Pânico 5: uma nova versão da Radio Silence para o clássico metalinguístico

Normalmente o gênero do horror revela bons profissionais para o cinema, sobretudo dentro do cinema de baixo orçamento. Tendo seu próprio grupo de fãs e nichos, é natural que o secto seja refém de modas e tendências. Entre as manias mais populares está a de repaginar clássicos, como o Halloween, Massacre da Serra Elétrica e até A Orfã. No início do ano foi a vez da franquia Pânico retornar, com um quinto filme que foi bastante alardeado e elogiado e que já tem uma continuação engatilhada, a ser lançada logo, em março de 2023.

Pânico 5 foi batizado apenas como Scream no original, Pânico em terras brasileiras. A direção ficou a cargo da dupla Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, que junto ao produtor Chad Villella formam a Radio Silence. A ideia primordial da proposta pelo conjunto de realizadores era valorizar as ideias de Wes Craven, falecido diretor que conduziu os outros quatro filmes, e de Kevin Williamson, criador da franquia, que aqui assina como produtor executivo, mas voltado para uma nova gama de fãs.

A trama não inventa, é a mesma de sempre: um filme de matança que utiliza as regras do cinema de horror para discutir como é o atual momento desse tipo de filme.

A exploração pega carona nos estilos de terror conceitual e psicológico que normalmente é chamado (por fãs envergonhados) de Post Horror ou pós-horror, mas não sem debochar de quem acredita nessa baboseira trouxa, inventada por sua vez por quem tem vergonha de assumir que gosta de produções com nojeira e assassinatos.

Dessa vez a onda de homicídios mira as irmãs Carpenter Tara e Samantha. A mais nova (Tara) é interpretada pela nova queridinha do cinema de gênero Jenna Ortega que esteve em X e nos vindouros Pearl e Wandinha,

Já Sam é vivida por Melissa Barrera, que veio do seriado latino Club del Cuervos e da adaptação musical Em Um Bairro de Nova York, longa recente derivado do musical de Lin-Manuel Miranda.

As duas meninas são naturais de Woodsboro, e tem uma família "incompleta", com pais divorciados, com uma mãe que além de ser ausente ainda tem problemas alcoólicos, e é tão distante que nem sequer aparece no filme, mesmo com todo o rebuliço que ocorre na cidade, mesmo com suas duas filhas em perigo.

Como é praxe dentro da saga, se apela para o lugar comum dentro dos filmes de Wes Craven, que quase sempre abordava questões de famílias disfuncionais em seus filmes, a exemplo de A Hora do Pesadelo e até A Maldição de Samantha.

O início brinca com os epílogos da saga, colocando o icônico dono da voz de assassino Roger L. Jackson telefonando para Tara, se passando por um sujeito comum, que deseja flertar com a moça.

Ele ameaça uma das amigas dela e faz perguntas a respeito da franquia Stab, que obviamente não encontram eco na moça, já que a personagem preferia obras mais bem pensadas e menos derivativas, como O Babadook.

A sequência termina com uma bela sequência de perseguição entre Ghostface e a moça, com direito a facada na mão, pisão que fere a canela da vítima, golpes de arma branca nas costelas capazes de aleijar um homem adulto, mas que não matam a menina, afinal, era preciso que a história tivesse um chamariz diferenciado da simples morte da Casey de Drew Barrymore na obra de 1998.

Logo a câmera registra Sam, trabalhando e vivendo longe de sua cidade natal. Aos poucos o roteiro expõe que ela foi uma garota problema, uma adolescente com passado de delinquência e que fugiu da cidade por um motivo pessoal.

Essa questão não é nem um grande segredo, uma vez que ela é atormentada pelo fantasma de seu pai, Billy Loomis de Skeet Ulrich, que aparece aqui da mesma forma que morreu, com uma tentativa de rejuvenescer digitalmente o interprete, uma vez que ele morreu jovem e o ator seguiu sua vida.

Essa participação é bem estranha, em essência. O conceito parece forçada no início, mas o texto tenta usar essa possível ação sobrenatural como a justificativa tanto para o afastamento da personagem, como pela separação dos pais de Tara.

Ulrich ao menos está bem, e faz uma boa dobradinha com Barrera, eles de fato parecem ter algum parentesco, ignorado claros os efeitos especiais um pouco artificiais, sem falar que estabelecer desde o início que uma das protagonistas provavelmente tem problemas de origem esquizofrênica é um bom ponto de partida.

Ulrich e Barrera interagindo no set de Pânico

Samantha decide então retornar a sua cidade, e vai junto com seu namorado Richie (Jack Quaid, o filho de Dennis Quaid e Meg Ryan, o mesmo que fez Hughie Campbell em The Boys), e lá ela acaba encontrando uma nova geração de personagens e de possíveis novas vítimas e claro, novos suspeitos, bem no estilo comum aos filmes slasher do Williamson.

Os novos personagens do grupo popular são Amber (Mikey Madison, Sadie de Era Uma Vez em Holywood) os irmãos Mindy (Jasmin Savoy Brown) e Chad Meeks-Martin (Mason Gooding) que são sobrinhos de Randy, também Wes Hicks (Dylan Minnette), o filho da xerife Judy Hicks (mais uma vez feita por Marley Shelton), e Liv McKenzie (Sonia Ammar), em comum com as outras produções, há a praticamente nula participações dos pais dos meninos e meninas, exceção com Wes, que tem apenas sua mãe presente, uma vez que ela foi introduzida e bem aceita em Pânico 4.

Ghostface segue atacando com um agente do mal em famílias carentes. Os métodos do assassino são implacáveis, na primeira morte em tela o psicopata enfia uma faca de maneira rápida e certeira, com apenas um golpe no pescoço de um personagem que orbita o grupo de amigos.

A morte é seca, rápida e certeira, esses personagens novos enfrentam uma versão mais cruel e sem firulas do assassino serial.

Como é de esperar, personagens clássicos tem participação, mas demoram a aparecer. O primeiro deles, Dewey, que entra em cena com mais de meia hora de exibição.

O ex-agente da lei vivido por David Arquette vive de maneira patética, com uma rotina miserável e solitária. Ele não tem luxos, reside em um trailer, isolado e divorciado, mantendo contado com a sua ex Gale Weathers (Courteney Cox) apenas assistindo seu trabalho pela televisão, frustrado por não estar mais junto dela.

Nesse ponto o roteiro de James Vanderbilt e Guy Busick é pontual, e foge de grandes explicações, não é preciso dizer que o divórcio entre eles ocorreu há algum tempo, é fácil perceber que a vida dos dois tiveram rumos bem distintos, com ela tendo sucesso e ele triste, largado às traças, abandonado a sua própria falta de cuidado.

Seja lá qual foi o motivo da separação é triste que ele não tenha digerido bem, e é melancólico que a vida tenha retribuído com amargor um sujeito tão bom de coração.

Em menos de cinco minutos também é atualizada a situação de Sidney (Neve Campbell), que tem duas filhas em idade escolar e está com Mark Kincaid, personagem de Patrick Dempsey visto em Pânico 3.

Ela parece bem resolvida, feliz, bem distante dos lugares e fatos que lhe fizeram mal no passado, mas obviamente segue com grande estima aqueles que viveram todas as sequências violentas presentes nos longas da franquia. Ainda assim ela verbaliza que não deseja retornar para sua cidade natal.

Entre os novos personagens, há equivalentes óbvios com as encarnações clássicas. Tara e Sam dividem o posto de nova Sidney, embora claramente a balança pese mais para Samantha, já que ela é a pessoa cujo passado é escondido.

Mindy faz a vez do seu tio Randy, que explica os conceitos de filmes de horror, as novas regras e os clichês comuns ao cinema da década de 2020.

É a partir dela que vem a explanação sobre fãs tóxicos que reclamam da "agenda de crítica social" em remakes e reboots de franquias de terror, e é ela quem estabelece quem não são os suspeitos, já que Dewey desde o início de quem seria o suspeito óbvio, acertando nesse palpite, mesmo que seja um êxito pela metade, já que normalmente, são dois os assassinos em Stab/Scream.

Esse é um dos pontos altos entre os bons diálogos do texto e se torna ainda mais rico quando Mindy constata que Samantha é o centro das atenções dessa trama diabólica, servindo como um sol para um sistema de planetas, o astro que faz todos os corpos girarem em torno.

As cenas de assassinatos são bem enquadradas, especialmente com as facadas. Além de não existir receio aqui em matar personagens importantes, ainda há espaço para quadros violentos bem pensados.

Entre eles, uma morte sentida é a de Wes, atacado por uma lâmina que atravessa um ponto e vai até o outro ponto do pescoço, quase na bochecha, com a arma enfiada de uma maneira tão apertada que retém o sangue parado.

Em Pânico 4, Jill queria repetir a jornada de Sidney, de maneira voluntária. Pela fama de seu pai, Samantha repete o clichê da final girl, obviamente sem poder de escolha e a maior sabedoria do roteiro certamente é essa.

Ela até pensa em subverter o gênero, tencionando sair de Woodsboro novamente com a sua irmã, mas rapidamente desiste, por culpa, responsabilidade e remorso.

O filme demora a colocar juntas as duas gerações de Scream Queens, com pouco mais de 70 minutos de exibição, e é aqui que se notam alguns exageros. As tentativas de rimar com o original as vezes passam do ponto, o uso da casa de Stu como cenário é ok, mas usar a sobrinha de Randy na mesma cena do tio sendo atacado em Stab é tolo, parece querer ser mais esperto do que realmente é.

Fica a pergunta como seria a parte seis, se remeterá as continuações ou se tentará algo novo, um outro comentário sobre a frescura de fãs ardorosos da cultura pop, se será mais uma extrapolação da ideia de criticar refilmagens.

O novo Pânico da Radio Silence tem um viés mais positivo do que negativo, seus personagens são carismáticos, seu drama é atual e conversa bem com o conjunto de fãs imbecis de franquias de sucesso e faz comentários bem pontuais sobre a infantilidade da geração que reclama que qualquer acréscimo a pautas progressistas é necessariamente ruim, e faz tudo isso sem abrir mão da essência de discutir a cena do horror no cinema e sem abrir mão do gore.