O Babadook e o conto depressivo sobre horror maternal

O Babadook é possivelmente o filme símbolo do que se convencionou chamar de pós-horror. Independente disso o longa de Jennifer Kent narra a história de uma mãe solo que tem que lidar com as agruras que naturalmente vem com a maternidade, agravadas pelo fato do seu filho ter necessidades especiais, ao mesmo tempo em que eles lidam com uma monstruosidade bizarra e inexplicável.

A protagonista Amelia é mostrada como uma mulher cansada, que digeriu mal a perda de seu marido, tentando cuidar de seu filho que nasceu no mesmíssimo dia em que o marido dela e pai dele morreu, justamente quando levava a mesma para o hospital a fim de dar luz ao bebê.

Quem interpreta a mãe é Essie Davis, atriz conhecida por aparições em Matrix Reloaded, Matrix Revolutions e no telefilme de 2006 de Sweeney Todd, normalmente exercia papéis pequenos, de destaque diminuído.

Já em O Babadook ela tem espaço para exercer sua dramaticidade e faz muito bem o papel de uma mulher que tenta se esticar para todos os lados, mas que não consegue cumprir todos os papéis que propõe a si mesma.

Já na primeira cena ela aparece em um momento bizarro, onde cai, despencando na cama em um momento que parece ser um sonho.

Ao acordar ela parece não ter descansado nada. De fato, ela não consegue restabelecer suas forças depois de uma noite, acumulando sempre o cansado dos dias, sem condições de retornar a uma condição de tranquilidade estável.

Ela parece ter algum tipo de distúrbio no sono, fato que ajuda a fortalecer nela e na atmosfera aborda o estado de cansaço extremo.

O Babadook e o conto depressivo sobre horror maternal

O menino, que é sempre chamado pelo diminutivo, Sam é interpretado por Noah Wiseman. O garoto é agitado, hiperativo, parece fazer parte de algum quadro dentro ou do espectro de autismo ou sofre com problemas de concentração.

O quadro clínico não é abordado de maneira explícita em momento nenhum, seja por decisão da mãe ou meramente por falta de tempo de Amelia em levar o menino em um médico especializado.

O que se percebe é que ele tem interesses pontuais e curiosos, gosta de mágica, tem até pôsteres do ilusionista Howard Thurston, um grande mágico britânico. Também é dado que ele tem predileção por armadilhas caseiras, que ele monta eventualmente pela casa e pelo quintal.

Vale dizer que Wiseman está maravilhoso em absolutamente todos os momentos do filme. Ele consegue interpretar bem um garoto problema, com seus rompantes nervosos e extremados em uma medida perfeita para fazer entender que sua mãe tem razões para se sentir mal, mas não de uma forma que fica impossível de não compreender os problemas que ele tem.

Ele é agressivo, violento, bate nas pessoas na escola, chega ao cúmulo até de agredir sua priminha.

É dado que a ausência paterna pesa contra ele, uma vez que ele não tem um exemplo mínimo de masculinidade. Também atrapalha o isolamento da família, por não conviver com muita gente e por mudar sempre de escola, sua condição piora, fomentando assim sua agressividade.

O Babadook e o conto depressivo sobre horror maternal

Sam não é mal, é um garoto complicado, mas não em uma situação irreversível. Ao menos é o que sua mãe acredita.

As questões dele são problemas que parecem ter a ver com ansiedade, possivelmente hiperatividade, com falta de correção e com uma canalização da raiva bem mal orquestrada.

Considerando que Amelia não tem tempo, trabalha muito na função enfermagem, é natural que ele queira chamar a atenção. Como ela não pode contar com ninguém e é arredia a nova aproximações, o quadro só piora. Curiosamente há uma vizinha que parece gostar do menino.

Trata-se de Roach, personagem de Barbara West, uma senhorinha já idosa, que parece simpática e quer cuidar do menino Samuel, mas Amelia é bem receosa de permitir que ele fique com a vizinha, não só porque ele é trabalhoso, mas também por um instinto de proteção exacerbado.

O filme foi rodado em Adelaide e Glenside, no sul da Austrália. Seus cenários não lembram necessariamente o país, são muito universais e dada a naturalidade com que algumas problemáticas são abordadas, essa história poderia ser executada em qualquer zona urbana do mundo.

Ao exigir atenção quase o tempo inteiro, Sam provoca em sua mãe uma sensação de ausência de paz, mesmo na hora do descanso e alívio. Uma das cenas mais constrangedoras é quando ela está se preparando para se entreter com um vibrador. O som está baixo, ela se movimenta para conseguir seu orgasmo e de repente o menino invade o quarto, reclamando que um monstro, está se aproximando.

Sam conheceu o personagem em um livro infantil, chamado Mister Babadook. A mãe faz todo o modus operandi comum a um pai cuidando os medos do filho, inclusive olha embaixo da cama dele, para verificar que não há monstro algum.

O Babadook e o conto depressivo sobre horror maternal

Não se sabe no início se as reclamações dele são de fato inspirados em algo real. Fato é que há sinais estranhos pela casa, que aparentam ser fruto de armações do menino de início, afinal, ele sabe fazer armadilhas, mas vão crescendo em vulto e agressividade, demonstrando que ou ele é muito bom e rápido em seu intento, ou de fato há uma interferência ali.

Sabiamente a diretora consegue instaurar um clima dúbio, uma atmosfera diferenciada, que faz crer que qualquer das possibilidades é plausível.

Os sinais estranhos começam com rabiscos inofensivos em fotos antigas, depois aparecem cacos de vidro no mingau que a mãe come. Apesar de acreditar que aquelas era travessuras, o fato de Sam reiterar que é culpa do Babadook causa desconfiança nela.

A paranoia é fortificada pela sensação de cansaço que é crescente na rotina da protagonista. Com o decorrer da trama, Amelia decide rasgar o tal livro e finalmente o visual do monstrinho é exibido em tela.

Seu aspecto é lúdico, simples, porém assustador. Estando a criança mentindo ou falando a verdade, fato é que o ser desenhado não deveria estampar material infanto-juvenil.

O Babadook e o conto depressivo sobre horror maternal

Mesmo que a perda familiar tenha sido há quase sete anos, mãe e filho têm dificuldades de conviver com essa ausência. Ainda assim, Sam ainda tem uma melhor digestão da morte de seu pai, tanto que ele verbaliza que ele se foi. Amelia não, parece ficar em estado de negação eterno, fato que aumentar o poderio da criatura.

Outro fator que aumenta a força do monstro é o nervosismo, que só piora graças a troca de gestos violentos entre criança e tutora. Os dois se agridem, em alguns momentos passam do limite das brincadeiras ríspidas e passam a machucar, sobretudo Samuel, que agride e machuca Amelia.

O público naturalmente acompanharia o lado da mãe e pensaria como uma vítima, mas ao analisar o filme depois de saber o final pode ser que ela já estivesse agindo como alguém agressivo antes do filme materializar a possessão que Babadook faz com Amelia.

É perceptível que a brecha que ela dá a entidade se dá graças a solidão que ela sente.

Ninguém é por ela, ela não tem auxílio, não há parentes ou pessoas que possam cuidar do menino enquanto ela descansa e os que estão lá, como sua irmã Claire (Hayley McElhinney) não ajudam ela em nada. A contribuição que a irmã dá é tão somente a de julgar.

Ela condena demais Amelia e Sam, não consegue se colocar no lugar deles e ainda desdenha da reação ruim ao luto dos dois.

O livro retorna, remendado colado e com mais imagens que pulam das páginas, com referências a mortes, facadas e suicídios. Tal qual era com o Naturon Demonto ou Necronomicon da saga Evil Dead, esse também retorna.

O Babadook e o conto depressivo sobre horror maternal

Por mais que esse seja um filme normalmente associado a terror psicólogo há uns momentos indiscutivelmente nojentos, como uma pequena infestação de baratas que Amelia encontra atrás da geladeira. Aparentemente só ela vê aquilo, fato que reforça a ideia de que ela está adentrando um campo de paranoia.

Por volta de 50 minutos, a mãe enxerga uma criatura na penumbra, que tem um aspecto parecido com o homem de cartola que povoa o livro do seu filme, mas com alguns exageros adicionados.

O visual do monstro em "posição de ataque", utiliza em alguns momentos em stop motion. Ele é feio, porém efetivo, remete a medos infantis.

Essa versão é uma clara referência a London After Midnight, filme de 1927 cujo status atual é perdido. O filme é da Universal, e era feito por Lon Chaney, o ator das mil faces. A caracterização de Chaney é de fato muito parecida com a figura parecida com Babadook, como se enxerga nas poucas imagens que restaram do filme.

O Babadook e o conto depressivo sobre horror maternal

O trabalho com luz e sombra é um baita acerto do diretor de fotografia Radek Ladczuk. Isso favorece não só a criatura em suas diversas manifestações, como dá ao escuro um clima de desconhecido bizarro.

Kent está bastante inspirada, sobretudo nos momentos de pesadelos, mostrando a mãe tenho sonhos com filmes mudos, de George Méliès. O senhor Babadook parece retirado desses filmes, um ser de instinto maligno e visual espalhafatoso e quase teatral.

A mãe passa por etapas de desprendimento sentimental que resultam no final em um estágio agressivo e violento. Fica a dúvida se ela está agindo desse jeito graças a ser possuída ou meramente por ter enlouquecido.

Ela bate o carro, anda com facas grandes pela casa, agride o cão Bugsy. Como a agressividade parece ter passado de filho para mãe a teoria que se solidifica é que Babadook se apossou primeiro de Sam e depois de Amelia.

Kent constrói um terror desesperador, com poucos diálogos e sons guturais e graves. Em alguns pontos parece que animais atacam. Os sons que a mãe faz são quase selvagens.

As cenas de possessão fogem do comum, que são as imitações de O Exorcista. Se troca a nojeira gosmenta por um gore de automutilação, que beira o horror corporal. Já Sam mostra uma capacidade de reação grande. Em autodefesa ele machuca a mãe, prepara armadilhas, mas nem sendo esfaqueada, baqueada e amarrada ela para.

Amelia só retorna e consegue vencer depois que muda sua mentalidade e tática. Para o final, fica a metáfora para um mal irremediável, que volta mais forte se for ignorado. Claramente essa é uma referência a depressão.

A família termina "bem", comemorando finalmente o aniversário da criança, com Sam fazendo mágicas e com Amelia alimentando o monstro no porão, com uma tigela de minhocas e terra.

A superação reside na percepção de que ela é capaz, de que é suficiente mesmo que não seja uma chefe de família perfeita. Amelia amadurece, confia mais em si e nos outros e fica mais evidente essa correção na cena com os assistentes sociais, onde Sam fala o que não devia e ela calmamente diz que ele é igual ao pai - referenciando que ela aceitou as características do filho e lida bem com o luto, visto que fala abertamente sobre sua perda.

Ela chegando ao ponto de alimentar e acalmar o monstro também reflete esse estado de espírito, que resulta na encarnação do sentimento depressivo incurável, mas que pode ser tratado.

Outra boa sacada é quando ela percebe que não pode e não quer ser igual a sua irmã. Ela renega o papel da "soccer mom", se aceita como alguém cuidadora, mas diferente. Ela não tem a personalidade de se anular completamente pelos filhos, sendo assim alguém real, o oposto de Claire, e não tem vergonha de assumir que sofre, que tem dificuldades comuns. Ela é humanizada, especialmente por se preocupar de verdade com os outros, tanto que finalmente dá abertura até para sua vizinha, que eventualmente cuida do menino.

O Babadook é sobre muitas coisas e entre seus bons pontos há a discussão sobre o luto mal digerido, sobre culpa familiar e principalmente sobre como a paranoia pode destruir a unidade familiar. Seu roteiro mostra como a aceitação é um bom remédio para lidar com questões de horror mental e a sua maneira, tem um final feliz, com a família aceitando sua sina, preparando inclusive seu futuro.

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