A Noite dos Mortos-Vivos : O primeiro e mais marcante filme sobre apocalipse zumbi

A Noite dos Mortos-Vivos : O primeiro e mais marcante filme sobre apocalipse zumbiA Noite dos Mortos Vivos é um filme de horror normalmente chamado de clássico, graças ao fato dele ter marcado época e por ter mudado os parâmetros do cinema como um todo. Lançado em 1968, é o debute de George A. Romero na direção de longas e acabou remodelando tudo que se entende atualmente como exploração do tema zumbi e apocalipse dos mortos-vivos.

O longa é conhecido por seu orçamento baixo, por ter tido diversos problemas de produção e por chocar toda a audiência em uma época em que sequer havia classificação indicativa. Não era incomum levar crianças para ver filmes de horror no cinema, mas depois que a obra pensada por Romero e John A. Russo chegou, tudo mudou, muito graças a ela também.

Apesar de ter quebrado paradigmas, é dado que isso ocorreu acidentalmente, já que a gênese do projeto não era tão pretensiosa, era até simples, havia a vontade de fazer um filme barato.

A obra foi feita por uma equipe diminuta, composta por pessoas ainda iniciantes dentro do ofício do cinema, com uma produção tão precária que os responsáveis por fazê-la sequer sabiam que era preciso deixar claro que aquela era uma obra com direitos autorais a serem utilizados apenas pelos próprio.

O filme acabou mudando de nome várias vezes na ilha de edição e em uma dessas muitas reedições o aviso de propriedade privada foi suprimido, dessa forma o mesmo poderia ser replicado, exibido e comercializado por qualquer pessoa. Com isso, ele acabou caindo em domínio público, fato que explica o número tão elevado de refilmagens, de derivados e produções que usam copiam ou usam como base tanto o nome como a história ou a premissa desse.

A lei referente a esse aviso só deixou de estar em vigor em março de 1989, ou seja, obras anteriores sempre precisavam ter um aviso de direitos autorais.

Idealizado por Romero, o filme conta com roteiro dele e de John Russo. Ambos vinham do mercado publicitário, não tinham experiência com a sétima arte. O mesmo pode-se dizer dos produtores Karl Hardman e Russell Streiner, que inclusive, atuam nesse, como Harry Cooper e Johnny, respectivamente.

O diretor começou a confeccionar o texto e avançou até a metade do mesmo, no entanto foi obrigado a dedicar seu tempo para um trabalho publicitário e acabou deixando Russo para escrever o restante da trama.

Romero resolveu reescrever parte do final, já que achou que faltava alguma coisa, especialmente próximo do final. Para injetar adrenalina, os dois resolveram injetar um último grande ataque dos mortos antes de subirem os créditos. Isso se tornou uma regra básica da exploração de filmes de zumbi, se restar dúvidas quanto a qualidade da história, é só acrescentar um grande ataque de mortos vivos.

A realidade é que esse texto foi se modificando ao longo das filmagens, graças aos contratempos que surgiam. A inexperiência cobrou o seu preço, mas também possibilitou algumas boas surpresas e improvisações bem-vindas.

Apesar da popularização do termo, a palavra zumbi não é utilizada aqui. O termo mais usado para tratar dos mortos que voltaram é “coisas”, “carniças” ou “comedores de carne”, palavras essas que reforçam a ideia de desumanização dos vitimados.

A partir do ponto de contágio, eles deixam de ser homens e mulheres, virando assim objetos, entidades coisificadas, carentes de sentimentos típicos de gente comum.

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Ao longo dos anos Romero citava como fonte de inspiração O Parque Macabro de Herk Harvey, mas é um fato dado que a influência maior é e sempre foi o romance Eu Sou a Lenda, do escritor e roteirista Richard Matheson.

A base de um mundo destruído, melancolicamente dominada por uma variação monstruosa do homem já estava nesse livro. No entanto as comparações entre o longa de 1968 e o livro irritavam um bocado Matheson.

O escritor pisava em ovos na hora de falar da obra de Romero, mas deixava transparecer que a visão do cineasta era particular demais, que tinha algumas semelhanças com o esqueleto de sua obra, mas poucos paralelos narrativos.

Possivelmente essas falas tinham mais a ver com as versões que o romance ganhou nos cinemas, primeiro com a famosa obra Mortos que Matam, de 1964, que tinha Vincent Price em seu elenco, além de A Última Esperança da Terra, veiculada após "A Noite", em 1971, com Charlton Heston.

Ambas versões tratavam dos dominadores do planeta mais como vampiros do que como os zumbis descerebrados. O reducionismo que Matheson acusava tinha a ver com essa burrificação das criaturas também. O autor aparentemente achava que Romero e Russo haviam se apropriado de suas ideias, trazendo uma versão intelectualmente inferior do seu conto, mas sempre foi elegante ao se referir ao clássico e também a carreira do Romero como um todo.

Quando os roteiristas começaram a fazer o texto pensaram sobre qual seria a coisa mais chocante que os mortos fariam ao se levantar, decidiram então colocar antropofagia na trama.

Os zumbis eram em essência canibais, mortos comedores de carne, que andariam pelo cenário em busca de saciar seus instintos primitivos. Outra questão importante, mas que só foi decidida pouco antes de filmar, era a forma como matariam os ressuscitados.

A atriz e maquiadora Marilyn Eastman brincou dizendo que eles poderiam morrer com tortas na cara, fato que se tornou uma inspiração para a cena da luta de tortas na sequência deste filme, Dawn of the Dead: O Despertar dos Mortos.

Isso se tornou via de regra para quase toda a exploração do gênero, sem falar que encaixa bem na explicação levantada de que os mortos retornaram graças à radiação. A causa do retorno deles jamais é dada, nem nesse e nem em nenhum filme da série Dead de George A. Romero, mas como esse embrião levanta a possibilidade de radiação espacial, a explicação é plausível.

Obviamente que optaram por utilizar um tiro na cabeça, fato que codificou o maior tropo sobre zumbis, junto a infecção via mordida. Acertando o cérebro, se mata as funções reavivadas do morto. Em determinado ponto da trama, os personagens percebem que acertar a cabeça impossibilita os mortos, faz eles caírem de novo.

Essas características são usadas até hoje nas diversas obras do gênero, até nos jogos Resident Evil, nos quadrinhos The Walking Dead e nas centenas de filmes, séries e livros posteriores a 1968.

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Romero dispunha de um orçamento pequeno, sua verba era diminuta e para realizar o filme utilizou o trabalho de atores para colaborar com efeitos de maquiagem. Essa foi uma produção independente, do estúdio Image Ten.

A distribuição foi outra questão polêmica. A Columbia Pictures quase fez o trabalho, mas recuou quando soube que o filme seria em preto e branco. Curiosamente, o estúdio distribuiu o remake A Noite dos Mortos-Vivos de Tom Savini em 1990. A distribuição nos Estados Unidos ficou então com a Continental Distributing.

Houve um aporte de dinheiro depois que as filmagens começaram e o dinheiro entrou basicamente para melhorar os equipamentos e possivelmente para poder utilizar uma fotografia colorida, mas Romero, que foi o cinematógrafo não creditado, decidiu seguir seu plano, já que os figurinos e o restante do material de arte não eram feitos para o registro em cores.

Além disso, Romero teria que mudar a forma de rodar, já que foi feito em 35 milímetros. Os efeitos teriam que ser modificados, gerariam mais custos.

Mesmo mantendo os seus desejos, o diretor reclamou de influências externas. Ele afirmou que a ideia é que o filme teria dez minutos acrescidos, mas a distribuidora o pressionou para reduzir a duração.

Diretor, roteirista e demais produtores quase não receberam verba de bilheteria, mesmo que ele tenha sido um grande sucesso da época dos drive-ins. Devido ao seu desconhecimento sobre os negócios na hora de fazer o contrato, a Continental e seus mandatários ficaram com praticamente todos os lucros.

O filme quase se chamou Noite de Anúbis, em atenção ao deus da mumificação na mitologia egípcia, mas o termo foi descartado por conta de as pessoas não terem essa referência. Também se pensou Monster Flick e em Night of the Flesh Eaters, mas quando o copião foi entregue aos cinemas, foi lembrado que já havia um filme de 1964, chamado The Flesh Eaters.

Como dito antes, quando mudaram o nome para Night of the Living Dead a cartela foi mudada pouco antes da exibição e acabou ficando embaçada a marca d'água dos direitos autorais.

Outra questão pontual é que a classificação da MPAA foi implementada graças a esse filme, já que havia nele algumas cenas gráficas, de pessoas comendo carne humana - obviamente feita com carne bovina e órgãos de bois, vindos de um açougue que ajudou a financiar o orçamento - e não tinha qualquer restrição de idade ou algo que o valha.

O crítico Roger Ebert comentou na época, que se preocupava com as crianças, que poderiam se traumatizar e pudera, de fato haviam muitas cenas gráficas, de pessoas comendo carne. Mesmo que fosse carne bovina, na forma como foi filmada, parecia mesmo carne humana.

Um dos pontos importantes tanto na obra quanto na mitologia em torno dos mortos, é a forma de se movimentar que os zumbis faziam. O primeiro deles foi feito por S. William Hinzman, que assinava Bill Hinzman na época.

Ele interpretou o primeiro morto que anda a aparecer em tela e acabou ajudando a formar o ideal de comportamento dos zumbis. Curiosamente ele corria e ia de maneira agressiva para cima dos personagens vivos, fato que entraria em contradição na exploração dos zumbis na cultura pop. Até pouco antes de sua morte, Romero defendia que zumbis não corriam, mesmo que Hinzman fizesse isso.

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Bill baseou seu passo característico em um filme com Boris Karloff, cujo título ele não conseguia lembrar. Provavelmente era O Morto Ambulante, de 1936, que trazia o ator clássico fazendo um homem que ressuscitou dos mortos e caminha com um passeio desajeitado característico. Vale lembrar que Zumbi Branco, de 1932, também era protagonizado pelo mesmo ator.

Hinzman acabou depois se tornando diretor de cinema. Em 1986 fez Retratos da Morte, já em 1988 fez FleshEater. Ele participou do filme graças a dificuldade de contratar pessoas. Ele era um dos investidores do longa, assim como Karl Hardman, que interpretou o pai da família de personagens que seria apresentada durante a trama,

Hardman também ajudou como maquiador dos mortos, fazendo essa função junto a já citada Marilyn Eastman, que interpretou a esposa de seu personagem. Ele também foi engenheiro de efeitos sonoros e tirou as fotos usadas nos créditos finais. Outro investidor forneceu sangue e vísceras, já que trabalhava em um açougue.

Até a polícia de Pittsburgh ajudou a produção, fornecendo pessoal e equipamentos, acreditando no fato de que o filme sendo toda rodado na Pensilvânia, traria uma boa notoriedade para o local – de certa forma, trouxe. As filmagens duraram 30 dias, entre Evans City Pittsburgh, Carson Street, Cranberry Township, Butler Country e Zelienople

Romero escolheu o cemitério de Evans para a primeira cena devido à sua localização isolada, já que a equipe não queria ser interrompida por curiosos ou policiais perguntando sobre o que faziam.

O lugar era no topo de uma colina numa área densamente arborizada e se tornou uma atração turística graças ao filme, ironicamente se transformando no exato oposto do ideal que o cineasta pensou para o local.

Já a casa que serviu de cenário para a maior parte do longa em Zelionople era da avó de Tim Hornish, um amigo de gente da produção. A residência foi emprestada aos cineastas pouco antes de ser demolida. Romero até brincou que faria isso pelo proprietário, gravando a destruição no final.

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Quando a produção chegou teve que limpar tudo, já que o lugar estava imundo. A casa não tinha um porão, mas tinha uma adega, sem escada. Os trechos de gente descendo foram feitas no estúdio de montagem do filme, no centro de Pittsburgh.

Com o aporte financeiro posterior, a equipe de produção conseguiu enfim contratar figurantes, mais de 200, que faziam os habitantes da cidade e os zumbis.

Ainda assim usaram muita gente da produção para aparecer brevemente. Apareceram clientes da agência de publicidade que Russo e Romero tinham participação, engrossando o exército de mortos, Russo fez uma ponta, Eastman também interpretou uma morta-viva praticamente irreconhecível se comparada a sua Helen Cooper.

Os efeitos especiais foram feitos de maneira bastante artesanal. Foi usada muita massa falsa – as populares silly puttys - e outras técnicas básicas de efeitos, mas a maioria das partes do corpo que os "zumbis" comem eram órgãos internos e ossos reais de animais.

Cenas de ataque a humanos mostravam os figurantes comendo presunto assado coberto com calda de chocolate, combinação tão enjoativa que os produtores brincavam que era quase uma perda de tempo maquiar os zumbis, pois eles acabavam parecendo pálidos e doentes de tanto nojo.

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O sangue foi feito com xarope de chocolate Bosco, tal qual em Psicose. Já o corpo no andar de cima da casa foi confeccionado pelo diretor George A. Romero, que usou bolas de pingue-pongue no lugar dos olhos.

Tom Savini faria os efeitos deste filme. Ele havia sido apresentado ao diretor pouco antes, quando fez teste para atuar em um filme publicitário do cineasta. Nessa ocasião, o acrobata e maquiador trouxe seu portfólio de maquiagem para o teste, mas ele não conseguiu fazer os efeitos porque acabou acompanhando o exército, para servir como fotógrafo de combate no Vietnã.

Foi a partir dessa experiência aliás que o Mago dos Efeitos aperfeiçoou suas técnicas. Depois de ver de perto a sanguinolência real ele conseguiu conceber os momentos agressivos e gráficos visto nos seus futuros filmes. Sem essa viagem, possivelmente obras como Sexta-Feira 13, Chamas da Morte, Creepshow: Arrepio do Medo e tantas outras não teriam o mesmo brilho que tiveram.

Savini ajudou escolher a cor da pele dos zumbis. Ele sugeriu que a pele putrefata fosse cinza, já que o filme não possuiria cor, anos mais tarde, ele disse que foi um erro, porque muitos deles acabaram parecendo azuis no filme.

Ao aplicar maquiagem para os atores que interpretavam zumbis, Eastman procurava encontrar uma característica facial diferente para cada ator, fazendo com que cada um parecesse mais assustador e perturbador de maneira particular.

O zumbi que come um inseto em cima de uma árvore é feito por ela. A cena além de mostrar a qualidade absurda do trabalho de maquiagem, é também uma boa demonstração de como os zumbis não sabem como agir, de como precisam se alimentar de coisas vivas, já que ela come um animal e não carne humana.

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Como os mortos ambulantes estavam em seu "estágio um", é natural que as regras não estivessem tão claras.

Romero afirmava que seu equipamento de captação era muito bom, a despeito do orçamento que tinha. As câmeras usadas permitiram ampla profundidade em cada cena. A pós-produção foi conturbada, já que a equipe teve que converter as imagens para 16 mm antes de editar.

Russo falou pouco tempo depois que eles raramente tinham tempo para filmar a cena mais de uma vez. Ele teve que confiar que Romero estava acertando nos poucos takes que fez, fato que piora quando se sabe que o som foi mixado sem ver a imagem.

A trilha sonora foi quase toda pautada em músicas de domínio público, de uma biblioteca de música da Capitol/EMI Records Hi-Q.

O filme teve vários remakes, mas uma se destacou pelo inusitado. Em 2013 houve uma adaptação teatral, com produção executiva de Romero, Streiner e Russo, que estreou em Toronto. A peça apresentava a história do filme original, seguida de uma série de cenários alternativos.Também houve um musical, Night of the Living Dead! The Musical!, que rodou o circuito off-Broadway em 2019 e desde então tem sido produzido nacionalmente. O álbum conceitual do show ficou entre os 50 melhores na parada de trilha sonora.

O realizador disse em entrevista que no momento que terminaram de editar o filme ele colocou as bobinas em latas, jogaram no porta-malas do carro e dirigiram direto para a cidade de Nova York naquela noite, na esperança de exibi-lo em qualquer cinema que quisesse.

Obviamente isso não ocorreu. A primeira exibição foi no Fulton Theatre em Pittsburgh, Pensilvânia, em 1º de outubro de 1968, sendo aplaudido de pé pelo público presente.

O início da trama é meio deslocada, iniciando com uma música macabra, que ajuda a registrar esse como um estranho caso fantástico do cinema comercial. De longe vem um veículo e em seu passeio enxerga uma placa de cemitério surrada, parece já avisar que algo estranho ocorrerá.

Essa primeira cena se resume a apresentação dos irmãos John/Johnny e Barbara/Barbra e claro, ao ataque inicial ao cemitério. Essa sequência foi na verdade a última cena a ser filmada, em novembro de 1967. Os atores tiveram que prender a respiração para evitar a condensação visível no ar gelado do outono.

Johnny percebe que a rádio voltou ao ar depois de problemas técnicos. Esse é provavelmente o primeiro indício de que algo ruim prestes a acontecer, no caso, o fim do mundo.

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Entre brincadeiras com sua irmã Barbra (Judith O'Dea) e reclamações por conta de ter viajado tanto para colocar flores em um túmulo, ele acaba percebendo a aproximação de um homem estranho, o primeiro morto-vivo do filme.

O sujeito tenta atacar Barbara e Johnny tenta defender a parente, mas acaba se acidentando, ao bater com a cabeça no cimento de uma lápide. George Romero era quem operava a câmera quando o zumbi de Hinzman ataca O'Dea. A cena foi tão intensa que quando a janela quebrou, a pedra quase acertou o diretor.

O carro em que os irmãos viajaram pertencia à mãe de Streiner, que usou o carro para suas necessidades pessoais durante as filmagens. A certa altura, ela acidentalmente amassou o veículo e a equipe teve que descrever esse dano no roteiro. O momento em que Barbra bate o carro em uma árvore para fugir do primeiro zumbi foi escrito por conta disso.

Uma das ideias originais do roteiro previa que Bárbara fosse uma personagem forte e carismática, em vez disso, Romero e os produtores preferiram a interpretação de O'Dea como uma moça aterrorizada, calada e quase catatônica, tanto que editaram o roteiro para acomodar esse papel. Essa versão “primária” foi a base para o papel de Patrícia Tallman em A Noite dos Mortos-Vivos de 1990.

Judith O'Dea não gostava de filmes de terror, tinha muito medo, desde o momento em que assistiu Museu de Cera, filme de 1953 com Vincent Price. Ela se surpreendeu com o nível de penetração que "A Noite" teve na cultura popular.

Essa sequência inicial termina tensa, com a menina sendo pintada como alguém praticamente indefeso, em choque, tanto que ela entre no carro sem chaves, só para destravar o freio de mão e bater com ele em um tronco. Ela corre, foge desesperada, vai andando até perceber uma casa no meio de uma fazenda, onde há uma bomba de gasolina

Esse cenário certamente seria um lugar onde a hecatombe zumbi seria menos prejudicial, já que em uma cidade pequena e isolada não haveria tanta gente assim para se contaminar.

Na casa ocorrem sustos falsos, primeiro com cabeças de animais, penduradas na parede, que não representam qualquer perigo, mas servem no mesmo intuito que os jumpscares servem no cinema atual.

Logo chega Ben, um homem alto, negro e forte, que aparece de repente. Ele chega de carro, com um farol alto, tão claro que faz Barbara se assustar ainda mais, agindo assim como alguém sem ação. O personagem de Duane Jones tenta conversar com ela, mas a moça diz coisas desconexas.

O apocalipse mexeu com ela, o choque certamente se deu pelo fato de ter encontrado um corpo morto na parte de cima da casa. Isso assusta até Ben.

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Jones era um ator de teatro, era desconhecido quando foi escalado para o papel principal. O seu personagem foi pensado para ser um motorista de caminhão rude, mas engenhoso e caucasiano. O papel quase coube Rudy Ricci, mas optaram por Duane, enquanto o outro interprete fez um morto-vivo.

Como o ator venceu a disputa, boa parte do background mudou, já que ele era um acadêmico erudito. Por insistência dele, Romero reescreveu o papel para se adequar ao que ele achava ser o certo.

Duane Jones admitiu que nunca tinha visto nenhum dos outros filmes de “Dead”, nem O Despertar dos Mortos e nem O Dia dos Mortos. Como ele faleceu em 1988, não teria como assistir Terra dos Mortos, lançado nos anos 2000. Curiosamente, ator e diretor não voltaram a trabalhar juntos.

A atriz Marilyn Eastman disse em entrevista que Jones era um indivíduo melancólico e torturado pelas circunstâncias, sofria com as tensões raciais americanas durante o final dos anos sessenta.

Karl Hardman e Jones acabaram se tornando amigos íntimos, disse que a morte do ator o abalou bastante. Ele muitas vezes ficava emocionado ao falar sobre o interprete de Ben e acreditava que recebeu um tratamento injusto na vida devido às complicações raciais dos Estados Unidos, que contaminavam a indústria do cinema.

Jones expressou preocupação de que o personagem tivesse algumas atitudes de ataques de raiva. A sequência em que Ben bate em Bárbara o deixou nervoso, já que seria um ato de violência de um homem preto com uma pessoa branca. Vale lembrar que o filme foi lançado nos cinemas logo após o assassinato de Martin Luther King Jr.

No entanto, a equipe de produção - predominantemente branca - acharam que manter a cena do tapa era algo "descolado" e optaram por não muda-la. Romero lamentou não ter levado mais em consideração as preocupações do ator, anos depois assumiu que ele estava certo. Falou também que se conversasse com o falecido Jones, perguntaria para ele como ele se sentia em ter estrelado uma obra com status de filme lendário. Para ele, Jones afirmaria "Quem diria?" e riria.

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Ben age rápido, assim que entra na casa tenta limpar a área como dá, age como um sobrevivente, verifica se há suprimentos, se os telefones funcionam, protege as possíveis entradas da casa, selando portas e janelas.

Essa movimentação se tornou algo clichê, um padrão em obras sobre zumbis dali para a frente. Barbara só rompe o silêncio e volta a falar coisas conexas quando Ben desabafa sobre as dificuldades que teve para chegar até ali.

Romero coloca a televisão e o rádio como guia de todas as atitudes dos sobreviventes. Quando os especialistas falam que é para as pessoas ficarem em casa, os sobreviventes fortificam sua base. Fazem o mesmo quando descobrem que fogo pode ferir os ressuscitados, até se atentam para a saúde da filha dos Cooper, só lembrando dessa questão quando falam ali

Muitos estudiosos apontam que os personagens são manipulados pela mídia e essa análise não é de toda errada, especialmente se considerar que a maioria das pessoas nos anos 1960 agiam dessa forma. Pode-se encarar também que essas pessoas estão tão desesperadas de maneira tão grandiosa que qualquer recomendação é tão bem-vinda que vira lei.

Bill Cardille, que interpretou o repórter de televisão, era uma celebridade local da TV de Pittsburgh. Ele apresentava um programa de filmes de terror no Canal 11 e ocasionalmente relatava as notícias. Os nomes das cidades usados ​​​​nas transmissões eram nomes reais de cidades da Pensilvânia.

Romero afirmou que essa citação foi o principal motivo para que colocassem um aviso antes da primeira transmissão do filme na TV, graças ao receio de ocorrer uma confusão por parte do público, como ocorreu com a transmissão de Guerra dos Mundos de Orson Welles.

Em determinado ponto a trama vira uma grande e grave discussão entre ficar no porão ou em cima. Ben quer fortalecer a parte de cima, enquanto Harry Cooper (Hardman) quer ficar no porão, junto com sua esposa e com sua filha que está doente. Essa também seria um tipo de discussão comum em obras pós-apocalípticas, sempre se colocando em questão a alternativa mais conservadora, de reduzir riscos ou de deixar mais opções como o ideal.

Um dos pontos positivos aqui é que todos os personagens parecem falíveis, correm perigo, passam por apuros. Não há imortais ou algo que o valha, não fosse a interferência de Tom (Keith Wayne), os mortos quase pegariam Ben. Esse rapaz acaba preferindo a alternativa do homem negro, resolve deixar os Copper sozinhos, subindo com sua namorada, Judy, da estreante Judith Ridley. A moça ganhou o papel em cima da hora de começar a filmar.

Além desse ser o filme de estreia de Ridley - que estaria em There's Always Vanilla de Romero lançou em 1971 - também foi o de Eastman, que faria Hóspede por Acaso e Santa Claws, o filme de horror trash de John Russo.

O roteiro permitia que os atores falassem de maneira bem livre os seus diálogos. Isso se via especialmente nas conversas e debates que ocorrem nas transmissões do xerife e policiais na Tv. As transmissões da WBTF variam de forma e conteúdo, em certos pontos fala para as pessoas se esconderem, depois mostra uma junta de discussão, de cientistas, políticos e militares que não sabem dizer se foi ou não o satélite cheio de radiação de Vênus o causador desse rebuliço.

De qualquer forma, a correspondente da NASA nesse universo obliterou o corpo celeste, cujos fragmentos podem ter caído na Terra, causando possivelmente isso. Na mitologia de Romero não se determina a causa do contágio, mas abre-se possibilidades, como em Dawn of the Dead, onde personagens abordam o fim do mundo bíblico como o motivo do retorno dos mortos.

Os sobreviventes bolam um plano detalhado, de resgate de uma caminhonete, uso de coquetéis molotov e uma rápida incursão no lado externo, mas que dá muito errado.

O veículo era um Chevy - Chevrolet 3800 Advance-Design 1951 e eles não conseguiram arrumar o caminhão das primeiras cenas. Por sorte encontraram um veículo muito semelhante em Zelienople. Seu proprietário Harold Metz, fez a gentileza de emprestar o caminhão para as novas tomadas.

Algumas atuações foram aquém do esperado, beirando até o constrangimento, especialmente com Keith Wayne, que tenta parecer alguém otimista diante de sua amada. Se explica um pouco desse nervosismo, afinal, o mundo está caindo ao redor dessas pessoas, mas a cena dele motivando ela parece forçada demais.

O nervosismo os sobreviventes era tanto que os que ficam na casa brigam, especialmente depois que a tentativa de fuga com a caminhonete. Judy decide em cima da hora ir atrás do seu par e pede para entrar no veículo.

A partir daí os momentos bizarros se avolumam e as brigas dos humanos chama a atenção dos mortos, especialmente graças aos tiros dados entre eles. Barbara sai da letargia, age para salvar a si e a Ben, mas ela não dura muito, logo depois ela é capturada, para morrer.

Em 2014, Romero escreveu uma história em quadrinhos para a Marvel Comics, chamada Império dos Mortos, que mostra outro destino para a personagem. Barbara sobrevive depois que seu irmão a leva para um celeiro abandonado. Um grupo de caçadores avista os dois e começa a atirar, mas não acertam a menina, somente Johnny, que pulou no caminho das balas, se sacrificando por sua parente, mesmo que não raciocine mais como humano.

No lado de fora os ataques ocorrem de maneira agressiva e desordenada, mas dentro também há momentos assustadores, como quando a menina Karen (Kyra Schon) desperta. Esse é sem sombra de dúvida um dos mais marcantes do filme, visualmente chocante.

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Ela se levanta, obviamente havia sido mordida antes, mas como o tatibitate de zumbis não era conhecido ou estabelecido ela não foi morta depois do contágio. Acaba então matando sua mãe, com um artefato de jardinagem, seguido de gritos estridentes e assustadores. Depois mata seu pai e se alimenta de seus restos mortais. É agressivo, ainda mais por mostrar isso sendo feito por uma criança.

Durante as filmagens da cena final do ataque zumbi, George Romero não informou Duane Jones que Kyra Schon iria sorrateiramente agarrá-lo por trás, o que resultou em uma reação de susto autêntico. Romero repetiu isso com Ken Foree nas filmagens de Dawn of the Dead, quando as crianças zumbis atacam Peter no escritório do aeroporto.

Ben recorre ao plano de Harry no final, se enclausurando no porão, como última alternativa de fuga das coisas que andam. Quase no final, com 91 minutos, chegam helicópteros e gente armada, a mesma milícia paramilitar que apareceu na televisão momentos antes.

Os tiros dados antes dos créditos finais acabaram soando como uma potente crítica social ao racismo da população ocidental, sobretudo a estadunidense.

Apesar de seus mortos não tem uma origem bem definida, a dupla Romero e Russo geram discussões fortes, mesmo que soem sensacionalista em vários pontos.

A obra termina cínica, com o cadáver de Ben sendo levado como uma coisa e não com um cadáver de alguém que lutou tanto e que não sobreviveu graças a ação dessa milícia. O corpo é levado, ateado em uma fogueira, que transforma em cinzas os resquícios de humanidade e a história de cada um dos personagens, logo depois entram os créditos, acompanhados de fotos, que demonstram a barbárie da época.

A Noite dos Mortos-Vivos é um clássico do cinema, pautou todo um segmento do horror e ajudou a estabelecer clichês de sustos, jumpscares e até discussões morais sobre a representação de minorias no cinema. É um libelo que propagou a primeira das boas mensagens de Romero e a saga seguiria assim, discutindo o armamentismo deliberado da população, o consumo desenfreado de recursos naturais por parte da humanidade e irresponsabilidade com a vida e com a Terra.

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