O gênero do horror é pródigo em estabelecer franquias e continuações. Normalmente quando um filme faz sucesso, vem logo uma continuação, quando não se promete (no mínimo) uma trilogia, basta que haja uma bilheteria minimamente positiva para que logo cheguem continuações, afinal, as produções são mais baratas que em outros gêneros e para isso, a narrativa se vale da mesma fórmula do original, mas com outros exageros, e o recente Terrifier não foi diferente.
A condução mais uma vez fica a cargo de Damien Leone, o diretor, idealizador, montador e supervisor de efeitos especiais do projeto. Terrifier 2 é simples, focado mais uma vez nos atos malvados do palhaço Art, outra vez financiado com um valor pequeno e arrecadado em uma campanha de crowdfunding, tal qual o primeiro filme, e se inicia com uma "ressurreição" de seu vilã/personagem central.
Não tem muito como falar do filme sem spoiler, o aviso está dado.
A gênese da história é no necrotério do final do primeiro Terrifier, onde Art se levanta dos mortos, sem muita explicação, tal qual foi plantado no desfecho do outro filme.
Para ficar claro, colocamos a palavra ressurreição entre aspas porque claramente Art retornou no outro filme, não nesse. Ou essa possibilidade ocorreu - fato que prova de antemão que ele é uma entidade ou tem ligação com o sobrenatural e metafísico ao ponto de retornar dos mortos sem cerimônia - ou ele simplesmente não morreu e foi dado como falecido erroneamente.
Os indícios apontam para a possibilidade de ligação com o espiritual, embora não haja explicação ou algo que o valha. O fato é que Art não parece surpreso em ter voltado, mas se impressiona com o buraco do tiro que levou na cabeça e com o fato de ter perdido um olho.
O gore que antes foi guardado para o desenrolar mais amplo da história se dá já no início, com o Palhaço arrancando um olho do legista, para tentar substituir o órgão que lhe falta. Ele não tem motivo aparente para fazer isso, tampouco tem sucesso, possivelmente era um testem já que em suas próximas aparições ele está com dois olhos, possivelmente um deles é de vidro, mas nem isso fica comprovado.
Os efeitos práticos são bastante críveis e ajudam a fomentar o tom agressivo que a obra carrega. Houve uma clara evolução tanto do grafismo em membros falsos e partes tiradas do corpo, como na exploração da violência. A exposição da agressividade é consideravelmente mais explícita.
Leone parece querer expandir seus clichês, e apresenta aqui uma misteriosa personagem, creditada como the little pale girl, interpretada por Amelie McLain. Ela é uma versão infantil e feminina de Art, mas não fica claro se ela é real, se é fruto da imaginação insana do assassino, já que algumas vítimas as veem, outras assistem Art interagindo com o vácuo enquanto brinca de adoleta com ela.
Boa parte das equipe de produção que trabalhou no outro longa, volta para essa sequência. O mesmo David Howard Thornton faz Art, o compositor Paul Wiley também segue seu bom trabalho e ajuda a pontuar o suspense, além do diretor de fotografia George Steuber, que ajuda a dar identidade ao filme.
Entre membros novos, destaca-se a design de produção Olga Turka, cujo trabalho é exigido já que há muitos elementos visualmente curiosos, sobretudo no parque de diversões próximo do final do filme, além de livre uso de animatrônicos.
Outro bom trabalho é do responsável por cabelos e maquiagens Jackie Hughes, que acerta nas figuras dos palhaços assassinos e nas vítimas paramentadas para o dia das bruxas.
Um aviso é dado, de que se passou um ano, e a nova trama é baseada em um núcleo familiar, onde mãe Barbara (Sarah Voigt), e a filha mais velha Sienna (Lauren LaVera) discutem sobre os hábitos do irmão caçula Jonathan (Elliot Fullam), que por sua vez é bastante interessado em temas macabros, com um histórico de buscas na internet relacionado a pesquisas a assassinos em série.
O garoto possui uma roupa preto e branco, idêntica a do palhaço e planeja correr na noite das gostosuras e travessuras trajado como a lenda urbana do palhaço de Miles County.
Aparentemente há alguma ligação emocional entre Art e os membros dessa família, já que ele invade os sonhos e o imaginário dos membros da família.
O foco da narrativa é Sienna, a filha mais velha, que é uma moça bonita e inteligente, tratada pelo texto como alguém com problemas familiares passados, graças ao fato de ser órfã muito cedo.
Ela parece ter alguma sensibilidade com o espiritual, tanto que tem sonhos reveladores e em um deles, ela vê uma espécie de programa infantil, protagonizado por Art, chamado Clown Café, especial esse que possui até marcas de cereais infantis patrocinando o programa, ligados ao palhacinho matador.
O suposto matinal infantil para televisão obviamente termina de maneira bem violenta, em uma sequência onde se assiste muita nojeira, com insetos e uma chacina onde o vilão usa uma metralhadora Tommy Gun e um lança chamas que bizarramente, invade a realidade após Sienna acordar, já que sonho havia momentos pirotécnicos e seu quarto pega fogo.
Jonathan também vê Art, e a primeira pessoa a ver a palhaça garotinha. A questão se agrava por ele enxergar a dupla na escola, brincando com o cadáver e vísceras de um gambá.
Não fica claro se aquilo ocorreu fisicamente, ou se foi uma ilusão. Art varia bem entre a figura fisicamente aterradora e o ser espiritual intangível, fora que ele é uma figura popular, então boa parte das pessoas se disfarça dele nas festividades de outubro.
O problema maior do filme é o roteiro, já que as ações de Art ocorrem segundo uma incômoda conveniência.
Não fica claro se ele é um assassino mortal e que deu sorte, se é um ser espiritual sádico, se é fruto da imaginação das pessoas da família que se matam entre si como se estivessem possuídos.
Ele simplesmente aparece nos arredores dos personagens, em meio aos preparativos do dia das bruxas, como se fosse uma entidade da data.
A explicação lógica para a multiplicação dele é que as pessoas querem se vestir como o palhaço, mas a lógica para o espectador é diferente, uma vez que o ponto de vista do público é diferenciado e enviesado para a figura que assassina sem dó, focada demais no verdadeiro Art.
Não há nenhuma pessoa fantasiada que aparece em primeiro plano, quiçá em segundo.
Por outro lado, o texto surpreende na construção do personagem, uma vez que o personagem de Thornton se dá ao trabalho de se maquiar bem, mas tem pouco apreço com os seus acessórios, reunindo os doces de porta em porta em um saco de lixo preto, grande, (fato que é um engodo, já que ele guarda arma e não guloseimas), ele é simples, sujo e direto.
O filme é um pretexto para mortes criativas, e a de Allie (Casey Hartnett) é absurda, repleta de cortes de tesoura, pela face, olhos, também pelas costas, terminando com um escalpo.
Leone parece saber que seus personagens são vazios, tanto que revelações importantes do passado da família, como o suicídio do pai, são dadas de maneira desimportante, por uma amiga de Sienna, que morre de maneira igualmente agressiva, e logo depois de transar, pontuando o clichê de filme slasher.
É curioso também que Sienna quer homenagear o pai, costurando uma fantasia de halloween baseada em um desenho dele. O parente tencionou vestir uma guerreira amazona estilo Xena: A Princesa Guerreira, cuja configuração possui um decote mega revelador.
O pai poderia ser um fã dos gibis Heavy Metal e Metal Hurlant, mas sinceramente, é bem pouco provável que ele desejaria que sua filha, em idade colegial, vestisse algo que exibe tanta intimidade, especialmente quando ela é supostamente uma "adolescente de 30 anos”, como é bem típico de filmes de horror tão explícitos.
O roteiro não inova, não traz nada novo, somente novas mortes, algumas não tão inspiradas quanto no primeiro longa. Talvez a solução melhor para Leone fosse fazer uma minissérie, de curtas, possivelmente em antologia como foi com All Hallows Eve, onde o conteúdo é meramente Art causando o mal as suas vítimas.
Outra possibilidade seria chamar um roteirista mais gabaritado, para dar mais importância aos personagens secundários, para que não fossem apenas corpos bonitos se exibindo para a câmera de maneira exibicionista.
Diferente do primeiro aqui todos são descartáveis, o máximo de carisma visto é em Sienna, que basicamente só causa espécie por ser extremamente bela em tela.
Só a violência extrema funciona, e quando o filme tenta fazer alegorias e comentários sobre a psique da protagonista e falha miseravelmente, por não conseguir lidar bem com o caráter lúdico e dúbio das cenas, uma vez que não é causado no espectador o interesse em saber se a sequência foi real ou não, já que altura que é apresentada, o público já está bem cansado.
Há uma cena pós crédito, num hospital psiquiátrico de Miles County, com uma sobrevivente do filme anterior, um número grotesco e bizarro, entranhas saindo do meio das pernas dela, que certamente alude a uma terceira parte da saga, e mais uma vez se perverte a lógica.
Para um filme de orçamento ridiculamente pequeno, e que gerou tanto burburinho por ser nojento e ter causado vômito em suas exibições teste, o que se vê é algo bem orquestrado no quesito violência, o problema é que é só isso que ele oferece.
Terrifier 2 quase engana, pois aparenta que expandirá a mitologia, utilizando um cenário bem legal de parque de diversões, mas ao final a mudança é meramente cosmética, uma pequena variação do clichê de Art, que certamente retornará, a saber se em textos mais maduros ou que se assumam mais como uma comédia de consequências sangrentas, que certamente seria mais exitosa que essa parte 2.
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