A Morte Caminha de Salto Alto : Um giallo de Luciano Ercoli marcado por sua misoginia

A Morte Caminha de Salto Alto é um giallo lançado em 1971 cuja história e abordagem são bastante curiosas. Ele é conhecido por ser um filme do diretor Luciano Ercoli, que era um realizador que trazia à tona obras bem violentas e misóginas, além de ter em Ernesto Gastaldi um dos seus escritores.

Dentro de um gênero de terror conhecido por "odiar as mulheres", o cinema de Ercoli é lembrado por retratar de maneira ainda mais misógina do que o comum.

Essa é uma coprodução entre quatro países: Itália, Espanha, Reino Unido e França. A sinopse parte do assassinato, de um famoso ladrão de joias em um trem.

Sua filha, uma famosa artista de boate de Paris, é colocada em perigo, sendo perseguida por pessoas que querem pegar as joias, além de ser interrogada pela polícia a respeito de diamantes roubados por seu pai.

Como era comum entre as coproduções europeias, esse filme possui mais de um corte. A maioria dos copiões veiculados tinham duração em torno de uma hora e quarenta minutos, mas havia uma, de 70 mm, que foi lançada na Espanha que era ligeiramente maior. É bem difícil de encontrar, aliás.

Depois de alegar não saber nada a respeito, a personagem Nicole Brochard, interpretada pela bela atriz espanhola Nieves Navarro passa a ser aterrorizada por um homem mascarado, de olhos azuis claros, que exige saber onde seu pai escondeu os diamantes.

Ela então parte para a Inglaterra, a fim de fugir do vilão, mas é ataca pelo sujeito novamente, no país estrangeiro.

O título do filme em italiano é La morte cammina con i tacchi alti, ou seja, a tradução para o português foi literal. Na França é chamado de Nuits d'amour et d'épouvante e nos países de língua inglesa é Death Walks on High Heels.

A obra foi rodada em quatro localidades, tendo cenas na França, Inglaterra, Itália e Espanha.

Em Paris, filmaram em Le Crazy Horse de Paris nightclub, já na Inglaterra houveram cenas em um pub na Star and Eagle Hotel, também em High Street - Goudhurst, em St James Tavern, Great Windmill Street - Westminster em Londres, na Torre Hill. Cenas internas foram na ICET Studios na Lombardia em Milão, além de ter algumas cenas em Costa Brava, Girona, na Catalunha.

Ercoli não só dirigiu, como também foi produtor deste, junto a Alberto Pugliese. O diretor havia feito Fotos Proibidas, em 1970 e seguiria no estilo, em A Morte Caminha à Meia-Noite. Já Alberto produziu o filme anterior de Ercoli, mas também Uma Pistola Para Ringo e O Agente OSS 117.

O roteiro foi assinado pelo já citado Gastaldi, que vinha de Tão Doce Quanto Perversa, Sartana, o Matador e A Volta de Arizona Colt, também por Mahnahén Velasco, que assinava May Velasco e vinha de O Longos Dias de Vingança. Ela escreveria a trilogia Fotos Proibidas, esse e claro, A Morte Caminha à Meia-Noite junto a Gastaldi. O argumento era da dupla de e do escritor e compositor Dino Verde, de Sexy Proibito e Nove Rainhas.

O filme é agressivo desde o princípio. A narrativa se inicia em um vagão de trem, mostrando um homem armado, de tapa olho. Ele atende a porta e é pego de surpresa, sendo morto já no início, com uma faca cortando o seu pescoço.

Não demora a introduzir a bela Nicole, moça que parece ser o centro das atenções do filme, ao menos até certo ponto. Ela é uma bela mulher de cabelos ruivos, que trabalha como modelo e é interpretada por Navarro, que assinava como Susan Scott na época.

Ela é mostrada vivendo uma paixão ardente, se entregando apaixonadamente a Michel Aumont, personagem do espanhol Simón Andreu. Os dois são entrosados, protagonizam beijos molhados e lascivos, parecem estar sempre prontos para trepar.

Ela trabalha em uma boate e protagoniza cenas de dança bastante pitorescas, tão estranhas que beiram o racismo, já que ela finge não ser caucasiana, utilizando uma tintura escura sobre a pele.

Suas cenas são sexualizadas ao extremo, como já era esperado, dado que era uma boate de strippers. Ali ela é observada por um magnata, o dr. Robert Matthews, de Frank Wolff. Ele quer que ela venha até sua mesa, mas ela teria outro show em seguida, no Kit Kat.

O gênero giallo era conhecido por explorar bem a beleza de suas mulheres e por fazer insinuações com forte conotação sexual. Esse A Morte Caminha de Salto Alto não é diferente, tanto que possui cenas quentes até no camarim da boate, tanto que Nicole recebe ali seu namorado, que não satisfeito em ter transado com ela antes, ainda passa boa parte do tempo tocando nas partes íntimas da moça.

São insaciáveis, especialmente ela.

Rochard segue seus dias tendo que lidar com vários percalços, com as taras de seu par, com o passado marginal de seu pai, Ernest - o ladrão do início do filme - e ainda tem que conviver com um perseguidor, que é Robert.

O sujeito é bastante atrevido. Não satisfeito em segui-la até a segunda boate, ainda aparece em seu camarim, no meio de sua troca de roupas. Ela, no entanto parece ficar à vontade com tudo, até com alguém olhando para ela fixamente, enquanto ela se despe. Nudez não é um tabu para si, tampouco a presença no mesmo recinto de alguém desejoso por seu corpo.

A trama não demora a se tornar perigosa de novo, já que Nicole recebe um telefonema ameaçador, perguntando onde estão os diamantes. Ela se assusta, mas tenta seguir aparentando normalidade.

Nas ruas ela passa por becos escuros, à noite, se assusta com uma simples senhora que quer um isqueiro para acender seu cigarro.

Depois de brigar com seu namorado, ela é atacada por um homem de vestes negras, com uma navalha e um espaço destampado no rosto, que exibe olhos azuis. Ele poupa a moça, mas não sem rasgar suas roupas, passando a navalha por sua pele branca, de maneira muito fálica.

Diferente dos vilões presentes nos filmes de Dario Argento, esse tem razões materiais para matar, não é passional e odiento puramente.

Ele assume que quer as joias, tem uma motivação muito clara, embora também demonstre uma obsessão sexual pela garota.

Quando Nicole reencontra Michel, descobre que ele tem lentes azuis em casa, assim acaba caindo em uma possível armação - que depois se mostra como um ardil de fato - já que não parecia mesmo que ele era o invasor.

Plantada a prova ou não fato é que ela resolveu fugir, abandonando seu par, sem deixar qualquer recado ou indício de para onde iria, tanto que o reencontro dos dois só ocorre tardiamente.

Decepcionada ela decide ceder aos encantos do doutor e eles viajam. Os dois se divertem, mas ela tenta se disfarçar, não se sabe se é para evitar a perseguição do assassino ou simplesmente para não dar margem para suspeita de estar com um homem casado. Matthews assume que tem uma relação, mas a descreve como um casamento falido, com uma moça chamada Vanessa. É o velho e batido clichê do sujeito que não pode largar a esposa por questões financeiras ou de status.

Os dois seguem se relacionando amorosamente, vão então para uma vila isolada, com Nicole passando os seus dias acreditando estar segura, embora suspeite de alguns homens que a cercam.

Ercoli abusa demais da exibição de sua protagonista, mesmo quando ela está devidamente vestida, foca a câmera em suas coxas torneadas. Até a sua respiração parece exalar libido. Ela é uma pessoa que aceita as pulsões sexuais e o tesão que tem, é sexualmente ativa e não tem vergonha em assumir isso e aparentemente a trama teima em julgar ela por essa característica.

Há inclusive um personagem que se desconcerta quanto está perto dela, no caso, Hallory, sujeito vivido pelo ator italiano Luciano Rossi. O rapaz se descontrola e se emociona somente por vê-la simplesmente pintando as unhas e ele mesmo teria um arco dramático relacionado a intimidade dela.

Há alguém observando ela com binóculos, de longe, em alguns pontos, parece ser até mais de uma pessoa. Mas Nicole não se incomoda, nem mesmo quando percebe que alguém a verifica a todo momento.

Ela se acostuma a viver de luxos, a não mais trabalhar e a ser bancada pelo homem abastado, mesmo que seja momentaneamente.

A especialização de Matthews são operações nos olhos, ele é um cirurgião oftalmológico, fato que o coloca em posição de suspeito, afinal, mexe com lentes de contato o tempo inteiro.

Para se livrar de qualquer pecha, ele leva um tiro, justamente quando está tratando de um paciente. É tensa a sequência, pois o doente tateia atrás do telefone, ja que tem os olhos operados. As imagens são manipuladas para parecer que foi uma mulher quem atirou, no entanto, não parece ser o mesmo bandido que ameaçou os Rochard.

A Scotland Yard assume esse novo caso, envolvendo a dupla formada pelo inspetor Baxter (Carlo Gentili) e seu assistente Bergson (Fabrizio Moresco). É também nesse trecho que Claudie Lange aparece. Ela é Vanessa Matthews, a real esposa do médico, que tem (incrivelmente) os mesmos dotes físicos de Nicole.

O paciente, Smith (José Manuel Martin) testemunha para a polícia, diz que nada viu, mas pelo que ouviu, pareciam ser passos de sapatos femininos, mas poderia ser um homem com salto.

Depois que encontram um corpo de mulher no mar, ocorrem vários fatos estranhos. O cadáver era o de Nicole e o caso passa a parecer mais suspeito, uma vez que Michel, estava nas redondezas, sempre bêbado, nos bares. Ele chega ao cúmulo de vomitar pela janela, acertando as costas de um policial que estava no pavimento de baixo.

Baxter acha que Nicole atirou no médico e depois se matou, mas tudo parece cuidadosamente pensado para parecer uma farsa, conveniente demais, seja o caso dela ser culpada ou uma armação. A sensação que fica é que algo estranho ocorrerá, certamente alguém está blefando bastante.

Ercoli acerta demais na construção da tensão e paranoia. É impossível não embarcar nessa história. A violência pontua bem toda a trama macabra, ainda causa furor pela riqueza dos personagens.

É fácil simpatizar com cada um deles, pois parecem pessoas reais, encontradas em qualquer lugar do mundo.

As perguntas seguem vivas. Nicole realmente morreu? Ela tem culpa no atentado a Matthews? Como Michel entrou na casa do médico e conseguiu agredir Vanessa em determinado ponto? Ele teria esse caminho facilitado?

Flashbacks revelam chantagens, mostram que Vanessa ofereceu 5 mil liras, para que Nicole sumisse. Esse momento se coloca cronologicamente antes da aparição da personagem, obviamente, mas deixa no ar que talvez o cadáver não seja da personagem que a câmera acompanha desde o começo.

Poderia Nicole estar viva ainda, preparando algum ardil, mas as respostas não demoram a aparecer.

O assassino misterioso retorna, dessa vez, espreita Vanessa. Ele mata a senhora, deixa ela sangrando pelo peito e boca. Apesar da selvageria, é meio bonito o quadro dela morta.

A partir desse ponto, falaremos mais abertamente sobre a trama, inclusive com spoilers sobre o final.

O assassino é agressivo e seus métodos parecem os de alguém frio. Seus atos ajudam a deixar patente que ele odeia as mulheres, mesmo até o minuto 75 ele tenha matado um homem e uma mulher- fora Nicole, que não se sabe como morreu.

A questão é como as mortes ocorreram, já que claramente Vanessa sofreu mais que o velho Rochard, sendo deixada para sangrar e sofrer até que a vida esvaísse de seu corpo.

O idoso Capitão Lenny (George Rigaud) se torna um suspeito. Ele assume que observava Nicole, de longe, com uma lupa. A via seminua, se masturbando e não resistiu a observar ela. Foi nesses momentos de voyeurismo que ele testemunhou alguém de preto, invadindo a casa.

Também é revelado que Smith ajudou o roubo dos diamantes em Paris. Seu testemunho ajuda a solucionar parte do caso, relativo a motivação por trás dos assassinatos, ao menos.

Em meio as investigações há algumas associações complicadas, como a condenação do hábito cross-dresser, que tinha haver com Hallory. Michel e ele travam uma estranha e violenta batalha, sangrenta, com armas brancas e objetos comuns a uma casa. O filme aliás tem algumas boas brigas.

Os dois são interrompidos por Matthews e pela polícia, mas a essa altura, a solução final não demora a aparecer, tanto em relação à onde estavam os diamantes, quanto ao culpado por ameaçar Nicole e por matar a todos.

Há uma desnecessária explicação no final, na verdade, duas, já que se explica uma versão para o crime, resultando então a real motivação, dita de maneira mais expositiva que o final já tão criticado em Psicose.

A Morte Anda de Salto Alto é um filme belo, estranho e expositivo, bastante apelativo e sensacionalista. Impressiona por sua agressividade, seja nas lutas secas que apresenta ou na opulência de seus assassinatos. A fica é marcada por seus momentos belos, sensuais e libidinosos, resultando em um avanço dentro da exploração das histórias de assassinos italianos.