A Bruma Assassina é um dos filmes mais inventivos e curiosos da filmografia de John Carpenter. De trama misteriosa, porém simples, o longa narra a história de uma cidadezinha que tem de pagar pelos pecados de seu passado, em um drama que envolve aparições de fantasmas e conta com um elenco recheado e narrativa multinuclear.
Conhecido como A Névoa e A Neblina nas transmissões na TV, a produção que carrega o nome The Fog é mais conhecida como A Bruma Assassina, nome que recebeu nos cinemas brasileiros. A fim de desambiguar, é bom lembrar que ela não tem nada a ver com O Nevoeiro, filme de Frank Darabont que adapta um conto de Stephen King.
Esse é mais um produto da parceria de Debra Hill com Carpenter. Os dois se inspiraram bastante em The Crawling Eye / The Trollenberg Terror de 1958, e em uma viagem que Hill fez ao sudoeste britânico, onde buscava enxergar as rochas de Stonehenge.
No dia que a moça foi, ela não teve um grande sucesso em sua jornada, já que aquele era um dia nublado e com uma névoa espessa.
Ao observar as rochas antigas tomadas por uma condição da natureza sui generis, ela teve a ideia de uma grande fumaça assassina, e bolou com seu ex-namorado uma trama em volta dessa ideia.
Carpenter adaptaria em 1983 Christine: O Carro Assassino, que é um texto de King, mas já aqui, em 1980, ele referenciaria uma condição da literatura do escritor, que é o enfoque em vários personagens.
A diferença é que aqui é bem trabalhado, fato que normalmente não ocorre em algumas histórias do escritor, a exemplo de Comboio do Terror, e mesmo sendo esse Bruma Assassina um filme tão curto dá para notar o cuidado do corte final em abordar vários núcleos da história.
Outra semelhança com livros de King é o fato da localidade ser um personagem. Antonio Bay respira, possui luz própria, e tudo gira em torno do lugar. O principal plot do início é a comemoração do centenário da pequena cidade costeira, no norte da Califórnia.
Existe uma tradição entre seus moradores de contar histórias de fantasmas, faladas em fogueiras, para crianças, e em uma delas, um sujeito idoso narra as desventuras de um navio que se chocou contra as rochas, fazendo com que toda a sua tripulação se afogasse, após confundir uma fogueira com um farol.
A grande questão é que essa não é uma anedota ou uma lenda, e sim algo que ocorreu, que foi devidamente romantizado para ouvidos infantis e que foi provocado de maneira proposital.
A cidadezinha possui um passado sangrento e ganancioso, já que seus fundadores mataram toda uma tripulação marítima, que sofria com infortúnios de saúde (seus tripulantes tinham lepra), e foram assassinados para pegar o ouro dos embarcados.
O capitão deles, chamado Blake, (um dos poucos que não contraiu lepra) teria prometido voltar, para se vingar dos herdeiros que mataram ele, seus homens e as vítimas da doença que estavam no barco.
Esse é um filme de conforto para o cineasta. Normalmente é chamado de clubinho do Carpenter, já que tudo que envolve o extra filme possui algum vínculo afetivo com ele.
Isso se nota desde os nomes dos personagens, que homenageiam parceiros como Nick Castle que fez The Shape em Halloween e o roteirista de Dark Star e escritor de Alien: O Oitvado Passageiro, Dan O'Bannon, até citações externas, como Dr Phibes, de Abominável Dr. Phibes que é um filme de 1971, clássico estrelado por Vincent Price.
Outro personagem se chama Tommy Wallace, tal qual o designer e editor (que inclusive, trabalha nessa produção) Tommy Lee Wallace, além de Al Williams, que pode ser uma referência a um ator dos anos 1930-40.
O filme é co-escrito e produzido por Debra Hill e tem no elenco não uma, mas duas diferentes musas, sendo uma mais evidente, Jamie Lee Curtis, que aqui teve a oportunidade de contracenar pela primeira vez com a sua mãe Janeth Leigh.
Outra parte "inspiradora" do elenco é a nova musa do diretor, Adrienne Barbeau, que estreava nos cinemas depois de já ter feito Alguém me Vigia com Carpenter para a TV, e ainda indicou um amigo, Tom Atkins, que no futuro, protagonizaria Hallowen 3. Charles Cyphers também participa do filme, depois de ter feito parte do elenco de Halloween e Alguém Me Vigia.
Barbeau casaria com Carpenter, e seria pivô de um mal-estar no set, envolvendo Curtis. A interprete de Laurie Strode teria ficado bastante chateada pelo fato de ter que contracenar com a atual mulher do diretor, sendo que ela esteve presente em boa parte da relação entre Carpenter e Hill.
Envolver gente tão próxima em trabalho tem pormenores negativos, a linha entre o profissional e o pessoal fica tênue.
Também estão com ele o cinematografo Dean Cundey, de filmes B como Psicose 2 até produções gigantes como De Volta Para o Futuro e Jurassic Park, além do especialista em efeitos especiais Rob Bottin, que estava em estágio inicial da carreira e faria história com Carpenter construindo os efeitos maravilhosos de Enigma de Outro Mundo.
A trama se passa em um período curto, entre a véspera do 21 de Abril, o aniversário da cidade Antonio Bay, o nascer do sol da data festiva e claro, a confraternização em si.
Em um conto do Sr. Machen (John Houseman), ele narra a história do navio Elizabeth Dane, que bateu em rochas, ao confundir uma fogueira com um farol, servindo esse momento para ambientar as crianças, já citadas, e claro, os espectadores.
Teoricamente, os fantasmas saem, buscando a tal fogueira, para se vingar. Bruma Assassina é uma peça de arte que não é afeita a grandes formulas.
Seu começo é silencioso e um bocado lento, passeia pela cidade antes de reunir Elizabeth Solley (Lee Curtis) e Nick Castle (Atkins), que se encontram sem querer, com ela pedindo carona, e acabam se aproximando graças a um perigo que correm, graças a um estranho evento que quebra as janelas do carro de Nick.
Quase não se ouve nada, fora pequenos diálogos entre personagens, e claro, o informe municipal do rádio, através de Stevie Wayne (personagem de Barbeau), que localiza sua rádio no ponto mais alto da cidade, o farol KAB em Spivey Point,.
Ela, portanto, tem uma posição privilegiada, serve de vigia para todo o lugar.
No mar e dentro de um pequeno navio, um personagem repara em uma nuvem vindo, bem longe. Eles são os primeiros atacados, as primeiras vítimas da revanche prometida
Andy, personagem de Ty Mitchell é filho da radialista e era uma das crianças que ouviu Machen contando a história, e sem querer ele se torna o veículo de infiltração na trama, já que encontra um pedaço de madeira, que parece originado do barco.
O filme possui uma cota de sustos, como quando a personagem Williams, uma pessoa importante da cidade - interpretada pela musa de Psicose, a veterana Janet Leigh - chega a igreja, sendo abordada pelo padre que veio do nada, no caso, o sacerdote Malone (Hal Holbrook), e lê para ela um pouco do relato de um diário que achou.
Esse livreto de 1888 era de outro sacerdote, um padre, que narra a história de um homem rico e enfermo, e assume ter sido cumplice de uma traição e de um assassinato.
O ritmo do filme é lento. Há poucos momentos de medo, Carpenter gasta o relógio criando uma atmosfera de temor enquanto o sol ainda habita Antonio Bay. É preciso primeiro fazer público e personagens tomarem consciência dos pecados do passado, para só então mostrar as monstruosidades.
Barbeau sempre foi uma mulher bela, mas aqui ela está especialmente bonita. Carpenter conduz sua câmera de um modo que valoriza os detalhes do belo semblante dela, e normalmente a enquadra melhor quando está sozinha e isolada, na parte de cima do farol da cidade, onde funciona a rádio.
Curiosamente esse isolamento conversa com a problemática da atriz durante o rodar do longa, já que como dito antes, a presença dela incomodou pessoas como Jamie Lee, e possivelmente ela foi filmada mais separadamente para evitar atritos.
De qualquer forma, essa é uma das melhores performances da carreira dela, um papel de destaque, que faz acreditar plenamente em toda a miríade de sensações que ela traz, tanto de ser uma mulher trabalhadora e batalhadora.
Ela é uma mãe solo, como alguém assustada e que recebe os sinais de que algo errado está para acontecer, tanto no aviso de neblina que recebeu, quanto na mensagem molhada sobre o artefato de madeira que seu filho achou, objeto que causa um curto circuito espontâneo bizarro no estúdio.
Carpenter não gostou do primeiro corte, possivelmente por encarar o próprio texto como simples demais. Ele voltou a sala de edição, reeditou, refilmou e compôs uma nova trilha sonora, para tentar fortalecer a atmosfera de suspense e medo.
A retirada de som nas cenas comuns faz aumentar a tensão, assim como a música que vai crescendo com a aproximação do mal.
Sem perceber Carpenter ditou moda, influenciando cineastas do gênero horror dali para a frente. Infelizmente isso abriu portas para filhos bastardos, já que os jumpscares baratos dos subprodutos de James Wan, tanto na saga Sobrenatural/Insidious como no Invocaverso, compartilham da mesma fórmula, só que exagerada em sua recorrência.
A névoa é esquisita, aparece como uma nuvem azul clara, cintilante, brilhante, que dá um tom bizarro a Antonio Bay, a pintando de um modo diferenciado. A elevação de Stevie a torna a mensageira ideal ao povo, se tornando ela a pessoa que dita as maneiras de fugir dessa monstruosidade, compondo assim um papel de função social em situação de perigo iminente.
Blake e seus homens buscam a revanche contra os descendentes do povo assassino e ladrão, e isso encontra eco em inúmeros casos de assassinos no cinema, desde Cropsy de Chamas da Morte, até Freddy Krueger em A Hora do Pesadelo.
No entanto, o que se nota aqui é uma classe maior, uma referência espectral que ajudaria e influenciar produções até fora do gênero, como em Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra, especialmente no arco do Capitão Hector Barbossa.
A maquiagem dos piratas revividos é ótima, especialmente se considerar o orçamento ínfimo que a produção tinha. Os personagens foram tão marcantes, que geraram até venda de brinquedos.
Não fosse um filme de um diretor tão repleto de amigos, The Fog jamais teria como ser executado como foi, uma vez que seu preço não condiz com os diversos aspectos e qualidades dele.
Infelizmente, graças a tal nuvem caótica malvada, o espectador é privado de ver o esplendor do trabalho de Rob Bottin, que inclusive, atua aqui como o velho Blake, já que ninguém mais conseguiria se movimentar com naturalidade embaixo de tanta maquiagem.
Bruma Assassina é uma história tensa e um espécime pouco louvado da filmografia carpenteriana. A ideia de mostrar uma maldição caindo sobre um lugar através de um fenômeno natural é genial, e deveria ser mais lembrada do que é, principalmente entre fãs de filmes de fantasmas.