Pânico 2: a volta da matança metalinguistica

Continuações normalmente são extensões desnecessárias de um sucesso do passado, e Pânico 2 é um filme tão mergulhado na ideia de discutir os meandros do cinema de horror que consegue perverter até essa máxima. Boa parte da equipe criativa do original retorna, inclusive Wes Craven, Kevin Williamson e o elenco, e sua história tem um início que acena belamente a cultura pop, aumentando ainda mais o escopo de "filme dentro filme", mostrando a sessão de estreia de Stab, filme baseado na história do primeiro Pânico.

Por mais que esse seja um filme antigo, com mais de vinte anos de sua estreia, é bom lembrar que a análise falará de parte dos seus plots e eventos.

Os primeiros momentos servem como epílogo, em uma sequência trágica, que mostra os personagens de Jada Pinkett Smith e Omar Epps sendo assassinados no meio do cinema, primeiro aludindo a problemática representação de pretos no cinema, para depois criticar a ideia de sociedade do espetáculo, utilizando um novo (ou novos) assassinos com a máscara de Ghostface, acompanhado claro pela voz de Roger Jackson.

Lançado apenas um ano depois do primeiro, a sequência recoloca seus personagens sobreviventes no foco do picadeiro e palco, utilizando os clichês teatrais como cenário e desculpa para inserir os heróis novamente na jornada.

A base do drama não é mais Wedsbooro, e sim a universidade onde Sidney Prescott (Neve Campbell) e Randy (Jamie Kennedy) estudam, com a moça fazendo um curso de teatro e o rapaz tendo aulas teóricas sobre cinema. As artes cênicas pareciam ser o destino de ambos, e até combina o destino de Sid com o passado da sua mãe, aludido somente em Pânico 3.

O restante do elenco sobrevivente retorna com Gale Weather (Courteney Cox) colhendo os louros do seu livro a respeito da matança do final do filme um. O Dewey de David Arquette também marca presença, indo ao campus avisar seus amigos que há Ghostface "retornou", e vai até eles para basicamente se certificar que eles estão bem.

A surpresa por parte dos personagens certamente é o "retorno" de Cotton Weary. O personagem de Liev Schreiber havia sido brevemente mencionado como o provável culpado da morte Maureen Prescott, a mãe de Sidney.

Todo o seu drama gira em torno dele tentando conversar com Sidney, que por sua vez, não quer dar publicidade para ele, mesmo que tenha sido ela testemunha chave para sua prisão injusta. Aqui a participação dele é maior, é mais ativo, bem diferente da referência distante dele anteriormente.

Scream 2 (1997) - IMDb

Desse modo, praticamente toda a comunidade de Woodsbooro está reunida, e servem não só de ponto de partida para mais um ciclo de atos violentos, mas também atendem o delírio e desejo dos fãs ardorosos da franquia Pânico, do lado de fora do longa, como também os aficionados por Stab/Punhalada, já que tendo mais mortes, garante-se sequências.

Mesmo com a perda do efeito surpresa do primeiro filme há uma compensação, com um bom número de críticas ao cenário comum de filmes de horror, a exemplo dos comentários ditos pela personagem de Maureen (Pinkett) na parte inicial, a respeito do que se espera de pessoas pretas em filmes de assassino serial.

Outro bom momento são as discussões entre fãs e cinéfilos que ocorrem no grupo de debates das aulas de cinema.

Por mais banais e obvias que pareçam atualmente, as conversas têm seus momentos, envolvendo não só Randy como seus dois novos colegas, Mickey Altieri (Timothy Olyphant) e Cici (Sarah Michelle Gellar), que aliás, é dos mais subestimados personagens, com uma participação breve demais diante de seu potencial. Gellar manda bem, merecia mais tempo de tela.

PÂNICO 2: Rumor do motivo pelo qual Sarah Michelle Gellar foi boicotada - pandlr

Se sobra carisma nessas conversas, sobra banalidade também. Se gasta mais tempo falando sobre trívias e curiosidades sobre sequências e medindo quais continuações deram certo ou não e se demora um pouco em mergulhar no conjunto de regras que abarca os filmes que continuam sagas.

Obviamente que o matador vigia e presta atenção nessa movimentação, punindo que não se apega ao conjunto de regras desse secto cinematográfico.

O mérito maior deste filme é o de mostrar a evolução da final girl. Filmes como A Hora do Pesadelo, Sexta-Feira 13 e mesmo Massacre da Serra Elétrica simplesmente abandonam suas sobreviventes, ou tratam de matá-la na primeira oportunidade e aqui não.

Neve Campbell retorna e sua Sidney parece resoluta, quer tratar o passado como tal, quer seguir em frente mas o destino não lhe reserva isso.

A tentativa de Sidney em estudar teatro é uma boa mostra dessa transformação, ela busca viver outras mulheres, para enfim entender seu lugar no mundo.

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Curiosamente Sidney se instrui no ofício de atriz tal qual sua mãe Maureen tentou no passado, como visto mais à frente, na franquia. Ao chegar ao final desse capítulo, ela percebe que deve sim abraçar sua natureza de sobrevivente, tendo que assassinar para seguir sua existência.

Continuações são conhecidas por aumentar as características positivas e negativas do filme um, e Pânico 2 faz isso com Ghostface. Aqui ele é ainda mais estabanado, mais atrapalhado e tem métodos mais violentos.

Outro aspecto aumentado é sobre a dubiedade de caráter de Gale, que mesmo após se redimir com a heroína, consegue retornar ao papel uma rival de Sidney, já que seu livro ajudou a menina a ser perseguida novamente.

Além disso, a relação da repórter e escritora com Dewey ganha novas camadas, mesmo com a mulher sendo esnobe e cruel sempre que pode. Esses draminhas bobos parecem, e são banais, mas na época estavam em alta e ajudavam a fidelizar o público jovem.

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Outro bom retorno é o de Cotton Weary. Dadas as circunstâncias e o preconceito com ex-presidiários, ele se torna o suspeito ideal, a figura óbvia, e pavimenta o caminho para surpreender (ou meramente tentar isso) nos minutos finais, semelhante em partes ao policial Os Suspeitos de Bryan Singer, obra contemporânea a essa. O papel de Schreiber é bem utilizado, diferente da mera menção em tv que teve na obra de 1996.

Pânico 2 é um trabalho digno, tem vários bons momentos, mas sofre na tentativa de surpreender o espectador com a identidade do matador. Os diálogos seguem ainda mais expositivos, e talvez incomodem o espectador desacostumado com essa estética de terror noventista, mas ainda assim, tem bons tentos, expande bem o universo do primeiro filme e não tem receio de desapegar de alguns personagens.

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