Natal Sangrento 2 : Uma obra bem maior que o meme do Dia do Lixo

Natal Sangrento 2 : Uma obra bem maior que o meme do Dia do LixoNatal Sangrento 2: Retorno Macabro é um filme de características únicas, já que tem boas ideias e muita, mas muita picaretice em sua fórmula. Lançado em 1987, é uma sequência direta do polêmico Natal Sangrento e conta a história de Ricky, o irmão do protagonista do outro filme, ainda que quase metade de sua história seja mera repetição de cenas publicadas antes.

A obra de Lee Harry segue a partir do final do filme anterior, misturando elementos de thriller psicológico, vingança e insanidade extrema, temperado por um apelo de moralismo mundano, já que se insere dentro do espectro de Filme de Matança ou Slasher Movie.

Hoje o filme é conhecido por suas cenas bizarras, quase sempre envolvendo seu protagonista, interpretado por Eric Freeman, mas há mais a discutir além dessa participação singular.

O filme recebeu críticas unanimemente ruins no lançamento devido ao uso excessivo de cenas não inéditas. Se o planejamento inicial para a obra fosse levado à frente, poderia ter piorado ainda mais esse aspecto. A ideia é que essa parte dois fosse apenas uma reedição do primeiro, com alguns acréscimos pontuais.

Como o longa de 1984 ficou apenas uma semana em cartaz, os produtores quiseram tornar esse em uma oportunidade de render mais dinheiro, mesmo sem nenhum (ou quase nenhum) esforço novo.

Parte da ideia original seguiu, tanto que o corte de cinema tem cenas inéditas mescladas a flashbacks até cerca de quarenta minutos de exibição. Considerando que a duração com créditos de Natal Sangrento 2 é de 88 minutos, é um tempo enorme de retrospectiva.

Foi Lee Harry quem insistiu para que a obra tivesse cenas novas. Ele se juntou a Joseph H. Earle, Dennis Patterson e Lawrence Appelbaum para escrever algumas vinhetas, que mostravam novos momentos da vida de Ricky e chamaram isso de story ou argumento, em português brasileiro. O roteiro acabou assinado por Harry e Earle, com créditos para Michael Hickey e Paul Caimi no famoso clichê "baseado nos personagens de ".

Ainda assim o material era curto, então decidiram deixar quase metade da duração total com as cenas que Charles E. Sellier Jr. fez para Natal Sangrento, exibiram os créditos finais de maneira vagarosa, com as equipes técnicas de ambos os filmes.

Por motivos cômicos o filme acabou ganhando um secto de seguidores, se tornou um cult, mesmo que não tenha uma grande mensagem ou uma forma única de propor a sua arte, embora a audácia de repetir tantas cenas seja sim singular.

O motivo para a adulação obviamente é a excentricidade involuntária que o longa carrega, além da cara de pau na construção do personagem central. O público abraçou os absurdos da obra, que independente da reprise forçada, supera e muito os exageros que já eram gritantes no original.

O longa foi produzido pelo argumentista Appelbaum, conhecido por obras B, como Missão Morte, Na Rota do Perigo e Compromisso com a Morte. O resto da equipe de produção tem currículo semelhante, como o roteirista Joseph H. Earle, que foi gerente de produção em A Maldição dos Espantalhos e produtor associado nesse. O argumentista Dennis Patterson foi compositor de músicas em filmes como Abominável Criatura e SLC Punk.

Já o cineasta é mais conhecido por ser editor de Street Fighter: A Batalha Final. Também montou esse e Gangues de Rua, de 1991, que ele também dirigiu, além de ter montado o horror com caminhões, conhecido como Na Rota do Perigo.

Natal Sangrento 2 : Uma obra bem maior que o meme do Dia do Lixo

O processo de filmagem foi curto, de apenas dez dias, com locações na Califórnia, entre Sierra Madre, na sequência flashback e Griffith Park - Los Angeles, Pasadena e Westwood.

O nome original era Silent Night, Deadly Night 2 e houveram poucas variações ao redor do mundo, como Noche silenciosa, noche mortal, Noche de paz, noche mortal 2 além de Noite de Silêncio, Noite Sangrenta Parte 2 em Portugal.

Essa é uma produção dos estúdios Lawrence Appelbaum Productions, distribuído pela Silent Night Releasing Corporation e Ascot Entertainmen.

A obra foi banida no Reino Unido pelo conselho de classificação de filmes a BBFC (British Board of Film Classification) no lançamento em vídeo. O conselho exigiu que o distribuidor editasse uma cena de assassinato e cenas de nudez, mas os profissionais recusaram.

Apesar desse incidente, o filme teve poucos problemas, especialmente se considerar a celeuma que ocorreu com o primeiro.

Esse Natal Sangrento 2 passou sem grandes arranhões e em algum ponto do projeto, quando estava nas mãos da Live Entertainment, se cogitou chamara Charles E. Sellier Jr. para reprisar sua função de realizador, no entanto ele recusou. Isso certamente influenciou no principal diferencial do filme, que é o seu protagonista, já que o ator foi uma escolha pessoal de Lee Harry.

Antes da narrativa começar se destaca o nome de Eric Freeman nos créditos iniciais. O primeiríssimo plano é o de um pé batendo no chão, com um sapato preto, utilizado por um fumante. A câmera foca em Rick, obviamente, que agora está em um sanatório, um hospital para pessoas com problemas de ordem mental, na ala de pacientes perigosos e/ou presos.

Natal Sangrento 2 : Uma obra bem maior que o meme do Dia do Lixo

A câmera de Harvey Genkins - diretor de fotografia conhecido por Armadilha Mortal e Um Natal em Família - vai lentamente subindo, mostrando a plenitude do corpo do personagem de Freeman.

Além da composição bela da cena, ajuda muito a música de Michael Armstrong, que funciona quase como uma companheira para o sujeito, já que ele brilha sozinho em tela, acompanhado de uma trilha particular.

Mesmo quando aparece outra pessoa em quadro não há como negar que ele é uma entidade em cena, algo grandioso. O início se dá praticamente sem diálogos, fica apenas o silêncio do recinto e a música incidental entretendo o espectador.

Em algum ponto da pré-produção se pensou dar o papel de Ricky para David Heavener, de Louco Para Matar e O Mercenário Lutador de Kickboxer, mas o produtor Appelbaum achou ele assustador demais e concordou com a sugestão do diretor, apontando então Freeman para o papel principal.

Até 1987 o ator havia feito poucas obras, tinha poucos créditos de atuação sendo as participações mais famosas na versão de Além da Imaginação dos anos 1980, a comédia De Volta as Aulas e em Nada em Comum, onde contracenou com Tom Hanks.

Depois desse Natal Sangrento 2 ele apareceu pouco no cinema, o que é uma pena, visto que nas primeiras cenas, o rapaz consegue atuar consideravelmente bem.

Quando está sozinho em cena faz gerar uma atmosfera tensa, mesmo que fique o tempo inteiro parado, sentado e inerte. O máximo de ação que faz é acender um cigarro e aguardar o doutor de sua terapia, o doutor Henry Bloom de James L. Newman.

O filme anuncia que aquele era um dia 24 de dezembro, véspera de natal de um ano não anunciado.

A partir do minuto sete começa um recordatório, que traz à tona cenas do primeiro longa, que visam ambientar que não viu o primeiro Natal Sangrento sobre o que é essa saga cinematográfica.

A compilação exclui partes importantes, como o arroubo insano do vovô Chapman, mas expõe a nudez das personagens femininas. Eventualmente entra a narração de Ricky, que era um bebê no momento inicial, no flashback localizado em 1971. Isso não faz qualquer sentido, aliás. A desculpa utilizada é que as memórias eram na verdade de seu irmão, que contou para ele a história toda.

A repetição é obviamente chata, ainda mais para o espectador que assistiu o primeiro pouco tempo antes, mas ao menos reforça a ideia de que Ricky gostava do Papai Noel, já que entre as cenas reprisadas há uma que mostra ele criança (na verdade ele deveria ter quatorze anos, mas o ator que interpretou ele não parecia ter essa idade), se aproximando de Kelsey, o padre/zelador que se vestiu de bom velhinho e que morreu por não ouvir o aviso de um policial, uma vez que era surdo.

O protagonista dessa obra teve contato com duas tragédias envolvendo gente fantasiada de Bom Velhinho, no mesmo natal, já que ele também testemunhou a morte de Billy. A morte de todos os seus familiares certamente influenciou sua psique já combalida.

Considerando que o avô deles também é insano, pode ser que os Chapman sofram com alguma condição rara. Esse seria um bom assunto novo para abordar, mas obviamente fica só no ar essa questão. De tantas exposições, essa poderia ser uma boa.

Sobre o nome do personagem, vale ressaltar que Ricky é creditado com outro sobrenome: Caldwell. Não faz sentido algum isso, já que ele chamava Chapman antes. Não há nenhuma família com esse nome que por ventura possa ter adotado ele, mas a contradição está aí. Aliás, essa não é a única, já que há um problema com a idade do menino também.

O relato com material de arquivo termina no minuto quarenta. Entra então uma gravação caseira, que mostra o convívio de Ricky, interpretado por Brian Michael Henley com sua família adotiva, em especial com Corrine Gelfan, que interpreta Martha Rosenberg, a mãe da família adotiva que leva o menino para casa.

Natal Sangrento 2 : Uma obra bem maior que o meme do Dia do Lixo

Ricky teve sorte, já que dificilmente crianças com idade avançada são adotadas. Segundo os créditos, ele tinha 10 anos quando foi com os Rosenberg. Embora Henley pareça ser mais moço que isso.

É estranho por que no último filme, o menino assistiu seu irmão morrer quando era adolescente, com 14 anos. Ele rejuvenesceu quatro anos? Aparentemente, sim, ou a desculpa é que esse acaba funcionando como uma espécie de continuação retroativa, ou retcon, imitando a condição de Uma Noite Alucinante 2, que remonta o primeiro filme de Sam Raimi, A Morte do Demônio, Evil Dead ou Uma Noite Alucinante.

Também vale destacar que essas novas cenas também são mais lembranças, ou seja, mais flashbacks, ainda que dessa vez tenham sido gravadas cenas novas. É quase como em A Origem de Christopher Nolan, que troca as camadas sonhos por camadas de lembranças e de relatos do passado do personagem.

Durante esses relatos fica claro que o rapaz desenvolveu um trauma, mas diferente do irmão. Ele não tem problemas com figuras do natal e sim com freiras. Ao ver duas delas na rua, ele imagina sons de tiros e multidões correndo.

Nesse trecho Harry emula o estilo onírico de cineasta como David Lynch e Oliver Stone e até acerta nas referências, especialmente se considerar a falta de peso do seu filme. É uma que esse aceno ao nunsploitation seja tão subaproveitado, pois poderia gerar uma nova de gama de momentos de horror.

A família Rosenberg o aceita, mesmo identificando os problemas de comportamento e índole que ele claramente tem. O pai adotivo até cogita devolver o menino ao orfanato, mas eles decidem ficar com ele. Cinco anos depois, o sujeito morreu, deixando mais uma vez Ricky órfão.

Nessa fase ele é feito por Darrel Guilbeau que aliás, era três anos mais velho que Eric Freeman. O roteiro repete vários clichês do primeiro, com o personagem também presenciando um assédio de um homem com uma mulher.

Isso destrava as memórias dele como bebê, já que o sujeito ameaça uma moça tal qual o Papai Noel ladrão fez com sua mãe anos antes. A moça assediada, Paula (Joanne White), agradece a ele depois que o rapaz mata o agressor, em uma cena mega bizarra, diga-se, onde o jovem atropela o assediador, passando algumas vezes por cima dele com o carro.

A sequência é complicada por que envolve a nudez de White, que estava com receio de aparecer assim em tela. Essa aliás foi a única vez que a artista apareceu sem roupa. Ela ainda amargou um hiato de catorze anos para conseguir papel no cinema, só atuando novamente em Shadow Glories.

Além do gatilho dos estupros, também fica claro que a cor vermelha desperta em Ricky uma fúria impressionante. É impossível não olhar para isso e enxergar um tom de comédia, já que ele é como um touro de desenho animado.

No entanto as partes engraçadas são ofuscadas por assuntos sérios, como a predileção do roteiro em apontar em tela sempre algum crime de assédio sexual.

Após esse trecho, Freeman já aparece como Ricky Caldwell e eventualmente ele comete assassinatos, sem cerimônia, culpa ou algo que o valha. Ele mata um bandido enfiando um guarda-chuva, que atravessa o peito do sujeito para abrir do outro lado, como se o mesmo fosse feito de papel.

Natal Sangrento 2 : Uma obra bem maior que o meme do Dia do Lixo

A cena é tosca e agressiva, tanto que é difícil não achar graça nela, mas funciona. Dentro da escalada errática que o filme dá, funciona, serve como uma trufa encontrada em meio a lavagem que serve de comida para um porco.

É curioso como momentos agressivos e bizarros como esse ocorrem seguidos de cenas mais sérias, com Richard em primeiro plano, ocupando metade da tela, com o doutor Henry atrás, sendo exibido como alguém inferior em perspectiva.

O diretor sabe filmar, sabe enquadrar e sabe escolher momento pontuais para estabelecer seu choque de ideias. Esse é evidentemente um filme B, trash e de qualidade duvidosa, mas ainda assim há arroubos visuais e tentativas de parecer mais erudito do que realmente é.

Toda a bagunça que foi a produção do filme influenciou no desempenho de Eric Freeman. Frequentemente ele recebia orientações conflitantes de gente da produção. O ator queria interpretar Ricky mais como um assassino frio e malévolo, mas o direto, imaginou o personagem mais como um assassino brincalhão nos moldes de Freddy Krueger, de A Hora do Pesadelo. Já o roteirista Earle encorajou ele a ser o mais exagerado possível em sua atuação.

Da parte séria, há a exploração do romance dele com Jennifer (Elizabeth Kaitan), uma moça que acaba sendo a primeira mulher de sua vida, enquanto ele acredita que ela também era virgem. Para a surpresa geral, obviamente ela não era intocada.

O casal vai se divertir em um cinema, Ricky se anima com um trailer de filme extremo, mas não faz ideia de qual filme sua namorada escolheu. Não é nada surpreendente que eles estejam lá para assistir um filme de um Papai Noel assassino, mas não era Natal Diabólico e sim o trecho do ladrão que Charles Dierkop fez no primeiro Natal Sangrento.

Ricky se importava com ela, mas os dois terminaram quando o rapaz matou Chip (Ken Weichert), um sujeito que ficou com ela no passado e que afirmava ter conhecido ela de maneira bíblica. Ao tentar causar ciúmes no "herói" da jornada, acabou pagando com a própria vida.

Esse trecho termina mega estranho e agressivo, com Chip sendo eletrocutado, aparecendo então um boneco terrível, cujo olho estoura em tela.

Depois Ricky enforca a sua amada, em uma cena de péssima atuação. O que se segue a isso é pura galhofa, já que ele rouba a arma de um policial e chacina quem aparece. É nesse trecho que ocorre uma sequência do Garbage Day, momento único do cinema.

Quando a trama retorna ao presente, Caldwell foge rouba a roupa de um Papai Noel do Exército da Salvação, que tem voz dublada por Joseph Earle e que foi interpretado pelo cinematógrafo Harvey Genkins, que substituiu o ator originalmente contratado para o papel, que faltou o dia de filmagem.

Os minutos finais não tem qualquer virtude maior, é uma sequência de momentos vergonhosos, que demonstram o pior da faceta assassina de Rick. Fica parecendo que o orçamento acabou justamente nesse momento. Há alguns acenos, como uma imitação vergonhosa a cena do machado de O Iluminado.

Ele vai atrás da Madre Superiora, dessa vez feita por Jean Miller, que usa uma maquiagem de rosto queimado muito malfeita. Ela está diferente, quase deformada, não disfarça o motivo evidente de que só usa essa maquiagem para disfarçar a mudança de atriz.

Ela agora vive sozinha, depois de um ataque que sofreu, mas não fica clara a causa dos ferimentos que teve. Pode ou não ter tido algo a ver com Ricky.

Para filmar essa sequência foram utilizadas duas casas diferentes, uma para a parte de cima e outra para o andar de baixo. Também é curioso como a freira é ágil, mesmo sendo cadeirante.

Ela tem uma cadeira de rodas em cada patamar da casa e parecia ter treinado momentos de agilidade. No entanto, mesmo sendo tão esperta ela não resiste a ação do personagem principal. Acaba sendo assassina e deixada em uma posição cuidadosamente pensada para assustar, já que ela teve a cabeça cortada e colocada para cair assim que alguém encostasse nela.

Ficam várias questões em aberto, como a completa ausência de Martha Rosenberg após o incidente com o carro. Ela teria sido morta pelo seu filho adotivo? Ela o abandonou? Morreu por causas naturais? Não fica claro e esse é só mais um dos mistérios e furos que esse roteiro acaba tendo.

Natal Sangrento 2 é uma obra ainda mais sensacionalista e picareta que o primeiro longa da saga. É um filme cultuado pela tosquice e subestimado nos bons pontos que levanta. Infelizmente as boas ideias do diretor não tiveram espaço, foram eclipsadas pelas sem-vergonhices dos produtores e hoje ele é mais alvo de chacota e de louvor graças a sua execução pífia, o que não deixa de ser justo também.

Avatar

Comente pelo Facebook

Comentários

Deixe uma resposta