Halloween 3: O conto conspiracionista de Tommy Lee Wallace

Halloween 3: A Noite das Bruxas é um filme bastante peculiar desde a sua concepção. Lançado quarenta anos atrás, o longa-metragem dirigido por Tommy Lee Wallace buscava renovar a franquia da qual fazia parte, tentando seguir um estilo baseado em antologias, onde cada novo episódio da cinessérie contaria uma história.

Para isso, o roteiro que Wallace escreveu contou com pitacos do criador da franquia John Carpenter (que produz o filme junto a Debrah Hill) e Nigel Kneale, e teria uma história completamente diferente, onde uma empresa maléfica simplesmente decide colocar em risco todas as crianças das regiões ao redor da empresa, com um brinquedo comercializado cuja intenção era terrível, e resultaria em tentativa de assassinatos.

A premissa é estranha, e lembra demais o clima teórico da conspiração de vários clássicos de Carpenter, entre Enigma de Outro Mundo, um pouco da comédia de ficção científica Dark Star (no sentido de fazer troça com algo sério) e do vindouro Eles Vivem. Essa sensação é reforçada pelo protagonismo ser do médico e anti-herói Daniel Challis (Tom Atkins, que trabalhou com Carpenter em Bruma Assassina e Fuga de Nova York), apresentado aqui como um sujeito de mente e agir bem sujos, interesseiro, tarado e de má índole.

Halloween 3: O conto conspiracionista de Tommy Lee Wallace

A mensagem de desesperança já é bem dada na escolha do personagem central, que é capaz de prometer que passaria o feriado com seus filhos, cancelando a visita já nas cens iniciais.

Diz-se, a boca pequena que Halloween 2: O Pesadelo Continua foi oferecido a Tommy Lee Wallace, que vendo o roteiro capenga que Carpenter e Hill escreveram, declinou.

Wallace é contumaz parceiro do cineasta, foi diretor de arte em Assalto ao 13º Distrito e editor de Halloween: A Noite do Terror e Bruma Assassina. Esse foi seu primeiro filme como regente, e infelizmente depois dessa experiência ele fez basicamente continuações ou produções para a tv, como A Hora do Espanto 2, IT: Uma Obra-Prima do Medo e Vampiros, os Mortos.

O que se vê aqui é um total domínio de narrativa, além de ter uma fotografia assinada por Dean Cundey de Jurassic Park e da trilogia De Volta Para o Futuro, que valoriza em absoluto a paranoia, a angústia e a desesperança.

Depois que o filme foi lançado houve um grande arrependimento por seguir o desejo e linha de pensamento de Carpenter, tanto que o produtor Moustapha Akkad não titubeou em trazer Michael Myers e Sam Loomis de volta na parte quatro da saga.

Ao longo dos anos, o filme foi redescoberto, entre outros fatores, por ter aspectos técnicos bem encaixados, características essas valorizadas pela recente remasterização de 2022. A música segue bela, composta por Carpenter e por Alan Howarth, que além de compositor trabalhou também no departamento de som de Jornada nas Estrelas 2: A Ira de Khan, Eles Vivem e Fuga de Nova York.

Howarth estaria como compositor em boa parte da franquia, saindo em Halloween 6, não fazendo parte nem da linha de H20: Halloween, tampouco na participação de Rob Zombie no reboot Halloween: O Início.

A trama segue mostrando a Silver Shamrock Novelties, uma companhia que comercializa brinquedos na época de outubro, com uma propaganda super repetitiva, com um jingle chiclete que simplesmente não sairá da memória de quem vê essa parte três.

O comercial passa nas noites que antecedem a noite dos doces e travessuras, e um simples segurança é atacado por um homem estranho e silencioso, na madrugada, enquanto faz ronda. O personagem, interpretado por Al Berry é exibido com ar de assassino, aludindo a expectativa de ver Michael Meyers matando indefesos em 1978 e 1981.

Logo aparece Challis, que vai visitar sua família, e dá um presente vagabundo aos seus filhos, as máscaras da tal empresa. Mesmo com poucas palavras é fácil notar que ele é um pai ausente.

O sujeito estranho é assassinado bizarramente, por um homem de luvas pretas e identidade desconhecida, tal qual os matadores dos filmes italianos giallo.

Halloween 3: O conto conspiracionista de Tommy Lee Wallace

Esse é o pontapé inicial no clima conspiratório que inundaria o longa.

O sujeito é morto e seu assassino ao ser perseguido pelo protagonista, entra um carro, derrama óleo sobre sua cabeça e ateia fogo em si mesmo, dando lugar então a um boneco bem mal feito, que entra em combustão com o veículo.

Não demora a chegar no hospital, Ellin Grimbridge (Stacey Nelkin), a filha de Harry, o sujeito que morreu, e ela decide ir até uma cidadezinha, atrás de verdades. Encantado por ela, Challis decide abandonar tudo, inclusive os planos com a família, para ir com ela.

Os dois viajam até uma cidade pequena e estranha, Santa Mira, lugarejo de poucos habitantes onde inexiste vida noturna, tanto que há um toque de recolher assim que começa a anoitecer.

Os poucos lugares que tem luz acesa pela noite são lojas de conveniência e farmácias, estabelecimentos essenciais e emergenciais.

Também se notam muitas câmeras pelas ruas, além da fábrica da Silver Shamrock, que convenientemente é enquadrada em quase todas as tomadas mais abertas. É como se a fábrica vigiasse a cidade.

Qualquer pessoa que cruza o caminho de Callis e o ajuda é atacada por homens engravatados, de comportamento suspeito e sem emoção, de terno e cabelos alinhados e força descomunal, no mesmo visual do sujeito que matou Harry.

Eles decapitam, atacam e matam qualquer opositor. Agem como se fossem teleguiados, controlados por uma força ou mente maior.

A dupla Daniel e Ellie procura Cochran, um homem da indústria que é supostamente o dono dos meios de produção da cidade. Ele é acusado por locais de trazer a fábrica e ao invés de empregar os nativos, simplesmente trouxe mão de obra de fora e deixou a cidade na penúria, sem capacidade de gerar o sustento aos seus moradores.

Os eventos em Santa Rita são estranhos e ilógicos, uma mulher que tenta descobrir como funcionam os chips nas máscaras é atingida por um raio azul, que faz seu rosto estourar e ser tomado por animais nojentos, onde se põe a prova os efeitos de maquiagem de Tom Burman, que aliás, não faz feio.

O problema é que o roteiro é bem conveniente. Elementos mil são introduzidos sem pudor. O Chefão da Silver Shamrock o senhor Conal Cochran (Dan O'Herlihy) surge do nada, e já aparenta ser um sujeito desonesto e aproveitador em seus primeiros atos.

Não há suspense ou duplo sentido, só a óbvia vilania por parte dele, tão caricata que o fazia parecer um personagem de desenho animado do começo do século.

Cochran é curioso, um especialista em pegadinhas, que quando novo era inventor de brinquedos. Para ele, o plano arquitetado é uma grande "travessura", fato que o determina como um sujeito sádico e sem receio em ser assim.

As máscaras são um dos pontos altos do filme. São três, uma de esqueleto, uma de abóbora sorridente e uma de bruxa esverdeada no estilo Bruxa Má do Oeste de O Mágico de Oz.

Halloween 3: O conto conspiracionista de Tommy Lee Wallace

Processos químicos voláteis são a desculpa para não mostrar a fabricação das máscaras. Nem mesmo os melhores vendedores da companhia podem ver como é a manufatura desses produtos.

A partir daqui haverá uma série de spoilers mais sérios.

A trama revela enfim uma questão que já era aparente, mas carecia de uma demonstração mais visceral: esse é um filme com androides.

Halloween 3: O conto conspiracionista de Tommy Lee Wallace

Os assassinos de terno e gravata são robôs, e dentro dos seres positrônicos sai um líquido alaranjado, que faz as vezes de sangue, mas tem aspecto e viscosidade de caldo de abóbora. São definidos como convincentes, leais e obedientes, não discutem, só cumprem seu chamado.

Há consequências surreais para os planos da empresa. As vítimas da música da Silver Shamrock têm suas cabeças derretidas pela máscara, e da podridão dos cadáveres saem inúmeros bichos, entre insetos, larvas aracnídeos e até serpentes peçonhentas.

Halloween 3: O conto conspiracionista de Tommy Lee Wallace

É nojento, e até um pouco sem sentido, uma consequência maligna de origem desconhecida, possivelmente ligada as pedras de Stonehenge, que é mencionada no início do longa, consequências essas tão indescritíveis quanto os contos de HP Lovecraft, com uma psicodelia mais pés no chão.

A versão de Wallace para uma bruxaria mais moderna brinca com elementos de robótica e raios transformadores, além de aludir ao Festival de Samhain e a mitologia irlandesa datada de 3000 anos atrás, falando do festival que daria origem ao halloween e que seria reutilizado mal e porcamente em Halloween 6: A Última Vingança.

Curiosamente, a empresa que jogou câmeras pela cidade inteira tem vigilância zero dentro de suas dependências. Aparentemente, ter robôs, uma pedra sagrada de origem mágica e várias doidices não garante segurança.

Outro fator bizarro é como Challis consegue fácil e convenientemente se livrar dos grilhões que foram impostos. Além disso, ele sai ileso, acerta uma máscara no exato espaço de uma câmera e chega à conclusão de como deter os androides de maneira inexplicável, com algo que parece confetes jogadores pelo céu, fora que ainda salvou sua amada das garras dos vilões, mas sempre em silêncio, para não estragar o final...

A cidade também parece não ter corpo policial, tampouco ação de agências como FBI ou CIA.

Vendo por esse lado, não seria loucura afirmar que o plano do velho Cochran é que Callis se soltasse mesmo, isso poderia explicar como ele assiste a fuga do opositor de maneira passiva, enquanto é consumido bizarramente pela ação da pedra angular mágica.

O final é bem estranho e sem sentido, para além da óbvia questão problemática dos fusos horários na exibição dos comerciais, em um país continental como os Estados Unidos a veiculação com hora marcada não funcionaria.

Halloween 3: A Noite das Bruxas tem um final em aberto, mas seu principal diferencial é a completa insanidade com que é levada toda a história. Para além do óbvio comentário de que se não tivesse a chancela Halloween esse poderia ser um clássico cult, o que se vê é uma ideia boa, com elementos visuais maravilhosos, mas com um texto pouco cuidadoso e cheio de furos como a veiculação de uma armadilha pelo país inteiro e com hora marcada, apesar dos quatro fusos horários diferentes do país.

Vale demais pela criatividade de sua premissa, pelos efeitos práticos e pelo clima conspiracionista e desesperançoso presente em toda exibição.

 

Avatar

Comente pelo Facebook

Comentários

Comente pelo Facebook

Comentários

Deixe uma resposta