A carreira de Wes Craven passou por diversas fases, começando com o cinema extremo e violento em Aniversário Macabro, passando pela desolação e corrupção do American Way of Life em Quadrilha dos Sádicos, além de grandes e rentáveis sagas nos anos oitenta em A Hora do Pesadelo e anos noventa com Pânico.
Mas nem sempre foi assim, o diretor teve que fazer algumas aparições em filmes eróticos, em funções como ator (mas não dentro da ação sexual, até onde se sabe), como fotógrafo e montador. É sabido também que ele teve que dirigir algumas produções de orçamento pequeno, feitas direto para televisão.
Com o tempo, ele fez telefilmes, mas também especiais, episódios de séries como Além da Imaginação (entre 1985 e 86), Nightmare Café (1992) e até um dos vídeos de abertura da Disneylândia no ano 1986.
Este artigo busca falar um pouco sobre as obras para a televisão no formato longa-metragem, trazendo detalhes dos bastidores e um pouco de análise dramática.
Apenas um ano depois de Quadrilha dos Sádicos, Craven lançou seu filme para televisão melhor concebido. Verão do Medo é uma história sobre uma família suburbana que recebe uma visita de parente, que aos poucos se mostra estranha e entre os temores dessa novidade, há elementos sobre bruxaria e feitiçaria.
Há dois nomes para o filme, Summer of Fear e também Stranger in Our House, e nele se reúnem dois ícones do terror, o diretor e claro Linda Blair, a atriz marcada por ter sido Megan no filme O Exorcista, quinze anos após o lançamento do filme de William Friedkin.
O filme começa bem, com uma cena frenética, onde um carro cai desgovernado do alto de um penhasco. É perceptível que foi retirado daqui uma das referências de Quentin Tarantino, no seu filme do projeto Grindhouse, À Prova de Morte. As cenas em alta velocidade na estrada inspiraram o filme do dublê assassino de Kurt Russell e a tipografia amarela dos créditos iniciais é a mesma usada em uma das cartelas do início do longa.
A história bem simples, mostrando a adolescente Rachel (Blair) que recebe a visita da prima, a filha do casal que estava no carro no início da trama, tendo um ciúme quase imediato após a chegada dela, embora o comportamento da parente seja bastante suspeito.
O filme economiza no quesito violência, seu gore é focado na exploração sobrenatural mais nojenta: as vítimas têm pústulas, aparecem pedaços de carne com pelos assim que as manifestações do mal começam, além da figura da bruxa quase animalesca que aparece no desfecho, que assusta bastante, em comparação com o resto do filme.
Os maiores chamarizes do longa são a exploração do ocultismo e o protagonismo feminino, embora esbarre bastante no clichê presentes no teste de Bechdel, já que a desconfiança da protagonista reside nos ciúmes que a sua prima recebe de todos.
O filme é um pouco lento, carece de dinâmica e mostra um Craven que tinha veia autoral, mas estava trabalhando claramente por encomenda, o que explica a falha em apresentar ambiguidade.
Verão do Medo acaba propagando uma mensagem moralista que até então não havia aparecido tão explícita nas obras do diretor, condenando as mulheres por serem sexualmente ativas, relegando a elas um papel de feiticeiras malvadas e que competem sempre pela atenção do homem.
Os convites para dirigir foram ficando escassos depois que Craven abraçou dois projetos com orçamento razoavelmente grandes, Bênção Mortal (1981) e O Monstro do Pântano (1982). Ambos deram muito errado, e ele acabou voltando a conduzir telefilmes.
Em 1984, mesmo ano que lançaria o sem-vergonha Quadrilha dos Sádicos 2 e o sucesso A Hora do Pesadelo, Craven apresentou Convite Para o Inferno, mas uma obra com um orçamento pequeno.
A história mostra uma família que se muda para um subúrbio na Califórnia, lugar esse que gira em torno de um clube social de elite, que serve de fachada para algo sinistro.
A primeira cena já situa o espectador no nível que será toda essa “jornada”, já que uma mulher quase é atropelada, se salva em cima da hora se teletransportando para trás do veículo.
Ela derrete o motorista que iria passar por cima dela, deixando a plateia atônita ao mostrar o corpo do sujeito queimado e todo esfumaçado como um belo boneco. O efeito é deliciosamente tosco, e pasme, a moça em questão é a dona do clube, Jéssica Jones (Susan Lucci), ou seja, ela matou um funcionário do seu estabelecimento, a troco de nada.
Craven tenta provocar reflexão mostrando uma família comum, com uma esposa que deseja bens materiais e aceitação do novo grupo de vizinhos, e um marido que não é tão propenso a aceitar qualquer exigência das pessoas da alta roda que estão na vizinhança. Matt Winslow, personagem de Robert Urich, freia a ânsia da família em entrar no clube, mas é driblado assim que o roteiro abre uma brecha, exibindo aqui uma crítica a febre de consumo tipicamente capitalista, tratada como algo inexorável a sociedade ocidental.
As atuações não passam da caricatura, não há muito o que destacar, exceto a participação da menina Soleil Moon Frye, que ficaria famosa como Punk Brewster, personagem central da série infantil Punky: A Levada da Breca.
Vale destacar a música característica de Silvester Levay, que faz um trabalho competente, que contribui para o suspense e apreensão.
Ao final um novo cenário subterrâneo é explorado, mostrando cópias das pessoas vivem, em uma trama semelhante ao filme Nós, mas não há muito o que explorar além do conjunto de referências em comum deste filme para tv junto ao longa de Jordan Peele.
Mesmo com o sucesso de Freddie Krueger, Craven seguiu fazendo produções com pouco investimento e em 1985, trouxe a luz Um Frio Corpo Sem Alma.
A ideia é até boa, já que discute a irresponsabilidade da criogenia, debochando do conceito de se congelar uma pessoa, mesmo que essa seja uma prática pertencente apenas ao imaginário especulativo e pseudocientífico.
Em parceria com o canal televisivo CBS, o longa mostra Miles Chraigton despertando do congelamento depois que um computador que deveria manter ele vivo e bem, falha.
Interpretado por Michael Beck, o Swan de Warriors: Os Selvagens da Noite, ele retorna munido basicamente de instinto, parecendo que seria um assassino ao estilo dos mortos reanimados em Re-Animator: A Hora dos Mortos Vivos.
No entanto isso é apenas um despiste, já que ele vai para casa, de volta aos seus luxos de playboy milionário, e ainda conduz uma empresa que lhe coube de herança, mas sem a bondade e humanidade que antes era comum à sua versão "viva".
A premissa que era boa se mostra insuficiente para sustentar o filme. Exibir um sujeito que desperta como se fosse uma coisa é até uma premissa inteligente, mas ela é rapidamente descartada para apresentar uma história maniqueísta e genérica.
Miles não leva jeito para ser um assassino cruel, frio e sanguinário, claramente só vence as primeiras vítimas por serem pessoas vulneráveis: um cão, um senhor idoso que é impedido de tomar seus remédios. Atores como Beatrice Straight e Paul Sorvino são subutilizados, e Craven faz um trabalho bem qualquer nota.
O filme chega ao cúmulo de imitar o letreiro de O Enigma de Outro Mundo substituindo o The Thing por um azul neon escrito Chriller praticamente igual ao, visto no início da obra de John Carpenter. Nem a referência faz relevar a tolice do filme em se levar a sério, que fica pior uma vez que termina com um gancho para uma continuação que jamais veio.
Seguindo na esteira de trazer integrantes de Warriors para seus telefilmes, Craven em 1990 contratou James Remar, o Ajax. Aqui ele faz um policial que se vale da ajuda de uma moça com poderes psíquicos.
Diferente do anterior, esse não é tão equivocado, embora a trama soe confusa, e como as outras obras, há um freio de mão puxado no gore.
As maiores piras do diretor moram na ambientação meio clubber latino presente nos cenários, com um início de filme que lembra as cenas de discoteca de Scarface de Brian de Palma. De resto, a história segue clichês de filmes e séries de tiras, acompanhado de maus atores fora Remar, com poucos sustos e muita economia em violência.
Essa foi mais uma tentativa do diretor em apelar para uma história que não era de hoorror. Como filme policial há o pecado do desenrolar dos fatos e pistas ser bastante óbvio.
A favor pesa o fato de Remar estar bem como um detetive de moral questionável, refém de clichês noir mas incrivelmente desenvolto. Outro bom ponto é o modo como ele se complementa com sua parceira a doutora Sally Powers, a personagem com poderes interpretada por Loryn Locklin.
Esse foi o piloto de uma série que acabou não vingando, e pudera, pesou contra ela o fato de ser bastante derivativa. Ao menos há um bom momento, na cena de morte do antagonista, em uma queda bem enquadrada pela lente de Craven.
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O diretor voltaria após os anos 1990 para o mercado de cinema, e até se aventuraria vez ou outra na televisão, mas mesmo em produções menores, optava pela arte na grande tela, ocasionalmente emprestando seu nome como produtor ou produtor executivo, como foi com a série Pânico de 2015.
Wes Craven viveu até os 76 anos e faleceu em 2015, depois de ter se solidificado como um dos mestres do horror, mesmo que sempre buscasse ser conhecido para além do cinema de gênero.
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