Crítica: Terapia de Risco

terapia de risco posterCom um trabalho que possui seus principais elementos de linguagem, Steven Soderbergh se despede da sétima arte.

Desde o início de sua carreira, no final da década de 80, quando venceu o Festival de Cannes com seu excepcional longa de estreia, Sexo, Mentiras e Videotapes, Steven Soderbergh já impressionava pelo amplo domínio de linguagem cinematográfica e constante versatilidade artística. Seus trabalhos posteriores, Kafka e O Inventor de Ilusões, o colocaram num alto patamar, onde, ainda dentro do seu estilo tipicamente alternativo, conseguiu fazer produções mais ousadas, num mesmo ano, como Erin Brockovich - Uma Mulher de Talento e Traffic: Ninguém Sai Limpo. Sendo ambos indicados ao Oscar de melhor filme e este último lhe rendendo o prêmio de melhor diretor.

Ingressando de vez em Hollywood, comandou o estrelado Onze Homens e um Segredo, que o consolidou como um dos cineastas mais promissores de sua geração. E, apesar de não ter ido bem ao realizar os sofríveis Confissões de uma Garota de Programa e Contágio, conseguiu, novamente, destaque com os recentes A Toda Prova e Magic Mike. Que foram bem elogiados pela crítica e público, fazendo novamente as pazes com os apreciadores de sua arte.

Agora, com cinquenta anos de idade, para surpresa de todos, Soderbergh anuncia sua provável e precoce aposentadoria. Se despedindo nos cinemas (pois, para TV, fez o ainda inédito Behind the Candelabra) com o ótimo suspense policial Terapia de Risco. Um filme que, coincidentemente, imprime suas principais características, especialmente em sua parte estética.

Na trama, a jovem e misteriosa Emily Taylor (Rooney Mara), recebe a notícia que, enfim, seu marido Martin Taylor (Channing Tatum) será libertado da prisão, onde havia sido acusado por um crime de colarinho branco. Ainda que aliviada, Emily tem estranhas crises de depressão e busca ajuda psiquiatra para conter a ansiedade. Recebendo apoio psicológico, amparada pelo Dr. Jonathan Banks (Jude Law), a mesma é submetida a um tratamento a base de fortes medicamentos, que acarretam alguns efeitos colaterais. E, mesmo reagindo, inicialmente, de forma positiva, tal evento gera consequências inesperadas na vida da jovem e do psiquiatra.

Criando, como de costume, uma narrativa elegantíssima e ao mesmo tempo tensa, Soderbergh desenvolve, de maneira muito orgânica, um conto que se mostra cada vez mais curioso. Logo no início do primeiro ato, devido a uma espetacular apresentação geral dos principais fatos do caso, somos totalmente fisgados e embarcamos na estória. Isso pela sua irrestrita capacidade de direção, onde o mesmo não precisa de muitos diálogos e tempo para expor toda informação necessária que o expectador carece saber, até aquele momento.

O clima de tensão está constantemente presente nas ações dos personagens e, notadamente, nos diálogos de Emily com o psiquiatra. Aonde reside tudo que está por trás dos reais acontecimentos. A fotografia, que é também assinada pelo próprio Soderbergh, tem fator fundamental para que tal sensação permaneça ao longo da trama. Com lentes opacas, uma espécie de nevoa parece rondar os cenários internos e externos. Causando uma impressão de conflito, ao público, e sendo muito importante para o suspense desejado.

Um dos pontos mais altos da fita é, sem duvidas, a atriz Rooney Mara que pouco a pouco vai conquistando seu espaço na indústria, com interpretações corajosas e ousadas. Ela mostra aqui o seu lado sensual e misterioso, assim como fez em Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres, deixando, propositalmente, a plateia ambígua a respeito de sua Emily. Jude Law também está muito bem em tela e consegue imprimir realmente a imagem de um homem desesperado que está confuso sobre os acontecimentos passados. A eterna parceira do diretor novamente marca presença, Catherine Zeta-Jones começa como uma personagem secundaria e cresce ao longo do conto. Já não podemos dizer o mesmo de Channing Tatum, que passa despercebido, como na maioria dos seus papeis.

O roteiro de Scott Z. Burns (O Desinformante!), apesar de simplório, do ponto de vista crítico e artístico, é promissor. Porém, nas mãos de um diretor menos experiente, poderia ser desperdiçado, por algum descuido. Os diálogos não são primorosos, mas o mérito está em sua narrativa. A decupagem foi essencial para que tudo funcionasse bem. E, a trilha sonora do quase sempre ótimo Thomas Newman (Operação Skyfall), também auxilia, de forma brilhante, as cenas de suspense e investigação. É muito intensa e enigmática.

Todavia, como já era de se imaginar, Terapia de Risco tem um final revelador, mas que funciona organicamente. Não é nada forçado ou maniqueísta. É surpreendente e interessante. E, se realmente esse for o último filme, que vai pros cinemas, dirigido por Steven Soderbergh, garanto que ele terminou muito bem sua história na sétima arte, e deixará saudades.

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