberta, escancarada, bastava meramente olhar.

Eles estão tão entorpecidos por suas vaidades e por seus desejos incontidos de se entregar aos prazeres carnais comuns a toda humanidade.

A violência segue, com ele alcançando uma jogadora, que fica trancada no ginásio da escola e que é perfurada pela broca elétrica de uma maneira que demonstra a ideia de utilizar a arma de Thorn como um símbolo fálico.

Holden estreava na direção, anos depois faria Cinderela às Avessas (1987) e ficaria mais conhecida por seus trabalhos textuais na comédia Beethoven: O Magnífico (1992), no suspense Proposta Indecente (1993), além de ter participado da criação a série The Resident, que está no ar desde 2018.

Rita Mae Brown também era uma iniciante. Depois desse ainda fez a minissérie O Mercador de Almas (1985), o telefilme Como Agarrar um Magnata (1990) e um roteiro de Contos da Cripta em 1992.

Como boa parte dos clássicos do horror, esse também é cercado de lendas. Uma delas dá conta de que a diretora teria convencido Corman a financiar o projeto, depois de filmar os primeiros 15 minutos do filme, que inclusive, estão no corte final.

Ela teve seu orçamento aprovado, e nesse interim, teria abandonado a carreira de edição para dirigir esse, inclusive, estaria escalada para montar ET: O Extraterrestre de Steven Spielberg mas abriu mão do trabalho para estar no comando dessa produção.

A ideia de perverter convenções segue viva durante o filme, uma vez que mesmo após mostrar assassinatos, o filme institui alguns sustos falsos, que normalmente ocorrem antes da violência verdadeira começar e não após as mortes.

Alguns momentos não fazem sentido e demonstram que faltou um trabalho maior de continuísmo, já que quando uma moça usa uma furadeira na porta da professora Jana, do outro lado já havia um olho mágico instalado. Isso se explica pelo orçamento baixo dele, estimado em modestos 250 mil dólares

Não há muita cerimônia ou razão para os ataques, o sujeito interpretado por Villella simplesmente vai atrás das meninas, munido de sua arma peculiar. Quando chega age de formas diversas, algumas vezes é sanguinolento, em outras faz tudo em silêncio, o que coincide é que ele sempre acerta seus pontos.

A fórmula de fazer filmes quase sem custos e que rendiam boas bilheterias obviamente fez com que essa se tornasse uma franquia. Houvera duas sequências, Slumber Party Massacre II em 1987 e Slumber Party Massacre III de 1990, ambos dirigidos por mulheres.

Houve também uma outra trilogia, no caso, a saga Sorority House Massacre, com Mansão da Morte (1986) que seguiu a tradição de diretoras com Carol Frank no comando. Depois dele houveram continuações em Frenzy Night: Quando o Sonho Vira Pesadelo (1990) e Torre do Medo (1990). Outros filmes da série Massacre incluem a duologia: Cheerleader Massacre (2003) e Cheerleader Massacre 2 (2011), o primeiro filmado como Slumber Party Massacre 4 antes de ser renomeado durante a pós-produção. A maioria desses foi feito pelo mesmo diretor Jim Wynorski, exceção do último, que foi de Brad Rushing.

Estão na festa Trish, Diane, Kimberly (Debra Deliso) e Jackie (Andree Honore) e todas elas fogem do estereotipo de meninas recatadas e conservadoras. Elas são esportistas, tem interesse em estatísticas e nos boletins sérios sobre desportos. Até nas cenas em que se exibem, elas basicamente o fazem para capturar a atenção dos meninos, imaturos e capazes de cair em qualquer ardil.

Slumber Party Massacre: uma tentativa de paródia dos filmes de matança

A mais nova delas, a irmã caçula de Valerie Courtiney (Jennifer Meyers) já se interessa por homens, inclusive lê uma Playgirl com o Sylvester Stallone na capa. Ela protagoniza uma piada suja, dizendo que está fazendo um dever de biologia, enquanto está trancada no quarto, vendo a sua revista.

Apesar das cenas de nudez feminina, são os meninos são objetificados de certa aqui. Nenhum tem o mínimo de aprofundamento e mesmo que eles não apareçam nus como as meninas, só servem para satisfazer os fetiches delas, já que estão lá como bibelôs das vontades de sedução das quatro amigas na festa do pijama. Eles inclusive morrem antes das suas respectivas contrapartes femininas, se eles são um par morre primeiro ele e depois ela.

Outra inversão considerável é que Diane é a pessoa que escolhe ficar com o rapaz mais popular do colégio, no caso, o zagueiro do time de futebol que é promissor o suficiente para talvez se tornar jogador profissional. Normalmente, em filmes do colegial, são os rapazes que escolhem futilmente com quem ficam, aqui não.

O rompimento com os chavões segue no momento em que alguém coloca uma boneca deformada e queimada na janela, que vem a ser a Barbie que Trish jogou fora no início. Até se pensa que talvez o autor da pegadinha tenha sido um dos meninos, mas eles sequer têm ciência disso. Resta apenas Thorn como suspeito, e seja lá o que tenha ocorrido no passado dele, há problemas não resolvidos com mulheres, pois além de desejar matar as moças, ele ainda quer torturar cada uma delas.

O elenco é qualquer nota, alguns são bem mais velhos do que tentam aparentar, especialmente Courtney, que deveria ter doze anos. O que mais assusta é que mesmo diante de uma morte comprovada pelos olhos dos personagens (no caso, do entregador de comida), nenhum dele parece de fato estar atemorizado. O Cúmulo disso é quando as meninas comem uma pizza em cima do cadáver do entregador.

Slumber Party Massacre: uma tentativa de paródia dos filmes de matança

O impacto só ocorre quando eles veem pessoas conhecidas mortas, e obviamente que o assassino prepara armadilhas, exibindo corpos para distrair as vítimas, enquanto fatia o distraído.

Os personagens inclusive demoram a perceber fatores óbvios. A piada da eletricista não encontrada pelos meninos e meninas é repetido algumas vezes, com as vítimas sendo espalhadas pelos cenários, sem que ninguém note a chegada do matador.

O gore é comedido e tem um tom crescente, com destaque para o falecimento de Neil. A diretora aproveita o som diegético de um filme que Valerie assiste - Hollywood Boulevard (1976) - variando entre ele e a trilha sonora original de Massacre, enquanto Russ esfaqueia o rapaz em pleno jardim, sem ninguém para impedi-lo.

Pastiche ou não essa é a prova cabal que as figuras paternas e maternas inexistem nesse filme e em todo o cenário do subgênero. Isso também denuncia qual é a premissa do filme, que é basicamente ser algo divertido e desencanado com grandes mensagens, e ele é assim mesmo, assumidamente. Seu caráter bonachão é o principal fator diferencial e quando há elementos para a reflexão, é um lucro.

A batalha final é gritada e desesperada, com Valerie sendo tão ou mais agressiva que o vilão, utilizando maravilhosamente uma machete para ferir o sujeito. A rejeitada se transforma em heroína, e junto as meninas sobreviventes, grita ao ver o vilão morrer.

Slumber Party Massacre não reinventa a roda, mas consegue comedidamente ser um espécime metalinguístico. Vale por seu assassino eficiente e silencioso, pela violência e pela trilha que invade o inconsciente de quem assiste, e também por ter gerado uma boa sequência cinco anos depois.

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