Pânico na Floresta é uma espécie de revival dos antigos filmes de matança, já que tenta se afastar da recorrente mania em que o estilo de slasher movies se meteu após Pânico. É um filme violento, lançado em 2003 que mistura violência gráfica com os clichês de assassinos caipiras deformados e canibais.
É curioso que a obra que se chama originalmente Wrong Turn tenha recebido o nome brasileiro semelhante ao filme de Wes Craven, uma vez que está na contramão dos filmes que gostam de estabelecer a metalinguagem e desconstrução do gênero como seu norte narrativo. Produções que se tornariam franquias como Lenda Urbana e Eu Sei O Que Você Fizeram no Verão Passado tentaram surfar na onda de apresentar uma historinha irônica, que desconstrói levemente os jargões dos slasher, mas aqui, não.
O filme é cru, violento e não tem receio em apelar para o sangrento. Também não tem qualquer pudor em se mostrar uma homenagem clara a dois filmes, Quadrilha dos Sádicos, clássico de Wes Craven sobre canibais que sofreram com interferência de testes radiativas, além de O Massacre da Serra Elétrica de Tobe Hooper. Curiosamente ambos os filmes seriam refilmados nessa mesma década, com O Massacre da Serra Elétrica de Marcus Nispel chegando no início de 2003, enquanto Viagem Maldita de Alexandre Aja foi lançado em 2006.
O longa de Rob Schmidt fez 20 anos recentemente e é o primeiro exemplar de uma franquia de relativo sucesso, incluindo até o retorno de boa parte dos personagens aqui apresentados. O filme surgiu a partir de uma ideia Alan B. McElroy que mistura histórias de canibais, gente que sofre com deformações, lendas urbanas e culto bizarro.
Ou seja, ele utiliza os clássicos do terror que já citamos e apimenta tudo com elementos tanto do também novo clássico Bruxa de Blair, além de referir-se a uma mitologia druida, ainda que faça isso de maneira leve.
Como o filme já tem mais de 20 anos, falaremos com spoilers, que serão desenrolados após a imagem abaixo.
A história se baseia especialmente na rotina de Finn (Desmond Harrington), sujeito que está indo para uma entrevista de emprego. Ao pegar a estrada em um lugar desconhecido, na Virgínia Ocidental, acaba sofrendo um pequeno acidente, colidindo com um carro na estrada. Isso ocorre logo depois que ele decide pegar uma rota diferente - o tal caminho errado, ou wrong turn, como anunciado no título - uma vez que a estrada onde dirigia teve um incidente com derramamento de produtos químicos.
No entanto, como era comum em Filmes de Matança antigos, a primeiríssima cena mostra a desgraça de outros personagens, que não tem nada a ver com o plot principal.
São apresentadas duas pessoas, um casal de jovens alpinistas sabotados na montanha que tentam escalar. O modo como eles perecem é violentíssimo, agressivo, determina bem quais os rumos o filme tomará e como explorará sua história.
Nos créditos iniciais aparecem notícias de lendas urbanas, recortes de jornais que associam deformidades com casos de incestos. Outras falam sobre assassinos habitando as montanhas e a floresta da Virgínia. Na prática, são possibilidades levantadas para explicar o que aconteceu com os locais, embora não justifiquem a condição deles afinal, "só" incesto não torna as pessoas em criaturas tão deformadas quanto esses.
Ao mostrar Chris Flyn tentando não se atrasar, enquanto ele adentra o novo cenário, aparecem indícios estranhos, avisos de que algo ruim poderia ocorrer, inclusive com objetos que parecem ter saído de um culto pagão, com o cúmulo de aparecer até um cervo morto em tela.
O protagonista toma um susto quando colide com um veículo parado. No outro carro estão cinco jovens, Jessie (Eliza Dushku), Carly (Emmanuelle Chriqui), seu noivo Scott (Jeremy Sisto) e um casal de namorados, Evan e Francine (Kevin Zegers e Lindy Booth). O quinteto estava (supostamente) de férias, mas também carregavam uma quantidade exorbitante de maconha.
O carro deles parou por conta dos pneus furados. Apesar do susto da batida eles não demoram a se entrosar com Flynn e partem para achar recursos para sair dali, afinal, seriam facilmente enquadrados no crime de tráfico de drogas e não poderiam aguardar pacientemente a chegada de policiais.
O roteiro de McElroy brinca com o chavão de jovens tentando sobreviver em território hostil, enquanto são perseguidos por vilões monstruosos, aqui adaptados para a condição de canibais deformados.
A experiência dele como escritor era considerável, já que havia feito o roteiro de Halloween 4 : O Retorno de Michael Myers, além de obras de filmes B de ação como Rajada de Fogo e o grotesco Spawn: O Soldado do Inferno. Misturar ação, aventura e horror não era incomum em sua carreira, não à toa o diferencial de Pânico na Floresta é a brutalidade.
No primeiro ataque desse novo núcleo já se nota que os vilões usam materiais diferenciados, ainda são cruéis, deixando pedaços de corpo espalhados pela floresta, que servem tanto como isca como para assustar eles.
Mesmo nas curtas aparições se nota o bom trabalho de Shana Mahan nas maquiagens. Houve também um trabalho da equipe de Stan Winston - que inclusive, é um dos produtores do longa - com os efeitos especiais.
O serviço foi tão bem feito que influenciou a onda de remakes sombrios, que no início da década, evitava excesso de CGI.
É bem curioso que no mesmo ano de 2003 tenha saído Pânico na Floresta e o já citado Massacre da Serra Elétrica de Nispel. Ambos foram rodados mais ou menos na mesma época, coincidem a localidade do interior, aludem a uma família de matadores que moram em casas sujas e tem em seu cenário principal um lugar repleto de corpos espalhados, com móveis feitos de ossos e partes desmembrados do mesmo servindo de enfeite.
Nota-se no trabalho de Schmidt e McElroy uma inspiração nos métodos do assassino demente Ed Gein, o mesmo que também inspirou o Norman Bates de Psicose, Leatherface e Bufallo Bill de O Silêncio dos Inocentes. Quando o assassino real foi encontrado pela polícia havia em sua casa móveis feitos de carne humano e diversos objetos de ossos, fossem de corpos exumados por ele ou fabricados via assassinato. Isso se percebe aqui também.
Schmidt conduziu poucas produções para o cinema. Ele fez uma versão de Crime e Castigo em 2000, também fez Assassino do Alfabeto em 2008, seus trabalhos mais lembrados são na TV, esteve na série Masters of Terror e também em Your Worst Nightmare. Aqui ele pauta seu horror na tensão e na observação.
Mesmo sem ser muito explícito, ele faz o espectador ficar apreensivo, uma vez que coloca os meninos e meninas observando enquanto os corpos de seus amigos são tratados como carne de um abatedouro.
Sabiamente o filme esconde seus algozes. Não fica claro em um primeiro momento quantos são e como se parecem. Com quase metade de filme passado só se percebe que há um homem alto, de cabelos longos e rosto maltratado.
Na primeira tentativa de fuga dos quatro restantes - Chris, Carly, Jessie e Scott - os vilões saem de carro, gritando, aparentemente felizes, já que agora tem a quem caçar.
Mais tarde, se percebem que são três vilões, sendo eles pessoas feias, deformadas, com uma aparência grotesca que também é revelada parcimoniosamente, de maneira gradativa. Dois deles são Saw Tooth (Gary Robbins) e One Eye (Ted Clark). São mostrados como personagens espertos, mesmo que não sejam cerebrais, especialmente esses dois.
O mais instruído aqui, é o que recebe mais destaque: Three Finger. Interpretado por Julian Richings ele é um arqueiro mortal, derruba as pessoas ou ferindo elas de maneira a retardar ou simplesmente mata de longe. Richings tem experiência com obras B, esteve em Mutação, Cubo e Lenda Urbana, além de ser figura carimbada em produções mais recentes como O Gabinete de Curiosidades de Guillhermo Del Toro e Beau tem Medo de Ari Aster.
Não há muito respiro, o longa segue com uma boa perseguição, com os sobreviventes tentando passar despercebidos, enquanto o trio malvado persegue os mocinhos.
Detalhe para a bela morte de Carly, que tem um machado enfiado em sua boca com um golpe tão certeiro que corta o restante da cabeça e faz cair o corpo no chão a partir do galho que está no alto de uma árvore grande.
É preciso bastante suspensão de descrença ao ver um homem baleado conseguir passear entre galhos de grandes árvores, além de que é difícil acreditar que caipiras acrobatas conseguem se mover silenciosamente, a noite e pelo alto da floresta.
Mesmo com esse apelo aos jargões do gênero e a clichês comuns nesses exploitation, impressiona a qualidade nas imagens, especialmente quando são nítidas e claras. Os ataques durante o dia são brutais também, valorizam bastante os trabalhos em efeitos práticos da equipe de Winston.
As sequências de Pânico na Floresta tiveram tons bem diferentes e no Brasil sofreram com a nomenclatura. Houve um filme chamado originalmente de Timber Falls que recebeu a alcunha de Pânico na Floresta 2, graças a distribuidora brasileira, que tentou associar um filme que também se passava em uma floresta a franquia. Já o real Wrong Turn 2: Dead End foi chamado no lançamento como Floresta do Mal, só depois foi renomeado para Pânico na Floresta 2: Floresta do Mal.
As continuações não tiveram uma ideia de continuidade muito reta, só se aproveitaram do gancho presente na última cena, que mostra um único policial indo até a base dos três assassinos, sozinho, e à noite. Há de lembrar que era a década de 2000, uma época de completa falta de noção e segurança, onde até a polícia tinha métodos insalubres de conduta.
Pânico na Floresta é uma obra que se leva a sério e tem competência em criar uma atmosfera de suspense, misturando naturalmente essa aura com o splatter e a violência extrema. Tem um gore moderado e uma mitologia rica, resultando em uma produção que vale bastante a pena conferir, especialmente para quem gosta de histórias nesse estilo.
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